Ah, eu quero contar uma história… A história de um Brasil que parece ter se acabado. Mas não vou conseguir. É doloroso demais. Vou contá-la por intermédio dos filmes que me formaram, rogando para que a memória não me traia…
Por Paulo Cavalcanti
Eu nasci em 1965.
Mas sou Rio, 40 Graus (1955), de Nelson Pereira dos Santos.
Eu sou Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha.
Eu sou O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla.
Eu sou Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade.
Eu sou Os Inconfidentes (1972), de Joaquim Pedro de Andrade.
Eu sou Dona Flor e seus dois maridos (1976), de Bruno Barreto.
Eu sou Xica da Silva (1976), de Cacá Diégues.
Eu sou Lúcio Flávio, o passageiro da agonia (1976), de Héctor Babenco.
Eu sou O Aleijadinho (1978), de Joaquim Pedro de Andrade.
Eu sou Coronel Delmiro Gouveia (1978), de Geraldo Sarno.
Eu sou A Dama do Lotação (1978), de Neville de Almeida.
Eu sou Eu Matei Lúcio Flávio (1979), de Antônio Calmon.
Eu sou Bye Bye Brasil (1979), de Cacá Diégues.
Eu sou Os Anos JK: uma trajetória política (1980), de Silvio Tendler.
Eu sou Gaijin: caminhos da liberdade (1980), de Tizuka Yamasaki.
Eu sou O Beijo no Asfalto (1980), de Bruno Barreto.
Eu sou A Revolução de 1930 (1980), de Sylvio Back.
Eu sou Pixote, a lei do mais fraco (1981), de Héctor Babenco.
Eu sou Bonitinha, mas ordinária (1981), de Braz Chediak.
Eu sou Eles não usam black-tie (1981), de Leon Hirszman.
Eu sou Rio Babilônia (1982), de Sylvio Back.
Eu sou Jango (1984), de Silvio Tendler.
Eu sou O Beijo da Mulher Aranha (1985), de Héctor Babenco.
Eu sou Muda Brasil (1985), de Oswaldo Caldeira.
Eu sou Ópera do Malandro (1986), de Ruy Guerra.
Eu sou Anjos do Arrabalde (1987), de Carlos Reichenbach.
Eu sou Ilha das Flores (1989), de Jorge Furtado.
Eu sou Kuarup (1989), de Ruy Guerra.
Eu sou Que bom te ver viva ! (1989), de Lúcia Murat.
Eu sou ABC da Greve (1990), de Leon Hirszman.
Eu sou Lamarca (1994), de Sérgio Rezende.
Eu sou Terra Estrangeira (1996), de Walter Salles.
Eu sou Guerra de Canudos (1997), de Sérgio Rezende.
Eu sou O Velho: a história de Luiz Carlos Prestes (1997), de Toni Venturi.
Eu sou O que é isso, companheiro? (1997), de Bruno Barreto.
Eu sou Central do Brasil (1998), de Walter Salles.
Eu sou O Auto da Compadecida (1999), de Guel Arraes.
Eu sou Marighella (2001), de Silvio Tendler.
Eu sou Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles.
Eu sou Edifício Master (2002), de Eduardo Coutinho.
Eu sou Madame Satã (2002), de Karim Aïnouz.
Eu sou Desmundo (2002), de Alain Fresnot.
Eu sou Carandiru (2003), de Héctor Babenco.
Eu sou Narradores de Javé (2004), de Eliane Caffé.
Eu sou Raízes do Brasil (2004), de Nelson Pereira dos Santos.
Eu sou Araguaya: a Conspiração do Silêncio (2004), de Ronaldo Duque.
Eu sou Olga (2004), de Jayme Monjardim.
Eu sou Diários de Motocicleta (2004), de Walter Salles.
Interrompo a lista de meus filmes aqui, em 2004, segundo ano do primeiro governo Lula. A mostra é representativa. Salto, então, para 2016, também representativo.
Até agora, em 2016, morreram Ettore Scola, Umberto Eco, Héctor Babenco e Evaristo de Moraes Filho.
Querem saber de uma coisa? Algo em mim também morreu neste ano.
Tudo se passa como se já não soubesse mais quem somos, nós, Brasil e brasileiros.
Olho em volta e as antigas referências parecem ter sumido. Mal reconheço também certos colegas, amigos e familiares nesta virada golpista e conservadora que só pratica e anuncia retrocessos.
Daí o inventário de filmes. Relembram-me a vida, os problemas, as lutas, as contradições e os projetos dos brasileiros. Será que vamos jogar tudo fora?