Rogério Dultra: denúncia contra Lula não é processual; é retórica

Rogério Dultra: denúncia contra Lula não é processual; é retórica

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Por Rogerio Dultra dos Santos, colunista de política do Cafezinho

Como já se sabia desde meados de 2015, a “Operação Lava-Jato” tem como objetivo maior não somente a desarticulação das forças de esquerda no país, mas o sepultamento político de sua maior liderança histórica, Luiz Inácio “Lula” da Silva.

Nas redes sociais não é raro ver o pessoal alinhado com a esquerda postar memes ou colocar frases referentes ao “desaparecimento” da “Operação Lava-Jato”. Sempre acreditei que este tipo de manifestação é a legitimação de um processo jurídica e politicamente viciado.

Significa que a esquerda, de forma torta, atribui sentido jurídico a esse espetáculo que constrange os bons juristas e, não se engane, setores mais sóbrios do Judiciário – aqueles que prezam pela Constituição e pelo devido processo legal.

Pois aí está. A “Lava-Jato” não demorou a reaparecer.

Depois de um conjunto de eventos que demonstrou a politização da “Operação”, depois que denúncias de variados políticos que compõem o núcleo do regime golpista de Michel Temer desaparecerem sob a já icônica frase “não vem ao caso”, o atuar seletivo voltou às luzes da ribalta.

O Espetáculo de imolação de Lula, iniciado formalmente com a “condução coercitiva” de março deste ano, chega ao momento máximo.

Hoje à tarde, Procuradores do MPF do Paraná convocaram uma coletiva para explicar didaticamente, e através de gráficos de powerpoint, os capítulos do “maior esquema de corrupção” jamais visto no país.

“Não teremos aqui provas cabais de que Lula seria o proprietário formal do Triplex de Guarujá”, diz o procurador imberbe. Lula está sendo acusado pela “propriedade de fato” (???), “comprovada” por três conjuntos de atos de lavagem, divididos em cinco fases.

Entendeu? Não precisa. Nem vem ao caso que “propriedade de fato” não configure crime de coisa alguma.

Nem vem ao caso que o “maior esquema de corrupção” jamais visto se materialize num Triplex mixuruca no Guarujá, que Lula até pensou em adquirir, de forma parcelada, e depois desistiu. Mas aí aparece uma rasura no documento de aquisição do Triplex. Será que a rasura não demonstra um interesse de adquirir o apartamento? Será??? E as obras de reforma no apartamento? Não é estranho que uma construtora como a Odebrecht tenha sido responsável pela reforma – reforma e decoração feitas com “um toque de personalização”? Não é estranho?

Indícios, suspeições, ilações. Na coletiva, a imaginação narrativa dos Procuradores corre solta. Aquilo que qualquer estudante de Processo Penal sabe que não representa prova e, portanto, motivo para denúncia judicial, pode virar uma narrativa complexa, cheia de meandros que, repetida ad nauseam, conduz ao entendimento, por osmose, de que há alguma coisa errada ali. E, como numa mágica, o indício vira prova, a imaginação vira fato.

Pronto, já dá para fazer a denúncia.

A recapitulação de fatos requentados e não provados se recompõe numa narrativa estruturada. A consistência da acusação não é processual, portanto, é retórica. Pois é de retórica que se cria um processo midiático.

Se não bastasse um processo desta gravidade política ser transformado em espetáculo a-jurídico, os Procuradores fazem questão de deixar claro que a denúncia que apresentam hoje é uma cópia deslavada e mal-disfarçada da Ação Penal 470, do “mensalão”.

Dizem os Procuradores: – Nós invocamos o esquema do Mensalão como uma “peça probatória”, como mais um elemento deste quebra-cabeça. Depois do Mensalão, o Lula não pode mais dizer que não sabia de nada (???).

Enriquecimento ilícito através de “propinas disfarçadas”, um gigantesco esquema de corrupção para a tomada pelo poder, a reação do perseguido – interpretada como “obstrução da justiça” – e a sua responsabilidade histórica pelo “mensalão” tudo concorre como elementos “probatórios” para a criminalização do Ex-Presidente. Lula conspirou contra a “Operação”.

Assim, o vértice comum da “propinocracia”, do governo que se realizaria por corrupção, obviamente seria Lula, o dono “de fato” do Triplex.

Na apresentação em jogral do MPF, Lula é colocado como centro do esquema criminoso. Lula não só não tinha como não saber, como deveria ser o comandante do esquema. Coordenaria um “caixa geral” de propina que distribuía de acordo com necessidades políticas. Tudo refletindo um procedimento que os Procuradores aprenderam com as palavras de Alberto Yousseff e Paulo Roberto Costa, os ilibados delatores preferenciais da “Lava-Jato”.

Nesse sentido, como “prova” derradeira, as Estrelas D’Alvas que sempre facilitaram o trabalho do MPF, as “delações premiadas”. No lugar de um conjunto probatório documental sólido, confissões interessadas. No lugar de uma denúncia robusta, uma narrativa constituída como novela, anunciada em coletiva de imprensa, “vazada” desde ontem, pelo menos.

Mídia, novelização da denúncia, flexibilização do Processo Penal e das provas, inviabilização dos adversários políticos por via judicial. Este enredo já se sabe onde vai dar. A democracia manda lembranças.

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