Cabral e Aécio, amigos, contraparentes, trajetórias iguais: por que só um está preso?

Cabral e Aécio, amigos, contraparentes, trajetórias iguais: por que só um está preso?

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No DCM
Por Joaquim de Carvalho

Um vídeo disponível no YouTube mostra o jovem Aécio Neves no desfile de abertura da Conferência Mundial da Juventude, realizada em 1985 na cidade de Moscou.

“Olha a delegação comunista do Brasil, o Aecinho segurando a bandeira”, narra o jornalista Marcelo Tas, que fazia dupla com Fernando Meirelles num programa da TV Gazeta de São Paulo, ele como repórter Ernesto Varella; Meirelles, como cinegrafista.

No mesmo grupo, Gonzaguinha e Martinho da Vila, reconhecidos pela militância de esquerda e, por isso, presenças naturais num evento organizado pelo governo comunista da União Soviética.

Mas o que fazia o jovem Aécio, já conhecido pela vida de playboy no Rio de Janeiro, naquele grupo?

A resposta está na sua amizade com Sérgio Cabral Filho, que organizou a participação do Brasil naquele encontro como militante da Juventude do PMDB do Rio de Janeiro e, em razão da filiação – filho do fundador do Pasquim Sérgio Cabral, na época vereador do Rio –, próximo da juventude comunista.

Também estão na delegação Evandro Mesquita e Fernanda Abreu, não necessariamente de esquerda, e José Sarney Filho, que pelo sobrenome dispensa classificação ideológica.

Mas é a figura de Aécio que chama a atenção, inclusive pelo destaque da sua presença, segurando a bandeira do Brasil no desfile de abertura.

Cabral e Aécio são muito mais do que amigos. São quase parentes. Ou amigos de luta.

Num perfil escrito por Daniela Pinheiro para a revista Piauí, quando Cabral era apenas o governador mais impopular do Brasil, usava carro blindado e gravata, que acariciava como “rabo de um gato”, ele conta como se tornou amigo do Aecinho.

Cabral tinha trabalhado na campanha de candidato a vereador do pai, era estudante de jornalismo – profissão que ele nunca exerceu – e tomou gosto pela política.

Em 1985, era coordenador da juventude peemedebista do Rio que apoiava a eleição indireta do avô de Aécio, Tancredo Neves.

Conheceu uma prima de Aécio, Susana, com quem se casaria e teria três filhos e o pai dela, Gastão Neves, advogado e representante de mineradoras de seu estado natal, além de Tancredo e Aécio, claro.

No perfil de Daniela Pinheiro, Cabral conta que ele e Aécio fumavam juntos no fundo do avião (naquela época, podia) que levava a comitiva às cidades onde Tancredo fazia comício (naquele época, existia).

Uma jornalista que trabalhou na campanha de Tancredo e também viajava na comitiva de Tancredo me contou que os dois eram de fato amigos e se identificavam pela paixão ao Rio de Janeiro e por terem tido problema nos estudos no colegial.

Cabral chegou a ser expulso da escola, mas, segundo ele, por razões política: quis fundar um grêmio, então proibido.

A jornalista acompanhou a vida de Aécio e Sérgio Cabral pelos anos seguintes. “Os dois foram muito amigos. Quando o Sérgio Cabral se elegeu deputado, tinha um trabalho social que o Aécio adorava. Era voltado para os idosos. Sérgio, com isso, rompia com a pecha de candidato só dos jovens, problema que o Aécio também enfrentava”, recorda.

No início de sua vida pública como deputado, Sérgio Cabral chamava a atenção pela austeridade. Dispensou o motorista da Assembleia e dirigia um carro velho.

Como presidente da Assembleia, cortou salários e verbas de deputados, mas começaram a aparecer sinais de que estava enriquecendo.

Em 1998, numa troca de chumbo, o ex-aliado Marcelo Alencar, de saída do governo do Rio, entregou à imprensa um dossiê com o patrimônio de Cabral, e chamava a atenção uma mansão em Mangaratiba, avaliada em 5 milhões de dólares.

Foi nesta época que eu entrevistei Cabral para falar a respeito de outra denúncia: a de que ele coordenava a distribuição de propina das empresas de ônibus entre os deputados estaduais do Rio de Janeiro.

Eu era repórter da Globo do Rio e, até ali, tinha apenas depoimentos em off de que havia de fato uma caixinha das empresas de ônibus, mas não havia provas. Procurei Cabral na presidência da Assembleia. Ele aceitou conversar, mas sem registro de câmera.

Foram mais ou menos três horas de entrevista, durante as quais negou que fosse uma espécie de gerente da caixinha, mas admitiu que ela pudesse existir.

Bom de papo, esforçou-se para levar a conversa para o lado pessoal e contou com alegria que havia morado em São Paulo – de onde eu havia saído para trabalhar no Rio – e das boas lembranças que tinha do trabalho do pai na revista Realidade.

Também explicou que o pai não tinha a mesma vocação política que ele. “Meu pai dizia que se elegeu vereador porque a Câmara fica entre dois bares com ótimo chope, um deles o Amarelinho”, afirmou.

A certa altura, começou a falar de um drama pessoal. Era início de 1999, dois anos e pouco antes ele havia se separado e a razão foi que a mulher, a prima de Aécio, se apaixonou pela fotógrafa da campanha do marido a prefeito do Rio e, segundo ele, foi morar com a namorada e o deixou com três filhos.

Sérgio Cabral nem bem terminou o relato e começou a chorar, soluçando alto. Já tinha entrevistado o presidente da Assembleia algumas vezes, em coletiva, mas não tinha intimidade com ele.

Fiquei imaginando que talvez ele quisesse mostrar a face humana de um político já àquela altura suspeito de corrupção. Mas o choro (com muitas lágrimas) era verdadeiro.

Saíram matérias negativas sobre Sérgio Cabral, nada arrasador – por absoluta falta de como provar as denúncias –, a carreira de Cabral, já em franca ascensão, continuou a subir. Elegeu-se senador e depois governador, duas vezes.

As denúncias se avolumaram, ele se enrolou no escândalo de Carlinhos Cachoeira e foi esmagado pela delação de dois doleiros, já na era da Lava Jato.

Hoje ocupa uma cela de Bangu, em cuja ala feminina se encontra a atual esposa, sucessora de um escritório montado pelo próprio Cabral, que tinha o sogro Neves, Gastão, pai da Susana, como figura central.

Um dos coordenadores das primeiras campanhas de Cabral, no início da década de 1990, diz que o escritório, tanto na fase de Gastão Neves quanto na de Adriana Ancelmo, sempre foi um veículo para lavar dinheiro.

Essa suspeita só se confirmará se houver, como se especula, delação premiada da mulher de Sérgio Cabral.

O que não há dúvida é sobre outro esquema de lavagem de dinheiro usado pelo ex-governador do Rio, relatado com fartura de provas pelos doleiros Marcelo e Renato Chebar, que são irmãos.

A Polícia Federal e o Ministério Público Federal conseguiram dos doleiros de Cabral (a delação premiada), o que, alguns anos antes, nem foi tentado com uma família de doleiros que atendeu a família Neves, também do Rio de Janeiro.

A lei da delação premiada é de 2013, mas já havia benefícios para quem colaborasse com a Justiça.

Em 2007, a Polícia Federal fez uma busca no apartamento do casal Norbert Muller e sua mulher, Christine Puschmann, conhecidos doleiros do Rio, e apreendeu documentos bancários que revelavam contas não declaradas no exterior em nome de quatro pessoas, um ex-deputado, um desembargador aposentado e Inês Maria Neves Faria, mãe e sócia de Aécio Neves.

A conta de Inês era em nome de uma fundação, aberta juntamente com Andrea Neves, irmã e sócia de Aécio Neves. Aécio Neves seria o beneficiário da conta no caso da morte da mãe.

Os policiais encontraram um extrato com saldo de U$ 32 mil. O desembargador e o ex-deputado foram processados e condenados em primeira instância, assim como a doleira Christine Puschmann, viúva quando houve o julgamento, mas ninguém foi preso.

A mãe de Aécio não chegou nem sequer a ser denunciada. Os procuradores da república Fábio Magrinelli e Marcelo Miller entenderam que, como o saldo era inferior a 100 mil dólares, ela não estava obrigada a declarar ao Banco Central o depósito no exterior e, com isso, não havia crime a denunciar.

Quer dizer, então, que qualquer pessoa que tenha 320 mil reais aproximadamente em depósito no exterior está livre de fazer constar esse valor na declaração às autoridades?

Errado.

O advogado Alexandre Venturini, especialista em Direito Tributário, disse ao DCM que a declaração à Receita Federal é obrigatória sim, sob pena de enquadramento no crime contra ordem tributária, com pena que varia de 2 a 5 anos.

“Quando há um depósito de um contribuinte brasileiro no exterior que não foi declarado à Receita Federal, presume-se que é um depósito sem origem e, portanto, passível de cobrança na alíquota de 27,5% e multa de 150%. Não havendo pagamento, é crime contra a ordem tributária”, disse.

Os procuradores fizeram uma interpretação elástica de outra lei, o que livrou a família Neves de complicações na Justiça.

A lei que prevê os crimes contra o sistema financeiro diz que só não é obrigatória a declaração ao Banco Central (ao Banco Central, não à Receita Federal), no caso de saldo inferir a 100 mil dólares.

A declaração ao Banco Central é uma coisa, a declaração ao IR outra. Uma é relacionada a crime contra Sistema Financeiro Nacional. A outra, a crime contra crime contra a ordem tributária.

O caso foi apreciado também pela Procuradoria Geral da República, em Brasília, e a interpretação elástica dos procuradores do Rio – a de que a a dispensa de comunicação ao BC vale também para a Reeita — foi aceita. O Ministério Público Federal deixou assim de acusar a família Neves.

Cabral não teve a mesma sorte que o amigo Aécio Neves, a quem poderia dizer (se é que não disse) que a Polícia Civil do Rio de Janeiro, no seu mandato de governador, manteve na gaveta o inquérito aberto para investigar corrupção na estatal de Furnas, onde Aécio aparece como o grande protagonista.

Nascido no Engenho Novo, subúrbio do Rio, filho de um jornalista com alma e certidão de nascimento carioca, Sérgio Cabral Filho tem uma vida em que sobram sinais de que não mediu atitudes para ser tido como milionário, depois que deixou de dirigir o carro velho e comprou a mansão de Mangaratiba.

Aécio Neves, de uma família aristocrática no interior de Minas Gerais, que teve escravos no passado, sempre quis ser carioca.

Há rastros dos dois na incursão desonesta pelos cofres públicos, seja de Furnas, do governo de Minas ou do governo do Rio.

Um está preso, o outro continua combatendo o “mar de lama” da tribuna do Senado, preside um dos maiores partidos do Brasil, o PSDB, e articula candidatura para governar o País.

O maior pecado de Cabral foi achar que poderia ser um Neves, como mostram as entradas ao vivo da repórter Andreia Sadi, da Globonews, que cobre a Lava Jato a partir de Brasília e entrou para a família ao casar com um primo de Aécio.

Andreia não diz que Susana Neves, que teve repasses vultosos do esquema de Cabral, é prima de Aécio. Susana é agora tão somente ex-mulher de Sérgio Cabral.

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