Por Ricardo Kotscho
De uns tempos para cá, multiplicam-se por toda parte os que se autointitulam e falam em nome das “pessoas de bem” ou dos “brasileiros decentes”.
Há muitos também que se apresentam como porta-vozes de um “novo Brasil”, a se contrapor, imagino, ao que consideram velho e deve morrer.
Do que se trata? É o embrião de um novo partido (mais um?!), uma nascente corrente filosófica ou seriam membros de algum desses institutos que pululam por aí defendendo a liberdade de expressão e o livre mercado?
Podem ser encontrados nas redes sociais, em colunas de leitores dos jornais e em blogs diversos. Curiosamente, apresentam-se todos como “apolíticos” e “apartidários”.
A bandeira que os une é um discurso enfezado contra os corruptos e a corrupção (dos outros), como se todos eles e seus amigos pagassem seus impostos em dia, fossem respeitadores das leis trabalhistas e do trânsito, e vivessem em estado de graça permanente, sem pecados.
Alguns eu até conheço, e sei que não é bem assim.
À parte a hipocrisia e o cinismo inerentes a esta postura de zeladores dos bons costumes, da família e da propriedade, típica da triunfante nova ordem trumpiana, o que esta turma estimula é a intolerância, a divisão e a violência.
Quem pensa diferente é inimigo a ser abatido pelos donos da pós-verdade que dividem o mundo entre quem manda e quem obedece, que se danem os fatos, os números e a realidade.
Onde fica este “Novo Brasil” habitado unicamente por “pessoas de bem”?
Os “outros”, todos aqueles que não pertencem a esta corte de eleitos virtuosos, só podem ser do mal. Não deveriam frequentar os mesmos clubes, restaurantes e aviões. São a razão da nossa desgraça.
Só gostaria de saber quem foi que elegeu ou nomeou esta nova legião de imaculados guardiães da pátria, sempre se colocando acima dos simples mortais para dizer quem presta e quem não presta.
Nas horas ociosas, dedicam-se a ensinar aos donos dos poderes o que devem fazer para salvar o país. Pelo jeito, não estão sendo muito ouvidos.
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Mauro Guimarães
Ao escrever este texto, me lembrei e senti falta do meu amigo Mauro Guimarães, ele que foi um antenado e implacável observador das contradições e fraquezas da nossa paisagem humana, falando baixinho como se contasse um segredo e o sorriso discreto no canto da boca.
Grande contador de casos da vida real, me divertia muito com ele e seus comentários sarcásticos sobre estas tais “pessoas de bem” nas diferentes redações em que trabalhamos juntos, ele sempre como chefe.
Mauro nos deixou na sexta-feira, aos 80 anos, com mais de 50 de jornalismo, como eu também gostaria de morrer: dormindo.
Um beijo para a grande Thereza, que zelou não só pelo Mauro, mas também por seus muitos amigos de copo e de bar.
Vida que segue.