Quem tem dúvidas sobre o estupro coletivo é incapaz de pensar, banaliza o mal

Quem tem dúvidas sobre o estupro coletivo é incapaz de pensar, banaliza o mal

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A manchete do jornal anuncia: “Laudo sobre estupro coletivo pode contrariar senso comum”. Nas redes sociais o senso comum inclui a dúvida sobre se a menor foi estuprada ou consentiu que mais de 30 homens praticassem sexo com ela desacordada.

Num debate sobre o caso no WhatsApp em grupo restrito a servidores da UNIR, um professor compartilha fotos que seriam da garota segurando uma arma, em flagrante tentativa de mostrar que a vítima colaborou com a circunstância do crime.
No Facebook, uma advogada compartilha um banner com os dizeres: “Falou em cultura do estupro, já sei que é retardada” e se despede com “por isso, voto em Bolsonaro”.

O que isso revela senão a mensagem oculta no filme de Margarethe von Trotta que demonstra que o mal pode assumir faces “normais” e que seria indissociável de um cenário de democracia utópica?

Quantos Adolf Eichmann circulam no ambiente real e virtual que expressam um assustador relativismo do bem e do mal?
A análise que a filósofa Hannah Arendt fez sobre o julgamento do nazista para o jornal New Yorker, serviu como pano de fundo para o filme e se mostra atualíssima para compreendermos porque há pessoas aparentemente ‘normais’ se contorcendo pra associar a conduta da vítima à circunstância determinante à barbárie.

O mal não se restringe aos criminosos, mas se agiganta e perpetua pelos que se dizem ‘normais’ e banalizam casos como o do estupro coletivo. É o relativismo desses ‘normais’ que cria um sistema que permite que a violência tome uma proporção ainda mais grave.

Quando Hannah ponderou que Eichmman não era um psicopata, mas um “burocrata preocupado em cumprir as ordens, para quem as ordens substituíam a reflexão, qualquer pensamento que não fosse o de bem cumprir as ordens”, foi duramente criticada, sobretudo pela comunidade judaica, a qual pertencia.

O que ela quis realçar é que pessoas ‘normais’, sem características de psicopatas, podem banalizar crimes bárbaros seja por alegar cumprimento do dever, ou simplesmente por buscar qualquer argumento que os justifique.
É onde se encaixam os professores universitários e a advogada que tratam como habitual, um crime que deveria ser apenas inaceitável por senso comum.

A vítima é menor e aparece no vídeo divulgado na internet dopada, com vários homens lhe abusando sexualmente. Isso não basta para compreender que nada justifica que um bando faça sexo com ela e propague as cenas, com ou sem consentimento?
Se a menor estivesse lúcida, as cenas de sexo grupal seriam vistas só como uma conduta promíscua dela?

Bom, em um dos cinco artigos que Hannah escreveu sobre o julgamento de Eichmman, há um trecho em que ela destaca que o perfil do nazista “figurava-se como algo totalmente negativo: não se tratava de estupidez, mas de uma curiosa e bastante autêntica incapacidade de pensar.

Quem banaliza o crime estupro é igualmente mal, ainda que seja só pela incapacidade de pensar.

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