No 23 de setembro de 1964, o educador e filósofo Paulo Freire, criador do método que revolucionou a alfabetização de adultos, era libertado após 72 dias na prisão. Seu crime, querer transformar o pensamento pedagógico ao aproximar o processo de ensino do contexto social e político do país.
Para os militares era um projeto subversivo, pois alfabetizados passam a contestar a realidade, o que dificulta a submissão.
No inquérito, Amado Menna Barreto Júnior (funcionário público do Ministério da Educação e Cultura) afirmou “que o PNA visava não apenas a alfabetização e conscientização da massa analfabeta, mas muito particularmente a sua politização, com a evidente intenção de formar um eleitorado perfeitamente identificado com os princípios que até então nortearam as atividades subversivas no país”.
Paulo Freire havia realizado uma experiência-piloto no município de Angicos (RN), quando alfabetizou 300 trabalhadores em 40 horas, o que inspirou a construção do método que influenciou o pensamento pedagógico em vários países.
A iniciativa ganhou imensa repercussão e mesmo preso no 14ª Regimento de Infantaria em Recife, um capitão pediu que ele alfabetizasse os recrutas. “Mas, capitão, é exatamente por causa do método que estou aqui”, disse o educador.
Da prisão seguiu para mais de uma década de exílio e até a anistia, o Método Paulo Freire o consagrou como o maior educador brasileiro. Os mais de 40 livros que escreveu foram traduzidos em dezenas de idiomas e a tese de unir a prática dialética com a realidade libertou milhões da alienação.
Não tivesse sido preso e a implementação de seu método no Brasil adiada, certamente haveria mais gente politizada para contestar a reforma do ensino médio proposta pelo governo de Michel Temer sem consulta à sociedade e, sobretudo aos educadores.
Que deve haver reforma ninguém duvida, mas não sem diálogo, não por meio de Medida Provisória, não com mudanças que afetam o conteúdo e o formato das aulas.
A reforma feita às escuras prevê que conteúdos como artes, educação física, filosofia e sociologia deixem de ser obrigatórios no ensino médio.
O quanto isso vai impactar na formação dos estudantes, sobretudo no que diz respeito aos conteúdos que promovem a formação da consciência política, ninguém sabe, porque não houve debates preliminares.
E justamente com diálogo, não só do ponto de vista de método, mas pelo caráter democrático, que Paulo Freire tanto lutou.
“Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho”, dizia.
Ao novo governo, não importa o contexto das mudanças que passarão a valer tão logo aprovadas.
O jornalista e doutor em ciência política, Leonardo Sakamoto, resumiu a reforma de Temer, sem diálogo, como golpe ao ensino médio. “É um desrespeito e uma violência aos milhões de profissionais que atuam em educação, aos militantes que participam dos inúmeros fóruns e instâncias de educação no país, aos alunos que ocupam escolas em busca de uma voz. Em resumo: a todos que não têm medo do debate – ao contrário do governo”.
Há 52 anos Paulo Freire era preso durante um golpe propondo o diálogo para o revolucionar o processo de alfabetização e formar cidadãos conscientes. Na mesma data em que o educador foi libertado, Michel Temer, sob um novo golpe, impõe arbitrariamente uma reforma sem debates sobre os impactos na educação.
O presidente catapultado por um golpe avisou em alto e bom som que não dá a mínima para as vozes das ruas. Não gostou, incomforme-se.