POLÍCIA JÁ DECIDE O QUE É ARTE E IMPÕE CENSURA COM PRISÃO

POLÍCIA JÁ DECIDE O QUE É ARTE E IMPÕE CENSURA COM PRISÃO

ator

‘É um gatilho de fascismo que depois de acionado não volta’, diz ator preso.

Da RBA
Para o ator Caio Martinez Pacheco, detido sem justificativa pela Polícia Militar na noite de domingo (30), em Santos, litoral sul paulista, enquanto apresentava uma peça crítica à corporação, o ocorrido “remonta ao período da ditadura” e dispara um “gatilho de fascismo que depois de acionado não volta atrás”.

A PM e a Guarda Municipal invadiram a apresentação pública da peça Blitz, da Trupe Olho de Rua, apresentada na região central da cidade e que critica de forma satírica a violência da corporação. O espetáculo ocorria nas ruas do centro histórico da cidade e por volta das 18h seis viaturas chegaram ao local. Policiais armados interromperam a apresentação e intimidaram atores e público.

Martinez foi algemado e levado na parte de trás de uma viatura para a delegacia, onde permaneceu por volta de seis horas, a primeira delas de pé, com figurino da peça. “Fomos extremamente aviltados e humilhados. Recebi voz de prisão sem motivo nenhum. Os policiais estavam movidos por um sentimento passional de ódio, sem espaço de interlocução. Acredito que a polícia esteja apta para tipificar o que é arte e o que não é.”

No momento da ação, a bandeira nacional estava hasteada de cabeça para baixo, tocava o hino nacional e a música A paz, de Gilberto Gil. Os atores vestiam fardas e saias. “Isso é um resquício da ditadura. Hoje os símbolos nacionais estampam todo tipo de mercadoria. Nós podemos construir subjetividade e bens simbólicos usando os signos do mundo para isso”, defende o ator.
Policiais apreenderam celulares e equipamentos da companhia de teatro, como caixas de som e instrumentos musicais, que ainda não foram devolvidos. A próxima apresentação da peça será na sexta-feira (4). Pessoas que assistiam à produção gravaram vídeos da ação policial. A PM chegou a impedi-los de filmar por alguns momentos e os ameaçou de processo.

“Vivemos hoje um momento político de quebra da legalidade e de ascensão do conservadorismo que legitima essas ações do Estado que não tem base jurídica e que se dão apenas pela perversidade contra pessoas que se organizam socialmente. É triste e revelador de um contexto local e nacional.”
Após ser solto, Pacheco afirmou em seu perfil no Facebook que foi detido por “desobediência, resistência e desrespeito com os símbolos nacionais”. Ele citou o dramaturgo alemão Bertolt Brecht: “O fascismo é uma cadela que está sempre no cio”, disse.
A peça Blitz, que já foi apresentada pelo menos 20 vezes no centro histórico de Santos, faz uma critica bem-humorada sobre o papel da Polícia Militar, questionando também abusos e as mortes de inocentes envolvendo a corporação. A produção é financiada pelo próprio governo de São Paulo, por meio do Programa de Ação Cultural (Proac), nas modalidades ICMS e Editais. Para a apresentação de ontem, os atores usaram um ponto de energia de um prédio do governo estadual.

“Os policiais não sabiam exatamente o que estavam fazendo ali. Havia alegação que as caixas de som estavam provocando muito barulho e atrapalhando. Mas a praça no final de domingo estava com todos os comércios fechados e não havia movimento. Em um determinado momento, em uma discussão, um dos policiais disse que o problema não era o som, mas o tom da peça, que é uma sátira à polícia”, disse o jornalista Marcus Vinicius Batista, que acompanhava o espetáculo, em entrevista à rádio CBN. “Foi uma ação de censura.”

Em comunicado oficial, o comando de policiamento da Baixada Santista informou que requisitou registros da ocorrência e irá analisar a conduta dos policiais para verificar se princípios constitucionais foram assegurados. A oficial que estava de plantão no momento será ouvida e os organizadores também serão convidados para dar depoimento.

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