Artigo: Por Walter Gustavo Lemos
A ideia ou palavra mais importante descrita no ano de 2016 foi a ideia da pós-verdade, sendo possível perceber a sua aplicabilidade em vários usos diários, principalmente nas redes sociais, onde se faz uso deste tipo de prática na tentativa de propagar as ideias de certos grupos determinados na luta pelo poder.
Mas o que é pós-verdade?
Segundo o Dicionário Oxford da língua inglesa, a pós-verdade é um adjetivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais.” [1]
Ou seja, esta prática parte da ideia de uma série de fatos objetivos que são analisados por alguém que passa a dar opinião sobre estes ou interpretá-los de forma diversa do que ocorreram. Algum interlocutor pega os fatos e dá sua opinião sobre eles, mesmo que está opinião seja contrária ao próprio fato em si.
É bastante comum a ocorrência de inovações e inverdades sendo acrescidas ao próprio fato narrado, como meio de propagar ideia contrária ou diversa da exposta nos fatos ocorridos e postos para análise.
Tal prática vem sendo bastante utilizada nas redes sociais por grande parte dos seus usuários, alguns de forma desavisada e outros de forma bastante intencional, para propagar ou se opor a certas ideias, bem como é utilizada largamente em sites, canais e blogs de notícias como meio de fazer valer as suas compreensões.
O autor do texto que expressa a pós-verdade se utiliza da verdade dos fatos retratos, mas transcende esta verdade descrevendo sua própria ideia, interesse e opinião a partir dos fatos, como se estas suas expressões fossem a própria verdade dos fatos, já que acrescenta conteúdo distópico aos fatos analisados.
Assim, podemos resumir a pós-verdade como a ideia em que “algo que aparente ser verdade é mais importante que a própria verdade”, como descrito por Gregorio Caro Figueroa em reportagem do Clarín, em 22/11/2016. [2]
O autor da informação que assim age, atribui um sentido aos fatos que estes não possuem, subvertendo a expressão que exsurge dos fatos analisados.
Tal tipo de prática foi amplamente utilizada nas campanhas de Donald Trump para a Presidência dos EUA, como também a campanha para o BREXIT na Inglaterra e a sua saída da União Europeia. Outro exemplo da utilização da prática da pós-verdade como meio de subverter a verdade dos fatos, colocando outras opiniões conjuntamente com os fatos, foi utilizada na campanha pelo ‘não’ para o referendo do tratado de paz da Colômbia e com as FARC.
Ou seja, são usos da pós-verdade que podem influenciar nas práticas políticas e jurídicas de determinado ato ou campanha, fazendo com que os elementos da subversão sejam mais importantes que os próprios elementos fáticos que importam para a análise realizada numa determinada situação.
Este tipo de prática está sendo utilizada na discussão da reforma da Previdência Social no Brasil, onde quem está utilizando esta prática é o próprio governo federal, que modifica fatos, dados, verdades e opiniões na tentativa de que seu projeto seja aprovado.
Mas quais pós-verdades vem ocorrendo neste tema? Uma série delas podem ser vistas neste debate, sendo que abaixo se apresentam algumas.
Não descrevem que o governo federal retira boa parte dos valores das contribuições sociais para a Previdência Social para o Tesouro Nacional, por via da DRU – Desvinculação das Receitas da União, um meio pelo qual uma boa parte do caixa do INSS é utilizado para alimentar a fome do caixa geral da União. Apresentam como desculpa para a reforma um suposto déficit bilionário na Previdência, mas o governo não aborda a questão de que o “rombo” tem causas não relacionadas diretamente à Previdência, como benefícios e isenções concedidas a empresas. Outro elemento de pós-verdade é que o governo lança mão nesse debate é a utilização de cálculos para tentar demonstrar o seu déficit, tendo como elementos de referência somente às contribuições das empresas e dos trabalhadores, não incluindo a totalidade das receitas da Previdência.
Também o governo tenta nos fazer crer que não há idade mínima para a aposentadoria no país, propondo uma idade mínima de 65 tanto para homens quanto para mulheres para os segurados. Ocorre que nas leis já vigentes há a descrição de idade mínima para a realização da aposentadoria, podendo se aposentar o “trabalhador que comprovar o mínimo de 180 meses de trabalho, além da idade mínima de 65 anos, se homem, ou 60 anos, se mulher.” [3]
O governo não promove a descrição da existência de dois tipos distintos de regimes de Previdência, um regime geral, aplicável aos trabalhadores do serviço privado, e o regime público, para os funcionários públicos, tratando tudo como se fosse uma coisa só, o que demonstra a atuação governamental com inverdades neste processo. Não há a informação de que a questão da Seguridade Social envolve não só a Previdência Social, mas também a Assistência Social e o Sistema Único de Saúde, fazendo tudo isso parte da Seguridade Social e que os valores recebidos a título das mais diversas contribuições financiam a Seguridade Social como um todo.
O governo estabelece comparações com as aposentadorias em outros países, notadamente com os países que fazem parte da OCDE, para demonstrar a necessidade de aumentar a idade para a aposentadoria, mas se esquece que os países postos em comparação são países muito menores e que já possuem uma certa justiça social bem estabelecida, não havendo diversidade na expectativa de vida como ocorre no Brasil, onde essas idades divergem bastante de estado para estado.
Ainda, o governo não apresenta qualquer meio diferenciado para que possa receber os mais de 500 bilhões que possui na dívida ativa relativa a contribuições para a Previdência, de contribuições de empresas e empresários devidas aos cofres públicos do país. É premente a adoção de meios para que esses valores entrem nos cofres públicos.[4]
Como última razão, mas não menos importante, o governo deseja a realização deste tipo de reforma para que a busca pela aposentadoria ou por assistências sociais fiquem cada vez mais difíceis, de forma que possa aumentar a DRU para que as outras contribuições sociais que financiam a Seguridade Social possam adentrar ao caixa geral da União, servindo principalmente para pagar os juros da dívida pública brasileira, aquela mesma que o Congresso não aceitou ser auditada com finalidade de averiguar quais são as origens e legalidades dos débitos apontados ao governo brasileiro.
Assim, é perceptível que o governo subverte a verdade neste debate sobre a reforma da Previdência, devendo todos nós brasileiros ficarmos atentos sobre a questão, para que possamos encontrar a verdade dentro de toda esta atuação errônea promovida pelo governo.
[1] https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/12/31/por-que-pos-verdade-foi-a-palavra-do-ano-e-o-que-ela-diz-sobre-2016.htm.
[2] http://www.clarin.com/opinion/Post-verdad-nueva-forma-mentira_0_HyjwGEMMg.html.
[3] http://www.previdencia.gov.br/servicos-ao-cidadao/todos-os-servicos/aposentadoria-por-idade.
[4] http://jornalggn.com.br/noticia/desvendando-as-mentiras-da-reforma-da-previdencia-para-impedi-la-por-roberto-requiao.
Sobre o Autor:
Advogado. Doutorando em Direito pela UNESA/RJ. Mestre em História pela PUC/RS e Mestre em D. Internacional pela UAA/PY. Especialista em Direito Processual Civil pela FARO – Faculdade de Rondônia e em D. Processual Penal pela ULBRA/RS. Professor de Hermenêutica Jurídica e D. Internacional da FARO e da FCR – Faculdade Católica de Rondônia. Membro do Instituto de Direito Processual de Rondônia – IDPR. Membro da ABDI – Academia Brasileira de Direito Internacional. Ex-Secretário Geral Adjunto e Ex-Ouvidor Geral da OAB/RO. Presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/RO.