Gado são os outros
Celso Rocha de Barros
No Almanaqueiras
Das outras vezes, pelo menos, esperaram o sujeito ganhar a eleição. Agora Lula só precisou aparecer bem nas pesquisas para começarem os comentários estúpidos sobre os eleitores nordestinos. Dessa vez foi o site “O Antagonista”, que noticiou o bom resultado de Lula entre os pesquisados do Nordeste com a manchete “Os bois voltaram para o curral”.
Em resposta aos críticos da manchete, os antagonistas lembraram que “curral eleitoral” é uma expressão comum na discussão política brasileira. E, é claro, reclamaram do politicamente correto.
Isso está errado.
“Curral eleitoral” é uma expressão criada para descrever a situação de eleitores brasileiros em épocas em que, de fato, era muito difícil exercer a cidadania livremente,como na Velha República. O voto não era secreto: votar contra o candidato dos poderosos locais era desafiá-los abertamente, o que era muito arriscado.
Dizer “curral eleitoral” para falar da República Velha é descrever um fato histórico. Usar “curral eleitoral” para o Brasil atual é dizer que, mesmo em uma sociedade democrática como a nossa (em que o voto é secreto), os eleitores nordestinos de Lula têm a mesma capacidade de deliberação de gente que votava com medo do coronel. Na opinião dos antagonistas, os eleitores nordestinos de Lula são incapazes de deliberar como homens e mulheres livres mesmo se lhes dermos as instituições da liberdade.
Essa ideia circulou bastante durante o lulismo entre o pessoal da segunda divisão da direita brasileira. Em sua edição 2.329, de Julho de 2013, fl. 56, a revista “Veja” propôs um plebiscito para decidir se os beneficiários do Bolsa Família deveriam ter o direito de se declararem impedidos de votar (era confuso assim mesmo). Após a eleição de 2014, muita gente boa divulgou a ideia de que o “Brasil que trabalha” votou em Aécio, enquanto o “Brasil que depende do Estado” votou em Dilma. A ideia era sempre a mesma: os pobres estão perto demais da subsistência para prestar atenção em problemas morais como a corrupção. Subjacente ao raciocínio estava a ideia de que Lula sempre disputou o segundo turno contra “A Ética”, e não contra esses tucanos que agora aparecem nas delações.
Diga o que quiser de 2016, ele pelo menos matou essa tese, entre outras celebridades.
O experimento que matou a hipótese é o governo Temer. Os ricos brasileiros, que, podemos supor, não estão perto demais da subsistência, apoiam o governo a despeito das denúncias de corrupção contra ele.
Os ricos não silenciam porque aprovam a corrupção do PMDB; os pobres não aprovavam as roubalheiras petistas; nos dois casos, ricos e pobres votam porque o governo corrupto em questão implementa políticas que correspondem às suas preferências. E porque os outros candidatos não lhes parecem muito mais honestos.
Isso não quer dizer, repito, que ricos e pobres não se preocupem com a corrupção. Só que todos tentam equilibrar essa preocupação moral com a defesa de seus interesses. Isso é uma vida humana. Nem ricos nem pobres são, em geral, mártires.
Refutada a tese dos antagonistas, nos resta esperar que a direita brasileira passe a tratar os eleitores pobres como pessoas racionais cujos votos podem ser conquistados com melhorias em suas perspectivas de vida. Será uma revolução.