Boris Vian, Por OBO, Orquestra de Baixo Orçamento
Talvez seja mais fácil apresentar Vian pelo que ele não fez: ele não foi pizzaiolo, por exemplo. Nem cabeleireiro, até onde eu sei.
Mas como nunca dá pra se dizer ao certo, o melhor é falar que ele teve uma vida prolífica. Escreveu romances, poesias, peças de teatro e opera, críticas, artigos, ensaios, roteiros de cinema. Cantava, tocava trompete, compôs mais de 400 músicas, interpretadas por músicos franceses como Serge Gainsbourg e Juliette Gréco. Traduziu livros, pintou quadros e atuou em filmes… Ah! Você está achando o curso de engenharia meio puxado? É mesmo? Então vá à merda, porque Vian também era engenheiro. E um destacado Patafísico, veja bem!
Mas, em 1946, quem conseguiu ler o livro “Eu vou cuspir no seu túmulo” (J’irai cracher sur vos tombes) antes que esse tenha sido proibido pela censura três anos depois, não viu o nome de Boris Vian na capa. Mas o de um tal Vernon Sullivan. E aqueles que ouviram (sem dúvida com certo espanto) as primeiras gravações de Rock’n’Roll na língua francesa tampouco viram o nome de Vian no álbum. Sob os títulos das músicas figurava o nome de Vernon Sinclair: Vian tinha cerca de 30 pseudônimos, com os quais assinava peças, músicas, artigos e livros…
A mãe de Boris Vian, Yvonne, foi herdeira de uma generosa fortuna, o que permitiu à família Vian viver sem maiores preocupações até o crash de 29, quando Boris contava 9 anos. Mas até lá, ele e seus 3 irmãos viveram uma infância sem grandes sobressaltos – para o mal e para o bem: em decorrência de sua saúde, Boris era superprotegido pela mãe, que desestimulava qualquer ideia do garoto de se afastar de casa. Podia, no máximo, ir ao terreno do vizinho caçar rãs com os irmãos. Mesmo perpetuamente ansiosa, Yvonne criava um ambiente de música na casa dos Vian. Harpista e pianista, ela executava temas de Erik Satie, Debussy e Ravel, além de ter escolhido os nomes dos seus dois filhos mais velhos inspirada em óperas: Boris, o segundo, foi uma dedicatória à peça Boris Godunov, de Pushkin.
A partir da metade dos anos 30, Vian passou a se envolver profundamente com o Jazz. Tocava trompete e promovia encontros no lendário clube Tabou, no célebre Club Saint-Germain (onde, por influência e insistência de Vian, tocaram lendas como Django Reinhardt, Duke Ellinton e Miles Davis), ou no Hot Club de France, onde além de tocar, expunha poemas sob o pseudônimo anagramático de Bison Ravi. Teve que abandonar o trompete em poucos anos em decorrência dos problemas cardíacos, mas isso não o impediu de compor incessantemente ou escrever artigos no Combat e no Jazz Hot, além de bolar 48 emissões radiofônicas chamadas Jazz in Paris.
A respeito da relação de Vian com o Jazz o cantor Henri Salvador comentou: “Ele era um amante do jazz, vivia apenas para o jazz, não escutava, não se exprimia senão que em forma de jazz.”
Livros
Os romances de Boris Vian são marcados por um estilo anárquico e com fortes influências surrealistas. Apesar disso, seus livros não são indigestos nem pesados. Pelo contrário, quem catar o “Espuma dos Dias” – o mais fácil de ser encontrado – vai experimentar uma leitura bastante divertida, por vezes até bastante engraçada. “Espuma” é seu livro mais célebre, ainda muito trocado entre jovens franceses, como uma espécie de “Apanhador no campo de centeio”. A obra conta a história do casamento e da decadência de dois jovens, Colin e Chloé, que tem suas vidas tumultuadas quando Chloé adoece: ela descobre que uma vitória-régia está crescendo no seu pulmão. A partir daí, tudo que cerca a vida do casal começa a (literalmente) perder o brilho, envelhecer, enferrujar: o sol deixa de entrar pelas janelas, as portas e as paredes começam a diminuir, os quartos mudam de forma, e todos os objetos vão refletindo o declínio do casal. O livro é recheado de referências cômicas, como o filosofo “pop-star” Jean Sol-Partre; Jesus Cristo na cruz pedindo dinheiro; e, como era de se esperar, Duke Ellington:
“Vou Cuspir no Seu Túmulo” também pode ser encontrado em algum sebo por aí, com alguma sorte. Alguns anos depois do lançamento (1946) o livro foi censurado, acusado de ser pornográfico e imoral. A história do negro de cabelos loiros que busca vingar a morte do irmão mais novo é uma mistura bizarra de violência, jazz e sexo. Vian escreveu o livro usando o nome de Vernon Sullivan seu pseudônimo norte-americano, e assinou o seu nome como tradutor do livro. A estratégia não funcionou, e ele foi obrigado a passar por todo o tipo de processos durante os anos seguintes.
O próprio: nessa pequena entrevista, Vian mostra, em uma frase, sua percepção artística que mistura realidade e imaginação. O “método” também é usado nos seus livros: na introdução de “A Espuma dos Dias”, o autor explica: “Essa história é inteiramente verdadeira, pois eu a inventei do início ao fim”.
Apesar de tudo, Vian teve uma vida curta. Desde pequeno, teve problemas de coração e sua saúde sempre foi frágil. Aos 39 anos, sofreu uma crise cardíaca na poltrona do cinema enquanto assistia à première da adaptação do seu livro “Eu irei cuspir no seu túmulo”, 1959. Morreu no caminho do hospital. Talvez seja por saber das condições quebradiças e do tempo limitado da própria vida que Boris Vian tenha vivido com essa ânsia por projetar-se em todos os cantos que lhe foi possível, e compactar em poucos anos uma produção gigantesca e multifacetada, como uma enorme boneca Matrioshka.