As risíveis fraquezas humanas, segundo Dorothy Parker

As risíveis fraquezas humanas, segundo Dorothy Parker

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O que passa pela cabeça de uma mulher quando ela não aceita o simples convite para dançar em um luxuoso baile? Às vezes, pode ser algo tão cruel como um descabido desprezo por seu pretendente.

Em outra história, uma senhora diz ao marido que ele é um sortudo, pois ela é louca pelo cantor Walter Williams, mas nada pode acontecer entre eles porque o rapaz é “preto”. Depois de conhecê-lo, ela observa, exultante, que não vê a hora de contar em casa que quase chamou um “crioulo” de senhor.

Genial mesmo é o difícil diálogo entre dois namorados, uma pérola em forma de trocadilhos e embate verbal que consegue captar com perfeição as diferenças e as incompatibilidades entre os sexos. Ou a conversa de um jovem casal sobre os excessos provocados pela bebida na noite anterior.

O modo cínico como ela descreve tudo que o outro aprontou é inesquecível. Até revelar, para desespero do moço, que ele se declarou para ela. Só então o leitor entende o sentido de ela repetir o tempo todo que o interlocutor estava “ótimo” durante a festa.

A autora desses contos, a escritora americana Dorothy Parker (1893-1967) era o que se poderia chamar de convidada pouco confiável para qualquer evento realizado em casas da elite nova-iorquina. É evidente em suas histórias que ela buscava em situações do cotidiano da aristocracia americana e da nata da intelectualidade os pretextos que precisava para criar tramas com sua visão singular, implacável e muitas vezes cruel do comportamento humano. Não devem ter sido poucos os conhecidos que se identificavam em parte nas suas narrativas e ficavam furiosos.

Observadora atenta do comportamento humano, cética nata, ela tentava entrar na mente de quem lhe chamava a atenção para expor, quase sempre de modo nada lisonjeiro, seus pensamentos, divagações, propósitos e ambições. Muitas vezes, colocava a todos em situações, no mínimo, ridículas ou tolas. Suas personagens femininas são fúteis, carregadas de preconceito. Os homens, idiotas muitas vezes.

O incrível em sua biografia foi que ela se tornou conhecida antes mesmo de virar escritora, pela visão impiedosa e sarcástica que se expressava publicamente, com sutileza refinada. Seu humor, cheio de deboche, era uma afronta e algo condenável para uma moça de boa família, que devia seguir os recatos da boa etiqueta social, como era o seu caso. Mas ela não estava nem aí e, à medida que os anos corriam, mais aguçava sua visão sobre aquele mundo de hipocrisias, futilidades e vazio intelectual.

O talento em transpor essa visão de mundo para o papel legitimou suas ideias como jornalista, cronista, crítica e escritora. E lhe deu aval para continuar a aprimorar o estilo de seus contos mordazes, publicados em importantes revistas e jornais americanos e que aparece acabado e em sua excelência no livro de contos “Big Loira e Outras Histórias de Nova York”.

A antologia feita por Ruy Castro reúne vinte histórias curtas, selecionadas de seu livro original “The Portable Dorothy Parker”, volume com respeitáveis 600 páginas, editado pela primeira vez no ano de 1944. Os textos foram publicados pela autora em títulos como “Vanity Fair”, durante os anos de 1920 e 1930, e faziam a alegria dos leitores pelo senso de humor mordaz predominante. Em todos eles, Parker ultrapassa a linha do tempo e se mostra atualíssima, quase um século depois. A explicação para isso é o seu talento para ironizar principalmente dos esnobes que detêm algum tipo de poder.

Em suas histórias os alvos são tipos que procuram o tempo todo a ostentação e o esnobismo e fazem qualquer coisa para chegar ao topo, mesmo que, para isso, mintam ou criem tipos falsos. A autora, no entanto, desmascara todos eles. Recorre, para isso, a uma espécie de escárnio como ferramenta para escancarar certos pontos obscuros. Assim, expõe o desconforto com suas próprias vidas, sua incapacidade de se fazer ouvir, rejeições amorosas etc., sem se limitar a tratar de tolices.

Um dos melhores contos, “Diário de Uma Dondoca de Nova York”, é um exemplo acabado de seu estilo. A trama mostra uma moça caricata, que adora recorrer a superlativos em seus diálogos e fazem o leitor rir por causa dos seus vícios de linguagem. Por outro lado, ela diz palavras e expressões tão ocas que se fossem reais seria impossível não considerá-las insuportáveis.

Em “Um Telefonema”, a escritora mostra a atração alucinada e cômica de uma jovem com baixa estima por um rapaz, que esconde o desespero louco dela por arranjar um marido. Em situações assim, seu talento para descrever personalidade e estruturar perfis faz com que se sobreponha a sensação de que os personagens pareçam próximos, como se o público tivesse conhecido todos pessoalmente, tamanha a intimidade da autora com o tema que descreve e a verossimilhança que dá a cada texto.

Dorothy Parker veio ao mundo com o sobrenome verdadeiro Rothschild, tradicional e secular família judia de Nova York. Ela nasceu prematuramente, de sete meses, em 1893. “Foi a última vez que cheguei cedo para um compromisso”, brincou ela, que não gostava de falar do passado. Principalmente da perda da mãe, quando ela tinha cinco anos de idade. Apesar da origem religiosa, foi educada em colégios católicos, o que influenciou bastante sua carreira.

O sobrenome que a consagrou – “um nome bonito, limpo” – veio do primeiro de três casamentos, aos 24 anos, com o milionário Edwin Parker (1893-1933), que ganhava dinheiro como investidor da bolsa. Os dois tinham a mesma idade, mas ele morreu prematuramente, em 1933, com40 anos. Depois, casou-se duas vezes, em diferentes momentos, com o mesmo homem, o roteirista Alan Campbell (1904-1963), onze anos mais novo que ela. Queria ser mãe mas não conseguiu, por causa de uma série de abortos espontâneos.

Sua estreia no mundo da escrita se deu aos 18 anos, quando foi trabalhar na revista “Smart Set”, dirigida por ninguém menos que o lendário jornalista e escritor H. L. Mencken (1880-1956). Ela logo se destacou pelo afiado senso para a sátira e passou a alimentar pretensões literárias.

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No decorrer da década de 1920, Dorothy Parker foi uma atuante membro do Vicious Circle (Círculo Vicioso), como era chamado o fechado grupo de escritores, humoristas e teatrólogos que se reuniam todo final de tarde no Hotel Algonquim, para intensos debates literários e colocar as fofocas do meio em dia. Depois de se mudar para Hollywood, nos anos de 1930, tornou-se roteirista de filmes para vários estúdios e estabeleceu uma sólida carreira na área.

Não parou, porém, de publicar contos na grande imprensa e a escrever versos. Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), porém, retornou à sua cidade e ao jornalismo, quando se tornou uma respeitada e temida crítica literária, pela franqueza em expor seus comentários bem fundamentados. Na área de criação, publicou pouco: três livros de poemas (“Enough Rope”, “Sunset Gun” e “Not so Deep as a Well”) e um de contos (“Here Lies”). Em 1944, ganhou outro status ao lançar o calhamaço “The Portable Dorothy Parker”, com contos e poemas publicados nas duas décadas anteriores na imprensa.

Durante boa parte da vida, a escritora nunca teve dificuldades financeiras. Apesar do ciclo de amizade familiar, sentia-se mais à vontade no contato com os artistas que tornavam a vida em Nova York mais efervescente e agitada. “Ela foi a mais arrasadora personalidade feminina de seu tempo – uma cidade que tinha cerca de trinta grandes jornais diários, mais de dez importantes revistas mensais e pilhas de semanários, todos influentes”, observa Ruy Castro, na apresentação do único livro da escritora lançado no Brasil e que ele também traduziu.

Segundo o jornalista e escritor, até sua sombra era temida pelos que fingiam se levar a sério, enquanto que, ao contrário, era adorada pelos que fingiam não se levar a sério. “Ela passava como um trator sobre todos que não merecessem o seu respeito e admiração, enquanto mantinha essas reservas de admiração e respeito, de preferência, para as mulheres da Nova York do seu tempo”.

Como gastava muito, Dorothy Parker viveu os últimos anos esquecida e na pobreza, sustentada por alguns amigos adquiridos no fim de sua existência, como a escritora Lilian Hellman (1905-1984), viúva do roteirista e escritor de romances policiais Dashiel Hammett (1894-1961). Mesmo com a produção ficcional relativamente pequena, os anos continuam a consagrar a escritora, com seus contos cheios de situações risíveis, porém dramáticas, que rendem momentos divertidos e outros realmente comoventes, duros e cruéis. Como ocorre, às vezes, na vida de todos nós, muitas vezes.

Fonte: Brasileiros.com.br

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