Por Gregorio Duvivier
Também no Almanaqueiras
Em 2011, o iPhone ainda era redondinho. Escapuliu das mãos de Fernando e foi parar debaixo do banco exíguo do seu Palio Weekend. Sua mãe não parava de falar do outro lado da linha. “Calma, mãe! Tô procurando o celular” foram as últimas palavras de Fernando antes do coma. Entrou com tudo num poste da avenida Nossa Senhora de Copacabana e só acordou em 2020.
Quando abriu os olhos, a primeira coisa que viu foi um sujeito de camisa branca e gravata lilás. “Olá, eu sou seu médico, Zaqueu”. “Essa é a Clínica São Vicente?”, Fernando perguntou. “Antiga São Vicente, hoje Clínica Vitória em Cristo.” “Mas isso é no Rio de Janeiro?” “Antigo Rio de Janeiro, hoje Novo Rio Jordão. Muita coisa mudou desde a revolução, Ezequiel.” “Meu nome é Fernando.” “Desculpa, Fernando não existe mais. Seu equivalente bíblico é Ezequiel.”
Fernando desceu a rua Marquês do Sétimo Dia até chegar no Jardim Messiânico, onde, olhando pro alto, se deparou com uma enorme pomba no alto do Corcovado. Na avenida Nosso Senhor de Copacabana sentiu falta dos botecos. Entrou numa padaria, a televisão passava um jogo de futebol: FluCristense jogava contra o Coríntios. No lugar da bola, uma santa. Abdias, zagueiro corintiano, chuta a santa pro gol. Na trave. “Tá amarrado em nome de Jesus!”, grita o garçom.
No intervalo, Fernando comprou uma “Folha de São Salmo” e percebeu que se aproximava o Carnaval. “Certas coisas não mudam”, pensou Fernando, ao ver o concurso de Mulata da Record. Logo percebeu que todas vestiam saia até o tornozelo. O samba-enredo da Ungidos da Tijuca versava sobre o perigo da maconha: “Desde a Galileia, os fariseus só querem te drogar/ é coisa do tinhoso/ sete-pele escabroso/ vai te enfeitiçar”.
Pagou com o cartão. Não esqueceu a senha, mas esqueceu dos 10%, lembrou o garçom. “Achei que o serviço tava incluído”, explicou Fernando. “O serviço tá incluído. Tô falando do dízimo.”
Arrasado, Fernando procurou os amigos. “Como é que vocês deixaram o Rio chegar nesse estado?”, Zebedeu, antigo Duda, não entendeu a revolta. “De vez em quando um amigo some, toma uma surra, mas em geral é porque se desviou do caminho. Se você tem Jesus no coração e vive na paz do Senhor, seu caminho tá iluminado.” O amigo sorri pra câmera. Fernando não acredita. Sussurra entre os dentes: “A gente precisa fazer alguma coisa”.
“Calma, Ezequiel”, o amigo sussurra de volta. “Pode até estar ruim, mas qualquer coisa é melhor que a roubalheira do PT.”