Morei em frente um puteiro e minha casa era a mais chique da rua, tinha gerador e poço artesiano.
Na década de 80 faltava água e luz constantemente o que obrigava as ‘amigas’ do Casa Blanca a baterem na nossa porta pra pedir água.
Meu pai sempre nos orientou a atendê-las e com respeito! Para a época, era um absurdo permitir o contato. Meu pai sempre nos fez enxergar o dever da igualdade independentemente da situação social.
O tempo passou, o puteiro fechou, virei repórter e lá pelas tantas ouvi um grito na delegacia do Cai n’Água: luuuuuuuu! Sou eu a fulana…
Fiquei toda errada, mas fui lá levar um cigarro pra ‘mulher da vida’ presa por tráfico de drogas.
Uma mulher que passou pela minha vida. Acabou sofrida, deve ter morrido ou se perdido na garganta do mundo.
Minhas amigas diárias moravam numa oficina e a gente se misturava, mamãe tratava os nossos e os piolhos delas.
Foi uma infância tão boa!
Foi intensa em experiências que construíram meu jeito de ser e pensar.
Quando Odair Cordeiro chegou no bairro, um petista, muitos olharam com estranheza. Meu pai, eleitor da direita, manteve com ele uma relação de generosidade e respeito. Imaginem!
Os carros de som do PT eram estacionados no quintal do meu pai, porque nossa casa tinha três terrenos. Meu já não gostava do PT, mas o Odair ele respeitava.
Quantas vezes se socorreram…
Essas memórias afloram nesse tempo tão medonho.
Imaginei até ganhar na loteria como o ‘baixinho’ da taberna da esquina, mas jamais viver um tempo tão violento como esse.
Tempo em que mesmo botando um punhado de açúcar, a conversa pode sair amarga.
Tempo em que a escuridão é maior do que quando faltava energia no bairro Nossa Senhora das Graças e só os vagalumes nos socorriam.
Era tudo tão chique…
O que me fortalece são as memórias, doces memórias.
Saí do bairro, mas o bairro não saiu de mim. Neste sábado estarei lá pra mais um concurso de samba enredo da Asfaltão.
Do meu passado, pouca coisa não é presente.