Por Altair Santos (Tatá)
Dão conta que ali por volta do ano de setenta e oito, antes de ganhar o beco e sumir de vez, apagando o seu nome e presença física do Bar e Puteiro do Figueiredo, na entrada do Bairro do Triângulo, o esquelético Antonio Sardinha, por lá conhecido como Detetive Sardinha, já que essa era essa a sua profissão e daí o pseudônimo, passou por mais um perrengue que ilustra o seu nocauteado currículo.
O cidadão era um desafortunado de sorte, um quase amaldiçoado colecionador de entreveros, cujos saldos negativos sempre lhes eram impiedosamente creditados.
Sardinha carregava tatuado em seu corpo os hematomas e gravado na mente as lembranças de uma vida atribuladamente vivida no calor e perigo das fortes emoções. Muito disso era por causa do seu xamego com a Isabel, uma corpulenta dançarina e “algo mais”, dos dias e noitadas daquele bem movimentado endereço dos prazeres, sob a competência do empresário e gestor, o baixinho, calmo e gentil Chico Figueiredo.
Dentre os desafetos do Sardinha, a maioria era rapazes dos bairros Mocambo, Triângulo, Baixa da União e Ramal São Domingos, além de marujos hospedados na região do Cai N´água, alguns feirantes e mecânicos da ferrovia, fregueses assíduos do estabelecimento, unânimes e uníssonos em preferir ver a face do cão chupando manga às suas frentes, do que ter a incômoda e ameaçadora presença do detetive por perto, dado o risco iminente de delação que emanasse da língua solta do “non grato” e indesejado caguete.
No mês de dezembro, quando o espírito natalino soprava a tônica da vida com o nascimento do menino Jesus e os sinos dobravam badalando ternuras aos corações do povo da cidade, as famílias se revezavam nas compras pelo comércio alternativo da já decadente Rua do Coqueiro e no próprio centro de negócios da efervescente Avenida 7 de setembro, pelas afamadas e diversificadas lojas da capital do então território. Ao passo disso, o Detetive Sardinha fora chamado às falas pela sua amásia, a Isabel, que dele urgentemente precisaria.
E assim tiveram: três dias antes do Natal, Isabel, a mandatária, exploradora e controladora das mensais finanças salariais do Sardinha anunciou que receberia uma grande amiga, a Rosilene, cuja alcunha artística, mais tarde seria Rosi Batom. A jovem deixara a sua morada nas proximidades da Boca do Marmelo no Amazonas para, aqui, em solo karipuna, profissionalmente assumir as funções mesmas da anfitriã, quais fossem, dançar e etc e tal, “principalmente” o etc e tal!
Dona de um sinuoso e torneado corpo com tudo em cima e, com o qual, enfeitiçara os homens do lugar, a ribeirinha amazonense de cabelos longos e olhos negros, ganhou logo outro apelido: Sereia Capetinha. Não era pra menos, afinal aquele pedaço de mau caminho lançava centelhas incendiárias até deixar em chamas e desgraças as barreiras comportamentais dos marmanjos movidos por incontrolável torpor e quase irrefreável tara. O certo é que, com a presença da Rose Batom, aquela hidra, em forma de mulher a bafejar imãs de desejos, ninguém passava na frente do Figueiredo Inferninho´s Night And Day, indo ou vindo do centro da cidade, sem que fizesse um pit stop ainda que só pra limpar as vistas. Em suma, a moça era uma aquecida máquina humana a rivalizar em vapor e pressão com as potentes locomotivas 15 e 18 da Madeira Mamoré.
Sob financiamento e providências do meganha submisso, as acanhadas dependências do quarto seis, a mais visada e freqüentada morada e “birô” de negócios sobre assuntos de sedução e prática íntima e frenética do corpo a corpo da avantajada Isabel, ficaria nos trinques. Fizeram pintura nova, colocaram cortina, afixaram na porta um baita número 6 talhado em flandres (alumínio) na oficina do Aarão, pois assim, ninguém erraria o endereço dos coloridos e indescritíveis prazeres. O atrativo retoque interior e tom convidativo foi dado com lâmpadas de luminosidade tênue e tez difusa e discreta entre o lilás e outra cor, além dum toca discos da maca Phillips, novinho em folha que tocava os long-plays de Evaldo Braga, Waldik Soriano e Lindomar Castilho, o menu musical e romântico do Ap
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Ao término da reforma, Isabel ordenou que o Sardinha corresse até a Casa Damour do comerciante Tufic Matny e lá comprasse tudo de bom e do melhor entre enlatados, secos e molhados, além de bebidas finas, afinal, logo mais, a Rosi Batom subiria o barranco pra almoçar entre amigos. Antes do final da manhã, Isabel acompanhada do Detetive Sardinha, algumas putas e putanheiros selecionados a dedo, correram pro Cai N´água onde o neo-transatlântico Cidade de Borba já ancorava. Antes mesmo da prancha de acesso ser esticada para a desembarque dos passageiros eis que tropegamente bêbada, porém triunfal, salta em terra portovelhense a Rosi, mais assanhada que galinha pedrês no chuvisco, distribuindo sorrisos, abraços e fortes baforadas de cachaça, já que bebera, o quanto durou a viagem, ou seja, dois dias e meio.
No cafofo, aos fundos do puteiro, entre o almoço de boas vindas e a seqüencial bebedeira da Rosi Batom, a meia dúzia de homens convidados, fora luxuosamente brindada com um “avant premier” da moça que, ao ouvir uma música, subiu na cama, sacou o curto vestido vermelho que usava e “causou” ao movimentar suas generosas e esculturais formas num sobe e desce em efeito espiral de endoidecer, para deleite da admirada e boquiaberta platéia.
Sardinha em rigorosa dieta, portanto inapto, de quarentena e abstenção aos prazeres, não conseguiu disfarçar e, como ter sido tocado por arroubos desejosos que lhes minaram a quietude, soltou as suas duas mãos, “nada bobas” a passearem pela bem distribuída sinuosidade da bunda e par de coxas da bailarina.
Como resposta a Sereia Capetinha desferiu uns quatro bofetes bem aplicados nas fuças do enxerido que beijou a lona. Ao levantar-se para o revide, a platéia revoltada com o estraga prazer, encarregou-se de completar a dose cobrindo-lhe com um verdadeiro e caprichado samba de pau do qual participara a própria Isabel que, além de esmurrar-lhe com fé e esperança, valeu-se da sova para confiscar a sua carteira com a sobra monetária da reforma.
Naquela noite uma chuva fina e insistente caiu em Porto Velho e o avariado Detetive Sardinha, privado de sua identidade e finanças foi, à força, convidado a dormir do lado de fora, enquanto lá dentro no conforto da casa nova e ao calor das intimidades e putarias mil, a orgia comia no centro.
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