No Blog do Josias
Nos momentos mais decisivos, a tendência do ser humano é procurar a sua turma. Foi o que fez Michel Temer quando teve que montar sua equipe ministerial. Para o time palaciano, o presidente escalou apenas amigos. É compreensível. Temer tem afinidade com sua turma. Se não há concordância em tudo, ao menos não existe discordância no essencial.
Numa reunião realizada em São Paulo, ficou combinado que, ao menor sinal de anormalidade, os integrantes da turma de Temer desocupariam os cargos. Os amigos não ousariam constranger o presidente. O caso que envolve o ministro Geddel Vieira Lima servirá para mostrar até onde vai a fronteira da normalidade no governo Temer.
Marcelo Calero demitiu-se do posto de ministro da Cultura chutando a porta. Acusou Geddel de pressioná-lo para rever decisão do Iphan que embargou a construção de um prédio de apartamentos de luxo com 30 andares, em Salvador. O edifício não pode ter mais do que 13 andares, decidiram os técnicos do Iphan, órgão que zela pelo patrimônio histórico e artístico do país.
Comprador de uma unidade assentada no que viria a ser o 23º andar do prédio cuja altura o Iphan encurtou, Geddel reconhece que procurou Calero. Mas nega ter feito pressão. Acha que se comportou dentro da normalidade ao defender junto ao colega da Cultura a revisão do parecer técnico de um órgão público que contraria o seu interesse privado.
“Em 2015, eu fiz uma promessa de compra e venda de uma unidade que estava lançada, sem nenhum problema, com todas as licenças colocadas e que vários outros adquiriram uma unidade de apartamento”, disse Geddel em entrevista.
Calero declarou que Geddel o procurou cinco vezes. Disse ter ouvido perguntas como esta: ”E aí, como é que eu fico nessa história?” Classificou a abordagem de Geddel de ”truculenta e assertiva”. Relatou a ameaça do amigo de Temer de trocar o comando do Iphan. ”Se for o caso eu falo até com o presidente da República”, teria dito Geddel.
O coordenador político do Planalto sustenta que o relato de Calero contém “inverdades”. Entre elas a acusação de ameaça. De resto, Geddel diz que o fato de ter sido prejudicado pela decisão do Iphan, em vez de tirar, reforça sua “legitimidade” para se meter nos assuntos da pasta Cultura. Fez isso “por conhecer o que estava ocorrendo, estar preocupado, como todo cidadão fica preocupado em uma situação dessa.”
A encrenca do prédio de Salvador já virou processo judicial. Compreende-se que vendedores e compradores de apartamentos avaliados em cifras que roçam a casa dos R$ 3 milhões constituam advogados para guerrear contra a avaliação técnica do Iphan. É do jogo. O que deixa “todo cidadão preocupado” é o fato de um integrante da turma de Temer achar normal a tentativa, ainda que frustrada, de usar o prestígio do cargo público para defender interesse privado.
Retorne-se, por oportuno, ao primeiro parágrafo. É natural que Temer tenha afinidade com sua turma. Se não concordam em tudo, ao menos não discordam no essencial. Resta agora saber qual é a opinião do presidente da República sobre o caso específico.
Dependendo do modo como reagir, Temer pode aproximar seu governo do bom senso ou reforçar a sensação de que também acha natural que a essência de sua turma seja uma ideia qualquer de excepcionalidade que faz dos amigos do poder seres superiores à turma dos sem-turma.