A série Black Mirror e o extermínio de jovens negros e pobres

A série Black Mirror e o extermínio de jovens negros e pobres

negro

(Uma das “baratas” de Black Mirror)

Por Pedro Breier, correspondente policial do Cafezinho

A incrível série britânica Black Mirror (Netflix) nos apresenta cenários futurísticos sombrios onde a evolução tecnológica e a interação dos seres humanos com essas novas tecnologias nos levam a situações às vezes eticamente questionáveis, outras vezes assustadoramente horripilantes.

O quinto episódio da última temporada nos mostra uma sociedade que fora, aparentemente, infestada por um vírus que faz as pessoas se tornarem monstros, chamados de “baratas”.

No decorrer do episódio (alerta de spoiler) descobrimos que tudo é uma grande ilusão, implantada no cérebro dos soldados através de um dispositivo tecnológico, para que estes vejam essas pessoas com aparência de monstros e não hesitem em matá-las sem dó.

As “baratas” não estão infectadas ou algo assim, são seres humanos como nós. Os civis, que não tem o dispositivo implantado e portanto não enxergam as “baratas” fisicamente como monstros, também as tratam por “baratas” e as excluem da sociedade, influenciadas pela propaganda massiva do governo e da mídia.

A crítica à eugenia (as “baratas” são perseguidas e mortas porque testes de DNA apontam que elas teriam mais propensão a doenças e a cometer crimes) nos remete ao nazismo e à atual questão da imigração na Europa.

Mas também podemos adaptá-la à realidade brasileira.

Quem são os cidadãos de segunda categoria aqui, aqueles que são mortos todo dia sem que ninguém se importe?

Os negros e pobres.

No último dia 21 de outubro cinco jovens da zona leste da cidade de São Paulo desapareceram. O ouvidor das polícias afirmou hoje que os cinco corpos encontrados pela PM ontem, enterrados em uma ribanceira, são dos rapazes. Segundo reportagem da Folha, um dos corpos estava com uma fralda geriátrica e havia sinais de cirurgia na coluna, o que reforça a suspeita de que se trata dos corpos dos jovens desaparecidos, já que um deles era cadeirante e usava fralda. Seu corpo foi encontrado sem cabeça.

César Augusto Gomes Silva, 19 anos, Jonathan Moreira Ferreira e Caique Henrique Machado Silva, ambos de 18, Robson Fernando Donato de Paula, 16, e Jonas Ferreira Januário, 30.

Os cinco eram negros e pobres.

Há fortes suspeitas de que foram policiais que mataram os jovens. Do excelente site Ponte:

Registros da polícia indicam que policiais militares consultaram os dados de dois dos cinco jovens que desapareceram na zona leste de São Paulo em 21 de outubro. (…) antes de desaparecer, Jonathan mandou um áudio para uma amiga dizendo que havia sido parado pela polícia. “Ei, tio. Acabo de tomar um enquadro ali. Os polícia tá me esculachando”, dizia a mensagem. Outro possível indício de envolvimento de policiais: no local onde os corpos foram achados, enterrados em uma ribanceira, a Polícia Civil encontrou cápsulas de munição .40, de uso exclusivo da polícia, e de escopeta calibre 12. Quatro dos jovens tinham passagem pela polícia.
Imagine se fossem cinco jovens brancos de classe média/alta. Difícil imaginar, não é? Porque isso simplesmente não acontece com os filhos da classe média/alta.

E por que toda essa nossa indiferença? Algo tão absurdo e chocante não mereceria cobertura intensa, pressão da imprensa e da opinião pública, grandes protestos para que se esclareça o crime?

É lógico que mereceria.

Mas o direito penal do inimigo, incutido nas mentes das pessoas 24 horas por dia e 7 dias por semana pela imprensa conservadora – e agora também por grupos de direita nas redes sociais – faz com que naturalizemos a morte de jovens negros e pobres, tanto pela polícia quanto por qualquer outro motivo.

Os negros e pobres são os “outros”, são “eles”. São as “baratas”.

Quatro deles tinham passagem pela polícia, e bandido bom é bandido morto, não é?

Mas “bandido” não é quem comete qualquer crime previsto no código penal.

O empresário que sonega milhões em impostos, ou seja, rouba nosso dinheiro, como os donos da Globo fizeram (e não lhes aconteceu nada), não é bandido.

O jovem branco de classe média/alta que vende drogas dentro dos condomínios fechados, onde a polícia não chega metendo o pé na porta, também não é bandido.

Deputado dono de helicóptero cheio de pasta base de cocaína? Claro que não é bandido, a PF falou que ele não tem nada a ver com isso!

Bandido é só o negro batedor de carteira ou que vende drogas na favela. É aquele que aparece nos programas policialescos e é esculachado pela polícia sob aplausos de Datenas e congêneres.

Essa indignação seletiva tem nomes: racismo e classismo.

Que se explodam as baratas.

O futuro previsto por Black Mirror já chegou faz tempo. A tecnologia só vai facilitar o exercício da indiferença humana.

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