Por Ana Valeska
Próximo de completar vinte e seis anos de vigência, necessário se faz observar os avanços e retrocessos desta lei.
O Estatuto surgiu como uma carta que elencava medidas de proteção e de prevenção não inclusas no então Código de Menores (Lei 6697/79). Dentre elas cumpre ressaltar a criação dos conselhos tutelares e o tratamento especial para menores que infringiram a lei. O objetivo inicial da lei era a proteção integral às crianças e adolescentes destinatários do Estatuto.
Com a entrada em vigor do ECA foi adotada a doutrina da proteção integral, tendo como referência a proteção de todos os direitos infanto-juvenis advindos da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia- Geral das Nações Unidas, no dia 20/11/1989. O Brasil adotou o texto, em sua totalidade, pelo Decreto n.º 99710/90, após ser ratificado pelo Congresso Nacional.
As leis anteriores ao Estatuto ficavam restritas às sanções. No que corresponde aos direitos. Já o ECA e a doutrina da proteção integral reafirmam o valor da criança enquanto pessoa; sua observância e reconhecimento enquanto ser em desenvolvimento; o valor da infância e da juventude e o reconhecimento de sua vulnerabilidade; o que torna o menor perecedor de proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado, o qual deve atuar através de políticas específicas para promoção de defesa de seus direitos.
A doutrina da proteção integral dos direitos supõe que o sistema garanta a realização das necessidades das crianças e adolescentes, tendo por prioridade as seguintes: direito à vida, à saúde, à educação, à convivência familiar e comunitária, ao lazer, ao esporte, à profissionalização, à liberdade, enfim, todos os direitos do ser humano (artigo 227 da CF). Pela primeira vez na história constitucional brasileira, a criança é tratada com enfoque e elevada à questão pública.
Importante frisar, ainda, que até aqui a criança e o adolescente jamais tiveram um status social de sujeito. Sempre foram tutelados, tratados enquanto sujeitos passivos e sem qualquer garantia de que sua vontade e anseio pudessem ser considerados. Não eram tratados como sujeitos em desenvolvimento que precisam, paulatinamente, serem preparados para a vida adulta. Eram tutelados, simplesmente. Não tinham direito à voz.
Em 1990, frente aos problemas apresentados pelo desgastado modelo institucional da FEBEM e frente às lutas que surgiram e propunham outro paradigma para a questão da criança e do adolescente, foi sancionada a Lei 8.069 em 13 de julho de 1990. Conhecida como ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), ela regulamenta uma série de direitos garantidos a partir da Constituição de 1988. Sua importância está em proclamar a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, colocando-os como prioridade da sociedade brasileira e merecedora de proteção integral.
Entre outras questões de suma importância, o ECA visa superar a concepção de menor. A partir de então, esse termo caiu em desuso. Dizer menor para se referir a uma criança ou um adolescente é resgatar toda a carga histórica que essa palavra carrega. A partir do Estatuto, utilizamos criança para sujeitos de 0 a 12 anos incompletos; e adolescentes para sujeitos de 12 anos completos até 18 anos. Brasileiros, sem distinção de raça, cor ou classe social, passaram a ser reconhecidos como sujeitos de direitos e deveres, considerados como pessoas em desenvolvimento; sujeitos a quem devemos sempre priorizar.
Apesar de toda a luta que resultou no ECA, a realidade nos coloca frente a vários desafios, para que o estatuto seja efetivado na sua totalidade. E um dos grandes desafios para os militantes em defesa dos direitos humanos de criança e adolescente tem sido a luta para mantermos a idade penal.
Sabemos que o Brasil vive um grave problema de violência. Está claro que há adolescentes que cometem crimes graves e, portanto, devem ser responsabilizados. Mas alterar o Estatuto para rebaixar a maioridade penal, certamente, não resolverá o problema. Ao contrário: julgar e encarcerar adolescentes como adultos poderá ainda mais alimentar o ciclo de violência.
Em 2015, foi aprovado pela Câmara Federal a famigerada PEC 171, reduzindo a maioridade penal, de 18 para 16 anos, nos casos de crimes hediondos (estupro, sequestro, latrocínio, homicídio qualificado e outros), homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte
Atualmente a PEC se encontra na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, em um relatório e substitutivo apresentado pelo Senador Ricardo Ferraço (PSDB/ES), relator da PEC 115/2015, a qual também estão apensadas as PECs de números 74/2011, 21/2013 e 33/2012.
A Frente Nacional Contra a Redução da Maioridade Penal, coletivo formado por centenas de defensores de direitos humanos, ativistas e profissionais do Sistema de Garantia de Direitos, fóruns, movimentos e organizações da sociedade civil acompanha atentamente o andamento das PECs no Congresso Nacional.
A OAB Nacional, já se posicionou contrária a redução da maioridade penal, reafirmando o entendimento histórico do seu Conselho Pleno, desde março de 2007. Para a Ordem, esta é uma cláusula pétrea, que não pode ser modificada. Além disso, há dados que mostram que essa medida seria inócua. O entendimento da OAB é de que o Estado brasileiro deve primeiro cumprir suas funções sociais antes de remeter a culpa pela falta de segurança ao sistema de maioridade penal.
A solução do problema da violência no País é criar oportunidades para que crianças e adolescentes possam desenvolver seus potenciais e realizar seus sonhos sem cometer delitos. Para aqueles que cometerem atos infracionais, o Brasil precisa garantir um sistema socioeducativo que interrompa essa trajetória e ofereça oportunidades efetivas de reinserção social e cidadania para estes adolescentes. Da mesma forma, é preciso proporcionar uma política pública de prevenção de delitos efetiva.
FONTE: Ana Valeska – membro das Comissões dos Direitos Humanos, das Prerrogativas e da Mulher Advogada/OAB-RO