Sem as legendas conservadoras, 2016 é um filme bem mais nítido
Por Celso Rocha de Barros
Michel Temer deu um ministério a Moreira Franco para lhe garantir foro privilegiado, como Dilma havia feito com Lula. Não se sabe se Bessias estava disponível para entregar o termo de posse ao novo ministro, mas, se não estava, tenho certeza de que Bodrigo Baia ou Bomero Bucá certamente se prestaram a fazê-lo.
Por algum motivo, ninguém gravou a conversa entre Temer e Moreira, mas gosto de pensar que deve ter sido algo assim (imagine William Bonner lendo):
– Moreira, o juiz achou que [o presidente falou um palavrão]-nos-ia, mas já inventei aqui uma [o presidente falou um palavrão] de um ministério para você garantir a [o presidente falou um palavrão] do foro.
Fora da área econômica, todo o ministério de Temer está ali para ganhar foro: não há por que achar que Moreira é mais ou menos culpado só porque chegou por último. O mesmo, naturalmente, era verdade sobre Lula em 2016. Não chega a ser bonito, mas é isso.
Se é isso, por que o Carnaval do ano passado, em que editorial em cima de editorial, corrente de WhatsApp em cima de corrente de WhatsApp, deixaram claro que a nomeação de Lula era a maior tragédia desde a Peste Negra?
Porque indignação política também é política, e mesmo indignação sincera tem viés. Quem está no poder agora são os indignados do ano passado.
A turma que foi às ruas em 2016 era o mesmo pessoal que sempre fez oposição ao PT. Têm seus motivos, inteiramente legítimos, para fazê-lo, desde posições ideológicas até interesse de classe. As passeatas de 2015 foram exatamente a mesma coisa que as passeatas que a esquerda sempre fez: luta política. E foram igualmente legítimas e esclarecidas. O que aconteceu no Brasil em 2015-2016 foi uma disputa de poder, a direita venceu, a esquerda perdeu.
O discurso moralista de 2015 era inteiramente baseado em fingir que não sabíamos que as denúncias contra o PT eram só o começo de uma onda de acusações que atingiriam a classe política como um todo. Todos os políticos de direita que defenderam o impeachment estão prestes a serem denunciados por terem recebido o mesmo dinheiro do mesmo cartel de empreiteiras que fraudava licitações na Petrobras (e em toda parte).
A direita derrubou o PT torcendo para que aquilo fosse satisfação suficiente para a opinião pública, e desde então tenta se equilibrar nessa esperança. Diga-se, em defesa da estratégia: ainda não caíram.
Quem jogou 2016 no modo honesto, na verdade, deparou-se com uma escolha moral muito mais difícil do que “honestos contra corruptos”: era melhor danificar nossa democracia para que o ajuste econômico fosse feito de forma mais consistente, ou preservá-la intacta com o risco de que a crise econômica se aprofundasse?
A escolha foi posta porque a melhor alternativa, deixar que Dilma Rousseff terminasse seu mandato e que Levy ou Barbosa fizessem o ajuste, foi recusada por todos os atores relevantes. Duvido que os historiadores não descubram um dia que essa recusa nos custou mais pontos percentuais de PIB do que a queda dos preços das commodities.
Sem as legendas que lhe foram sobrepostas pelos comentaristas conservadores, 2016 é um filme menos moralmente edificante, mas bem mais nítido; e serve bem melhor ao entendimento da situação em que estamos agora.