Papa Francisco dá sinais de que quer distância de Macri
LUCIANA DYNIEWICZ
DE BUENOS AIRES
A rejeição a uma doação feita pelo governo argentino de Mauricio Macri a uma entidade educacional impulsionada pelo papa Francisco azedou –mais uma vez– a relação entre os dois líderes.
Neste mês, o pontífice mandou os diretores do programa Scholas Occurrentes devolverem 16,6 milhões de pesos (R$ 4,3 milhões) que Macri havia repassado à entidade para a construção de uma sede na Argentina.
Segundo a imprensa local, o papa afirmou que “o governo tem que atender tantas necessidades do povo que não poderia pedir um centavo”.
A carta que a entidade enviou ao governo, porém, diz que a devolução foi feita para evitar que terceiros “desvirtuem” o gesto –a oposição dizia que o presidente estava tentando comprar o papa.
A recusa foi vista como mais um momento de tensão entre Macri e Francisco, principalmente depois que se soube que os próprios diretores da entidade haviam pedido a doação ao governo.
Desde que Macri assumiu a Presidência, em dezembro, comenta-se que o papa preferia que o peronista Daniel Scioli, apoiado pela ex-presidente Cristina Kirchner, tivesse vencido as eleições.
À época, a ausência dos cumprimentos do pontífice ao novo presidente foi questionada. O Vaticano, porém, respondeu que não envia mensagens nessas ocasiões.
Em seguida, quando Macri foi ao Vaticano, o papa fez questão de aparecer nas fotos com cara de quem não aprovava a reunião.
No mês passado, o pontífice recebeu a presidente das Mães da Praça de Maio, Hebe de Bonafini. Desafeta de Macri, a dirigente já o xingou diversas vezes e é aliada de Cristina, de quem recebeu apoio político e econômico.
Bonafini também mantinha uma péssima relação com o papa –dizia que ele representava a volta da ditadura. Mesmo assim, o pontífice se encontrou com ela.
“O governo ficou zangadíssimo. Pensaram: ‘Como o papa a recebe se eu quero tê-lo como amigo?'”, diz Fortunato Mallimaci, sociólogo especializado em religião.
De acordo com o pesquisador, o problema está na intenção de Macri de buscar na Igreja apoio e legitimidade, assim como todos os presidentes argentinos já fizeram.
“Por que não entendem que um dirige a igreja e outro um país? São coisas diferentes, mas, na cabeça deles e no imaginário popular, não se pode mostrá-las separadas.”
No centro das desavenças está a política econômica de Macri. “Francisco é explícito ao condenar a globalização excludente e o capitalismo”, diz o sociólogo Juan Esquivel.
Para Pablo Semán, antropólogo que estuda relações entre Igreja e Estado, o discurso do papa é de ataque ao neoliberalismo. A diferença entre as posições faz com que Francisco pareça mais próximo do peronismo.
Segundo pessoas próximas ao papa, Francisco acompanha minuto a minuto o que acontece em seu país. Apesar de não haver ruptura entre ele e Macri, não há interesse em mostrar apoio, dizem.
Do lado do governo, diz-se que não há dificuldade na relação e que, assim como o papa, Macri busca uma Argentina com “pobreza zero”.