Casamento em jogo
Dona Laudicéia deixou a casa dos pais aos dezesseis anos para se casar, completamente apaixonada pelo noivo, Seu Ernesto. Tiveram 11 filhos e já contavam 17 netinhos.
Com o ido dos anos, passou a cuidar muito deste marido que, depois de sofrer um derrame, ficou com dificuldades para se locomover, ouvir e falar. Ela o agarrava pelo braço e o levava parecendo àquelas carteiras estilo capanga, que se põe debaixo do sovaco.
Como moravam na zona rural, iam, volta e meia, até a cidade. Formavam um casal de velhinhos daqueles bonitos de se ver. Até que um dia a Justiça Eleitoral ameaçou pôr tudo isso a perder…
É que foram transferir o título para votar em uma nova seção na zona rural, após anos tendo que vir votar na cidade. Ela se apresentou primeiro e foi logo respondendo: o nome completo, documentos, endereço, telefone. ‘A senhora é casada?”, perguntou a atendente. “Graças a Deus!”, respondeu a Dona Laudicéia. Como eu disse, era uma mulher apaixonada pelo marido.
Após o atendimento, quando ela foi se levantando para ir embora com o título novo, recém saído da impressora, ouviu da atendente: “O velho fica, senhora!”.
É impossível descrever o semblante de horror, de indignação e medo que tomou conta da Dona Laudicéia! Ela não podia acreditar que isto estava acontecendo com ela.
Justo com ela, que sempre foi uma esposa e mãe tão dedicada. “Como assim o velho fica, menina?”, respondeu ela de forma ríspida e pronta para ‘entrar no braço’ se fosse preciso. “O velho, Dona Laudicéia, o velho fica aqui com a Justiça Eleitoral. Fica retido”, insistiu a atendente, já se assustando com os rumos que aquele atendimento estava tomando.
“Ah, mas era só o que me faltava mesmo! Vir aqui fazer o título e ouvir um disparate desses! Você não tem amor aos dentes não, minha filha?” A servidora ficou realmente com medo e viu que a Dona Laudicéia lhe daria um catiripapo sem pensar duas vezes.
“Eu tenho é mais de 55 anos de casada! Quem a Justiça Eleitoral pensa que é para me tomar o marido assim?”, gritou ela, dentro do cartório, para quem quisesse ouvir.
“Ufa”, pensou a atendente que foi logo esclarecendo : “Calma, Dona Laudicéia, é só um mal entendido. O título velho é que fica aqui conosco. O seu marido vai com a senhora, para onde a senhora quiser”. Ela, então, não perdeu o rebolado: “Acho bom mesmo!Eu, hein, que susto que vocês me deram!”
E saiu, feliz da vida, com o título novo e o marido velho, para completar mais alguns bons anos de casada…
Cariny Baleeiro Tadiotto Cielo