Não pense na exceção, mas na regra para refletir sobre a dramática sentença no título. O mito da generosidade brasileira se desfaz cada vez mais com a ofensiva conservadora que obriga a sociedade a debater direitos fundamentais como a liberdade e a igualdade.
A pesquisa Datafolha que revelou que 1 em cada três brasileiros culpam mulheres estupradas é apenas uma das provas de que não somos bons, que de um modo geral é a ruindade que prevalece.
Para 33,3% da população o crime ocorre porque as vítimas não se dão ao respeito.
42% dos homens acreditam nisso e 32% das mulheres concordam.
A pesquisa confirma o senso comum com maus instintos que motivou o debate acalorado e insano nas redes sociais há cinco meses quando uma adolescente foi vítima de estupro coletivo.
Entre os que justificaram a barbárie, despudoradamente surgiram advogados, professores universitários, líderes religiosos e fiéis.
Uma advogada publicou: “falou em cultura do estupro, já sei que é retardada”.
Que a pesquisa lhe sirva como prova e não mera convicção de que sim, há cultura do estupro no Brasil e não pelo grito dos maus, mas pelo silêncio dos que se dizem bons.
Os que banalizam com o crime de estupro são como Adolf Eichmann, o nazista sobre o qual a filósofa Hannah Arendt se debruçou não para justificar, mas para compreender os motivos que levam alguém a ser insensível diante da crueldade.
Hannah foi duramente perseguida por afirmar que o mal não se restringe aos criminosos, mas se agiganta e perpetua pelos que se dizem ‘normais’ e banalizam casos de extrema violência.
É o relativismo desses ‘normais’ que cria um sistema que permite que a violência tome uma proporção ainda mais grave.
A análise que a filósofa fez sobre o julgamento do nazista para o jornal New Yorker se mostra atualíssima para compreendermos porque há pessoas aparentemente ‘normais’ que associam a conduta da vítima à circunstância determinante à barbárie.
Quantos Adolf Eichmann circulam no ambiente real e virtual que expressam um assustador relativismo do bem e do mal?
Foram ‘normais’ sem características de psicopatas que responderam ao Datafolha, uma parcela imensa de brasileiros que banalizam crimes bárbaros por convicções não só estúpidas, mas desumanas baseadas em normas de conduta de fundamentalismo religioso.
A cada duas horas nasce uma igreja no Brasil e a sociedade está espiritualmente cada vez mais distante da generosidade, o primeiro e mais importante princípio cristão.
É lenda associar a simpatia do brasileiro com magnanimidade e isso acontece porque a imprensa sensacionalista dá uma proporção gigantesca a casos isolados de bondade para faturar com publicidade.
Outras pesquisas revelaram o perfil da sociedade brasileira que se mostra ruim e estúpida por maioria ao aprovar a redução da maioridade, a prisão perpetua ou pena de morte, apesar de saber que neste país a lei não vale para todos.
Em um dos cinco artigos que Hannah escreveu sobre o julgamento de Eichmman, há um trecho em que ela destaca que o perfil do nazista “figurava-se como algo totalmente negativo: não se tratava de estupidez, mas de uma curiosa e bastante autêntica incapacidade de pensar.
Entendeu agora o título tão provocante?