No DCM
Por Kiko Nogueira
A edição de 2016 do prêmio Brasileiro do Ano coincide com a comemoração dos 40 anos da Istoé.
Para celebrar a efeméride, a Editora Três, proprietária da publicação, cunhou um novo slogan: “Conectada com o espírito do seu tempo”.
É mais apropriado substituir por “conectada com o governo de plantão”. Isso explica a concessão do principal troféu da noite de terça feira, 6 de dezembro, a Michel Temer.
Temer recebeu a honraria no mesmo local, o Credicard Hall, em São Paulo, onde sua antecessora foi consagrada Brasileira do Ano de 2011. Antes dela, o presidente Lula foi homenageado em 2009.
A lista ainda contém os nomes de Palocci (2003), José Dirceu (2004), Ricardo Teixeira (2007), Sérgio Cabral (2008, na categoria gestão pública) e Aécio Neves (2010).
Cerca de 500 pessoas espalhavam-se pelas mesas distribuídas ao longo do salão.
Poucos empresários de peso, como Luiz Fernando Furlan, um dos acionistas da BRF e presidente do Lide, a companhia de lobbies de João Doria, Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco, Mario Garnero, do Brasilinvest, Marco Stefanini, da Stefanini IT, Abilio Diniz, da BRF, e Flávio Rocha (estes dois últimos premiados) foram vistos no evento.
Em sua maioria, o público era composto de assessores do governo federal, publicitários, relações públicas e assessores de imprensa, além de executivos de segundo e terceiro escalões.
A estrela da noite foi Sérgio Moro. O juiz, que compareceu acompanhado de sua mulher, a advogada Rosângela Wolff, foi ovacionado quando teve seu nome mencionado e foi disputado para selfies por seu fã clube.
Também mereceram aplausos a cantora Ludmilla, a atriz Grazi Mazzafera e o canoísta baiano Isaquias Queiroz dos Santos, tríplice medalhista na Olimpíada do Rio de Janeiro.
A comoção provocada pelo Catão de Curitiba não deixou, certamente, de causar preocupação entre os políticos presentes.
A maior parte deles, à exceção do prefeito eleito de São Paulo, João Doria, e do governador Geraldo Alckmin, foi recebida com frieza pela plateia.
Ministros como Henrique Meirelles (Fazenda),Gilberto Kassab (Ciência e Tecnologia), José Serra (Relações Exteriores) e Roberto Freire (Cultura) foram praticamente ignorados, assim como o senador Aécio.
Temer recebeu tímidos aplausos de uma parte restrita da plateia. E em seu breve discurso de agradecimento não foi além das platitudes de sempre.
“Este prêmio é um incentivo para mim e para o nosso governo num momento de grandes dificuldades para o País”, afirmou.
“Nós temos que aproveitar a crise, que, no geral, é mobilizadora dos governos e das pessoas. O Brasil tem potencialidades extraordinárias e tem um povo extraordinário. Embora tenhamos apanhado um País em crise, um País em recessão – vamos sair dela. Vamos alcançar o crescimento e o pleno emprego. O prêmio serve de mobilizador e motivador para que nós salvemos o País.”
Ao final de sua fala, fez uma revelação surpreendente: “Na viagem para São Paulo, em conversa com o senador Aécio, descobri que a Istoé apura as notícias, não apenas publica os fatos.”
É quase no nível do agradecimento ao Roda Viva por “mais essa propaganda”. Se Michel colocasse um ponto no ouvido para impedi-lo de falar bobagem, era capaz do aparelho fundir.
Uma das notas da noite foi o clima de confraternização entre o chefão da Lava Jato, escolhido o Brasileiro do Ano na categoria Justiça, e Aécio, um dos nomes mais citados nas delações da operação, colocados estrategicamente lado a lado pelos organizadores, na segunda fila de convidados, no palco do Credicard Hall.
Coincidência? Como se sabe, cavalo não sobe escada.
Ao receber seu prêmio, Moro deixou o sorriso de lado e mandou seu recado. “O cidadão pode confiar na Justiça brasileira, essa confiança é essencial. Recebo este prêmio muito humildemente”.
Serra, que chegou a cochilar em alguns momentos, e Kassab foram dos raros a não aplaudir o magistrado.
Como ocorre com os jantares que Temer organiza para deputados e senadores em busca de emplacar a PEC do teto de gastos públicos — um paradoxo que você precisa ser absolutamente estúpido, indulgente ou ingênuo para não notar —, a Istoé promove uma boca livre enquanto deve para seus funcionários.
A ideia é ver se essa sabujice vira publicidade federal e outras mãozinhas para tentar uma sobrevida num quadro tenebroso.
De acordo com o Comunique-se, a Istoé, que está em processo de recuperação judicial desde 2007 (nove anos!), pretende parcelar em cinco prestações o pagamento do 13º de seus funcionários, repetindo o que já fizera em 2015.
Um processo trabalhista movido por ex-funcionária pode colocar à venda a mansão da família Alzugaray, avaliada em 2,8 milhões de reais.
A casa é de Domingo Alzugaray, pai do atual presidente, Caco, amigo pessoal de Aécio Neves.
Nesta semana, revela o site, a juíza da 44ª Vara do Trabalho, Thatyana Cristina de Rezende Esteves, rejeitou um requerimento dos Alzugaray para que a casa não seja penhorada para pagar a dívida, estimada em cerca de 1,4 milhão de reais.
Diz Thatyana, em sua decisão, que a família não juntou ao processo “documentos que atestem o fim residencial do bem, tais quais correspondências pessoais ou contas bancárias”. O imóvel de 2 mil metros quadrados deve ir a leilão em breve.
A noitada virou motivo de piada nas redes. A foto de Aécio e Moro tricotando animadamente transformou-se num clássico instantâneo.
De uma maneira torta, porém, a Istoé conseguiu um feito: o Brasil do golpe foi retratado ali da maneira mais acurada possível.