O termo cara de pau está profundamente enraizado em nossa cultura, é um atributo fundamental do tradicional “malandro” que há muito tempo representa uma das faces do brasileiro.
Nem de todos os brasileiros, mas de uma porção deles. Não existe malandragem se não houver cara de pau. Cara de pau é aquela capacidade de contar mentiras, justificar práticas erradas, mantendo sempre no rosto uma expressão tranquila, normal, neutra. Cara de pau é um talento…
Num contexto como o atual, onde a ausência de critérios, de consciência e de cidadania é a regra, os caras de pau reinam felizes.
Houve um tempo em que esse tipo de gente era repelido, classificado como indesejável, não conseguia transitar com facilidade. Mas nestes tempos onde tudo se admite, tudo se tolera, se aplaude, seja em relação a atentados ao bom gosto, à estética ou atitudes morais e éticas questionáveis, o cara de pau transita feliz da vida…
E com os exemplos diários, especialmente dos políticos, transmitidos pela televisão em rede nacional, o caradepauzismo toma conta.
Na fila para entrar no avião, por exemplo. Quantas vezes você já viu um cara de pau fazendo das suas para passar à frente dos outros, hein? E você fica sem jeito de reclamar, pois pode parecer intolerante ou nervosinho. Se bobear, toma uma dura dos outros que estão na fila… E o cara de pau tá lá, se bobear rindo de você. Quantas vezes você viu isso, hein?
O objetivo cara de pau é obter o benefício que ele deseja, sem obedecer às regras elementares que regem o convívio harmônico em sociedade. O cara de pau atropela a lei, passa por cima das convenções, desrespeita acordos, ignora limites. E quando confrontado, faz de conta que não é com ele. Quantas pessoas assim você conhece, hein?
Olha aí pro lado… se bobear tem um.
Eu considero que existem níveis diferentes de cara de pau. Tem o cara de pau júnior, o pleno e o sênior.
O júnior é aquele das pequenas mentiras eventuais, que pouco prejuízo traz para outras pessoas. É o das brincadeiras ou que age como cara de pau simplesmente para se proteger ou proteger outra pessoa. Aliás, ser um cara de pau júnior é até desejável. É aquela cara de pau necessária para vencer o medo ou a timidez, por exemplo, para nos ajudar a aproveitar as oportunidades.
Eu encontro muita cara de pau assim nas minhas palestras que eu faço pelo Brasil afora. É aquele momento que eu estou falando alguma coisa, fazendo uma reflexão e de repente eu chamo um voluntário. Ninguém levanta a mão. Eu insisto e de repente alguém surge e aparece, vai lá na frente, participa comigo da palestra e quando vai embora é o único da plateia que ganhou o livro.
A cara de pau júnior é, no fundo, um atributo positivo.
Já o cara de pau pleno é o do dia a dia, aquele que vive ou trabalha com você e sempre está tirando as pequenas vantagens. Você o conhece e já sabe das que ele vai aprontar, mas aprende a conviver. Não é uma pessoa “do mal”, apenas precisa ser enquadrado de quando em quando.
E o cara de pau sênior, hein? Bem, esse é o que faz da cara de pau seu meio de vida, que atropela mesmo, que não está preocupado com os prejuízos que certamente trará para outras pessoas.
Esse é o canalha.
O cara de pau canalha frequentemente reveste seu comportamento com ares de bom mocismo ou vitimismo. Diz e pratica as maiores barbaridades com facilidade, por uma razão: ele ou ela está intimamente convencido de que todos os que o rodeiam são idiotas.
Muito bem. Os caras de pau juniores fazem parte de nosso dia a dia. É possível conviver com eles e no final das contas, todos temos de ter um pouco dessa cara de pau do bem. Mas os plenos e seniores, os canalhas, esses fazem parte de um grupo conhecido de pessoas, aquelas classificadas como tóxicas, que de alguma forma nos causam danos. Se você já cruzou com um manipulador que fez você fazer algo que não queria, com um psicopata que fez da sua vida um inferno, com um chefe autoritário que pensava que sua vida pertencia a ele 24 horas por dia, com um conhecido que ficava invejando tudo que você tinha ou conseguia ou com um vizinho fofoqueiro, sabe de que tipo de gente eu tô falando.
Em 2011, no site do jornal Zero Hora foi publicado um Manual do cara de pau, que vale ser reproduzido aqui. Vamos a ele.
Lalá, solta aí PRA QUE MENTIR, de Noel Rosa, com o carioca Eduardo Neves. Essa delícia está no CD com a trilha sonora do filme Noel, poeta da vila.
Há quem minta mais e muito melhor do que as outras pessoas. A famosa cara de pau foi tema de uma edição recente da revista Scientific American, que citou o trabalho de pesquisadores da Universidade de Portsmouth. Ouça as características típicas de caras de pau convincentes.
São manipuladores: que mentem frequentemente e não têm escrúpulos morais – por isso, sentem menos culpa. Os mentirosos também não têm medo de que as pessoas desconfiem e não precisam de muito esforço cognitivo para fazer isso. A coisa meio que acontece naturalmente.
São bons atores: quem sabe atuar tem mais facilidade em mentir e se sente confiante ao fazer isso, pois sabe que é capaz de fingir muito bem.
Conseguem se expressar bem: dão uma impressão de honestidade porque o seu comportamento sedutor desarma suspeitas logo de início, além de conseguirem distrair os outros facilmente.
Têm boa aparência: pesquisas já mostraram que pessoas bonitas tendem a ser mais queridas e vistas como honestas, o que ajuda a enganar os outros.
São espontâneos: para acreditarmos num discurso, ele precisa parecer natural. Quem não tem a capacidade de ser espontâneo acaba parecendo artificial – e fica difícil convencer alguém desse jeito.
São confiantes enquanto mentem: bons mentirosos geralmente sentem menos medo de ser desmascarados do que as outras pessoas.
Têm bastante experiência em mentir: assim como nas outras coisas, o treino também leva à perfeição quando se trata de mentir. Quem está acostumado a isso sabe o que é necessário para convencer as pessoas.
Conseguem esconder facilmente as emoções: em algumas situações mais arriscadas, mesmo um mentiroso veterano pode sentir medo e insegurança. Nesse caso, é fundamental conseguir camuflar bem essas emoções. Mentirosos costumam ser bons em fingir sentimentos que não estão realmente sentindo, mas também tendem a manifestar seus verdadeiros sentimentos espontaneamente. Por isso, é necessário ter habilidade em mascará-los para que não venham à tona.
São eloquentes: eles conseguem confundir mais facilmente as pessoas com jogos de palavras e enrolar mais nas respostas caso lhe perguntem algo que exija outras mentiras.
São bem preparados: mentirosos planejam com antecedência o que vão fazer ou dizer para evitar contradições.
Improvisam bem: mesmo estando preparado, é preciso estar pronto para improvisar caso alguém comece a desconfiar da história que ele inventou.
Pensam rápido: para improvisar bem, é preciso pensar rápido. Bons mentirosos conseguem pensar em uma saída rapidamente.
São bons em interpretar sinais não verbais: um bom mentiroso está sempre atento à linguagem corporal do seu ouvinte e consegue interpretar sinais não verbais que possam indicar desconfiança.
Afirmam coisas que são impossíveis de se verificar: por motivos óbvios, bons mentirosos costumam fazer afirmações sobre fatos que sejam impossíveis de se provar e evitam inventar histórias mirabolantes, facilmente desmascaradas.
Falam o mínimo possível: quando é impossível falar algo que não pode ser verificado, o mentiroso simplesmente não diz nada.
Têm boa memória: quem quer desmascarar um mentiroso procura por contradições no seu discurso, porque muitas vezes eles podem simplesmente se confundir ou esquecer detalhes que inventaram. Mas não se impressione se a pessoa conseguir se lembrar e repetir cada vírgula do que lhe contou anteriormente. Bons mentirosos geralmente têm ótima memória.
São criativos: eles conseguem pensar em saídas e estratégias que você nunca imaginaria. Mas não se deixe levar pelo seu brilhantismo – afinal, é isso o que eles querem.
e por fim: imitam pessoas honestas: mentirosos procuram imitar o comportamento que, no imaginário das pessoas em geral, são típicos de quem só diz a verdade — e evitam se parecer com a imagem que se tem dos mentirosos.
Muito bem, o que fazer então diante de um cara de pau canalha? Aliás: e se você for um cara de pau, hein? Vamos lá..
Primeiro: reconhecer, identificar, tomar consciência de quem você está diante de um cara de pau.
Segundo: marcar os limites. Deixe clara a situação que incomoda a você, de forma clara, assertiva. Fale na cara mesmo. O cara de pau não caradepauliza quem quer, mas quem pode…
Terceiro: mantenha a amabilidade a atitude positiva. O cara de pau tem de saber que você está consciente, sabe de suas artimanhas e… é mais inteligente que ele.
Quarto: tire o poder dele. Evite-o se possível. Não permita que ele tenha acesso a sua intimidade.
Quinto: tenha em mente que os caras de pau estão por aí, em todos os cantos, em todos os momentos de sua vida. Aprenda a manter a guarda alta, ou eles vão te pegar…
Muito bem… quando você se encontrar com um, ver ou ouvir um cara de pau, agora tem as armas para reconhecer o bicho e se proteger dele. E não se esqueça: todas as pessoas que chegam e, através de suas atitudes e fala contagiam você com mau humor, tristeza, medo, inveja ou qualquer outro tipo de emoção negativa, fazem parte daquele grupo de pessoas tóxicas. Elas são como o vírus da gripe: contaminam, se expandem, deixam você prostrado e depois vão embora.
Cuidado com elas.
Fonte: Café Brasil