Por Antônio Cândido da Silva
No Gente de Opinião
Daqui a alguns anos, quem tiver a oportunidade de ler a poesia que se segue, feita por mim na década de 70, do Século passado, e olhar para a imensa construção da hidrelétrica de Santo Antônio, não vai entender o que ela diz em razão de já não existirá o rio, a praia, a história e a solidão…
SANTO ANTÔNIO DO MADEIRA
Velho rio chorando seu lamento
e a cidade dormindo na ruína
de quem morreu em sonho de menina
no despertar do seu encantamento.
A cachoeira geme, enquanto o vento
traz o som triste de pesada sina.
A praia, ao longe, de areia fina
é véu de noiva para o casamento.
É assim Santo Antônio do Madeira
da antiga estrada a estação primeira
dormindo o sono dos que já morreram.
Com a igreja abençoando o rio
qual sentinela do grande vazio
onde vidas em sonhos se perderam.
Mas, o que nos leva a essas considerações, é falar sobre a capela de Santo Antônio e a história de sua construção, deixando claro o valor histórico e sentimental daqueles que amam esta terra e aquela capela edificada no início do Século XX.
Também, para quem afirma que “o casarão foi construído pelos ingleses”, possa ver nessa construção, não um amontoado ordenado de tijolos, mas o símbolo inicial da fé cristã, fé de um povo cujos antepassados pagaram com a vida a conquista desta região.
A história da fé cristã nestas paragens teve início quando o Pe. João de San Payo, vindo da missão de Canumã, por ele fundada desde 1712, e com a ajuda do governador de Santa Maria de Belém do Grão Pará, João da Maia Gama, fundou em março de 1723, na cachoeira de Aroaya, a missão de Santo Antônio das Cachoeiras dando, assim, nome ao lugar e à cachoeira.
Vencidos pelas doenças e pelos ataques dos índios, a missão foi abandonada e as suas ruínas descritas por Manoel Félix de Lima, em 1748, quando fugiu das minas do Mato Grosso numa aventura que terminou em Belém do Grão Pará, onde foi preso.
Chegado o ano de 1909, vamos encontrar o primeiro registro relacionado a igreja de Santo Antônio em uma publicação do jornal “o humaythaense”, edição de 24 de outubro daquele ano, transcrito em “Desbravadores”, de Vitor Hugo, 1º volume, pág. 211, 2ª edição, onde se lê que:
“No dia 15 do mês de Outubro de 1909 perante os Srs. Esron Menezes, Antônio Marcelino Cavalcante e Nylo Gomes de Mello Rezende comerciantes no povoado de Santo Antônio; do tenente Francisco Aracaty Padilha, subdelegado de polícia; Enéas Franco agente-fiscal municipal e muitas outras pessoas gradas do lugar, foi marcado o terreno para edificação de uma capela naquelle povoado”.
Naquele ano, Santo Antônio estava transformado numa Babel, em virtude da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e do intenso comércio da borracha que movimentava o porto de embarque daquele povoado.
Trabalhadores de várias partes do mundo formavam uma população oscilante entre os que partiam sadios para as frentes de trabalho e os que de lá voltavam doentes, os aventureiros, os jogadores e as prostitutas que faziam movimentar a riqueza dos bordéis.
O povoado sem saneamento e as mínimas condições de higiene era foco de doenças e miséria, e a malária grassava célere entre os habitantes, tornando o povoado um lugar sem futuro onde as crianças não vingavam e os adultos não sobreviviam.
Todos os relatos sobre Santo Antônio nos afirmam que era um lugar insalubre, haja vista os relatórios de Rondon e do Dr. Oswaldo Cruz que aqui estiveram na época da construção da ferrovia e nos dão conta de um povoado triste e doentio.
Apesar de tudo isso, a fé teimava em se firmar naquele antro de vícios e misérias. A paróquia que já existia desde 8 de abril de 1908, com sede em Santo Antônio era, vez por outra, visitada por algum padre em desobriga vindo de Humaitá.
O terreno comprado por 375$000, com recursos arrecadados junto ao povo pela comissão organizadora, pertencia ao senhor Alfredo Fernandes Garcia, e estava situado em uma área elevada e em frente a uma grande praça.
A comissão encarregada de angariar fundos, administrá-los e construir a capela, constituída dos senhores José Ribeiro Dantas e José Fortunato da Conceição, e o empenho do Padre Manuel Furtado de Figueiredo, pároco de Humaitá, conseguiu dar grande impulso à construção da capela.
No final de 1911, o sucessor do Pe. Manuel Furtado, Padre Manuel de França Melo, vindo em desobriga a Santo Antônio, deixou um cálice e alguns objetos para a capela e, em 1912, com uma substancial ajuda em material e dinheiro da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e doações dos devotos, finalmente no domingo de 21 de setembro de 1913, foi benzido o altar de madeira, quatro paramentos e outras alfaias, doadas por comerciantes do rio Madeira e de Manaus.
Nesse mesmo dia foi rezada a primeira missa na capela ainda inacabada, cuja conclusão só se deu no ano seguinte. Levando-nos a afirmar que essa foi a primeira capela construída em Porto Velho, e neste ano de 2008, completará 95 anos de existência.
Com o abandono de Santo Antônio, quando a sua população se transferiu para Porto Velho, as casas do lugar se transformaram em ruínas e, também da igreja caiu o telhado e parte das paredes laterais que eram de taipa, começaram a ruir. Na década de 70 um grupo de devotas lideradas por dona Maria do Livramento Marques Tabosa (Lili Tabosa), angariou fundos e conseguiu reconstruir a histórica capela de Santo Antônio.
Como podemos observar, da compra do terreno a sua reconstrução por dona Lili, aquele lugar de fé existe unicamente pela vontade e colaboração do povo. Cabe ao povo, portanto, estar alerta para que nada de errado aconteça com a nossa capela, para podermos manter viva a sua história e a história daqueles que se empenharam para realizar o sonho do Padre João de San Payo.
Há quem registre a capela de São de São Francisco (Pinheiro Ma-chado com Campos Sales) construída em 1926/27, como a mais antiga da cidade. Não é verdadeira essa afirmação, haja vista que em 1916 foi construída a capela de Santa Bárbara, no bairro do Mocambo, e a capela do cemitério dos Inocentes, inaugurada em 28 de julho de 1915.
Alguém poderá alegar que Santo Antônio pertencia ao Mato-Grosso logo, a capela de Santo Antônio não pertencia a Porto Velho.
Vale lembrar que o Forte do Príncipe da Beira também pertencia ao Mato-Grosso e é considerado, hoje, o mais antigo monumento do estado Rondônia, fazendo parte do brasão do estado. E agora?
Quem se interessar pelo assunto poderá ter informações mais detalhadas no livro “Enganos da nossa História”, páginas 89 a 94.