A galera do ‘nunca houve tanta corrupção’

A galera do ‘nunca houve tanta corrupção’

image

Os indignados da boca para fora, e os desesperados da boca para o estômago

Jornal do Brasil
03/05 às 15h01 – Atualizada em 03/05 às 23h09
A profunda crise política brasileira, com o comprometimento moral e ético de seus alicerces, nos leva a uma profunda reflexão sobre a trajetória deste país. E a conclusão que se chega é que o país não conseguirá resgatar sua dignidade punindo apenas os ladrões do presente. É preciso acertar as contas também com os ladrões do passado.

Uma população com 80 milhões de jovens não se dá conta do que aconteceu num Brasil de décadas atrás: uma sequência assustadora de escândalos, roubos e corrupção sem contudo que houvesse punidos. O que está sendo feito no Brasil hoje já deveria ter sido feito há muito tempo. Mas lamentavelmente não foi.

No fim dos anos 1980, o escândalo dos Anões do Orçamento ganhou destaque: sete deputados da Comissão de Orçamento do Congresso faziam emendas de lei remetendo dinheiro a entidades filantrópicas ligadas a parentes e cobravam propinas de empreiteiras para a inclusão de verbas em grandes obras.

Ainda nos anos 1980, o jornalista Jânio de Freitas, em um furo de reportagem publicado na Folha de S. Paulo, revelava que havia sido fraudulenta corrupta a concorrência pública para construção da ferrovia Maranhão-Brasília (ou Norte-Sul).

E como não lembrar o caso Sunamam (Superintendência Nacional da Marinha Mercante), que era encarregada de gerir o Fundo de Marinha Mercante. No final do governo do ex-presidente João Figueiredo (1979-1985) foram descobertos indícios de irregularidades nos repasses de recursos do órgão aos estaleiros. Uma das suspeitas era de que as empresas descontavam, com aval da Sunamam, duplicatas de obras não realizadas, gerando a expressão “navios de papel”. Na época, estimaram-se as perdas do governo em cerca de US$ 545 milhões.

Também nos anos 80 houve o caso Montepio, no qual foram investigados vários atos de corrupção envolvendo a Agropecuária Capemi, contratada para extrair e comercializar toda a madeira da área que seria inundada com a construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí.

Nos anos 90, escândalo envolvendo a Andrade Gutierrez veio à tona, na construção da nova sede da Eletropaulo, no governo de Luiz Antonio Fleury Filho, sucessor de Orestes Quércia. Também nos anos 90, as privatizações foram a tônica, em negociações nebulosas alvo de denúncias e especulações.

E como não lembrar dos escândalos envolvendo bancos. Um dos mais notórios foi o do Banco Econômico, de Ângelo Calmon de Sá, e os famosos cheques sem fundo. E ainda do Banco Marka que, endividado, acabou favorecido pelo Banco Central. Aliás, vem daí também o polêmico Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional), que promovia socorro aos bancos com dinheiro público.

O Proer gastou R$ 37,76 bilhões com os bancos em funcionamento no país. Este valor foi apurado pela CPI dos Bancos, do Senado Federal, e consta do relatório final da comissão. O grosso dos recursos do Proer foi distribuído para salvar bancos falidos recebendo em troca títulos “podres” como forma de pagamentos e para dar garantia a grupos estrangeiros para comprar bancos brasileiros.

O mensalão tucano apontava para caso de peculato e lavagem de dinheiro na campanha para a reeleição de Eduardo Azeredo (PSDB-MG) ao governo de Minas Gerais em 1998. De acordo com a polícia, seis empreiteiras doaram R$ 8,2 milhões para a campanha de Azeredo sem declarar essas doações à Justiça Eleitoral, o que é obrigatório por lei.

Em artigo publicado no JB, o jornalista Mauro Santayana lembrou: “Em dezembro de 2014, um estudo feito pelo instituto Avante Brasil, que, com certeza não defende a “situação”, levantou os 31 maiores escândalos de corrupção dos últimos 20 anos.

Nesse estudo, o “mensalão” – o nacional, não o “mineiro” – acabou ficando em décimo-oitavo lugar no ranking, tendo envolvido menos da metade dos recursos do “trensalão”tucano de São Paulo e uma parcela duzentas vezes menor que a cifra relacionada ao escândalo do Banestado, que, em primeiríssimo lugar, envolveu, segundo o levantamento, em valores atualizados, aproximadamente 60 bilhões de reais.

E ninguém, absolutamente ninguém, que dizia ser o mensalão o maior dos escândalos da história do Brasil, tomou a iniciativa de tocar, sequer, no tema – apesar do “doleiro” do caso Petrobras, Alberto Youssef, ser o mesmo do caso Banestado – até agora.

Em 2009, uma operação da PF, batizada de Castelo de Areia, trouxe à tona novamente caso envolvendo políticos e empreiteiras. Deste vez era a Camargo Correia e mais de 200 políticos dos mais variados partidos relacionados com supostos crimes financeiros, lavagem de dinheiro, superfaturamento de contratos, fraudes em concorrências e pagamento de propinas.

Mais recentemente, o caso Alston, do metrô de São Paulo: uma série de denúncias de pagamento de propina feitos pela empresa francesa Alstom a vários políticos do estado de São Paulo. De acordo com o que consta de documentos enviados ao Ministério da Justiça do Brasil pelo Ministério Público da Suíça, no período de 1998 a 2001 pelo menos 34 milhões de francos franceses teriam sido pagos em propinas a autoridades do Governo do Estado de São Paulo e a políticos paulistas utilizando-se empresas offshore.

No ano passado tivemos também a Operação Zelotes – um dos maiores esquemas de sonegação fiscal já descobertos no país, no qual quadrilhas atuavam junto ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, órgão ligado ao Ministério da Fazenda, revertendo ou anulando multas milionárias de grandes empresas. Entre as citadas estão RBS, Gerdau, Ford, Mitsubishi, BR Foods, Camargo Corrêa, Light, Petrobras e os bancos Bradesco, Santander, BankBoston, Pactual e Safra. A operação Zelotes ainda está em curso, e até agora o prejuízo aos cofres públicos já chega a R$ 20 bilhões.

Aliás o Banco Safra do banqueiro Joseph Yacoub Safra – um dos homens mais ricos do país – citado na Operação Zelotes, também aparece nas investigações da Operação Lava Jato, sob suspeita de ter cometido crime financeiro e ajudado na lavagem de dinheiro do doleiro Alberto Youssef.

Vendo no retrovisor esta coleção interminável de escândalos, muitas perguntas ficam no ar: Onde estão os culpados? Quem foi preso? Os cofres públicos foram ressarcidos?

As cifras de todos estes escândalos chegam a níveis incalculáveis. Só os prejuízos causados pelos esquemas descobertos na Operação da Lava Jato tiveram como consequência uma profunda crise econômica e a retração de 3,8% do PIB brasileiro em 2015, uma redução de R$ 380 bilhões em relação a 2014. Diante deste montante, é simples chegar à conclusão de que não será resgatando as comissões de 1% ou 2% recebidas pelos corruptos presos que o país recuperará todo o gigantesco prejuízo causado pelos roubos.

Se hoje vemos líderes políticos se acusando e quase chegando ao confronto físico em pleno Senado, como se ali fosse um ringue de UFC – como aconteceu na segunda-feira (2) com os senadores Lindbergh Farias (PT) e Ronaldo Caiado (DEM) – o que pode acontecer com o país? O que pode acontecer quando o povo vê lideranças entrando em combate, como numa guerra entre fazendeiros e posseiros?

A polarização e o clima bélico têm verdadeiro potencial de combustível para uma massa de mais de 10 milhões de desempregados no país. Neste clima de guerra, o que se teme é que o Brasil se transforme num Oriente, com o caos e a destruição imperando.

O que esses líderes não estão avaliando é que, pelo agravamento da pobreza que assola o país, o desespero não é só da boca para fora para os milhões de pobres, desempregados e servidores sem salário. É principalmente da boca para o estômago.

E os que estão desesperados da boca para o estômago são, com certeza, seis vezes mais numerosos do que os que gritam da boca para fora. Diante deste quadro assolador, o que esperar desse país se essas lideranças arrastarem seus liderados para um confronto aberto?

Envie seu Comentário

comments