Janio de Freitas
Atribuir à reforma do sistema político a maneira de acabar com a alta corrupção é vender ou comprar ilusão.
Mudar as regras da política é uma necessidade, mas por outro motivo: porque essas regras são ruins. Não proporcionam representatividade ao eleitorado de mais de 100 milhões de votantes, fazem o Congresso e os partidos ter um custo alucinante e, sem obrigação alguma dos congressistas, tornarem-se mais perniciosas do que úteis ao país.
Com todos os seus defeitos e a qualidade solitária de darem aparência democrática ao regime, ainda assim não são as regras políticas que explicam a corrupção desvairada, por exemplo, de um Sérgio Cabral Filho. Fossem outras, já fossem as regras a virem como alegada purificação, Cabral poderia fazer o mesmo que fez como deputado e como governador. As acusações a Eduardo Cunha, por sua vez, incluem altos montantes ligados a operações não pendentes do sistema político.
Em nosso tempo, e com regras políticas diferentes das atuais, a corrupção lavrou como fogo nas favelas paulistanas –sem que algum poder administrativo ou judicial se importe com a repetição recordista dessas desgraças a mais no que já é desgraça.
Como ressaltou o próprio Emílio Odebrecht, “há 30 anos” as empreiteiras colhidas na Lava Jato já usavam, em menor escala, os mesmos métodos agora expostos nas delações de seus enriquecidos dirigentes. Àquela altura, assumiam o lugar de outras com iguais métodos na ditadura, na orgia da construção de Brasília e das hidrelétricas, nas obras públicas em geral.
Empresas aos poucos desaparecidas só por má administração, nunca por imposição da moralidade administrativa e judicial. Há mais de meio século, a crítica eleitoral à alta corrupção já era determinante na campanha vitoriosa de Jânio Quadros para a Presidência.
A corrupção veio crescendo na mesma medida e ao mesmo ritmo em que cresceu a valorização das posses pessoais, da exibição de status material, do hedonismo: uma era brasileira em que ter dinheiro, seja como for, é ser vitorioso. É até ser respeitado.
As suspeitas e as certezas sobre a procedência dos rápidos e inexplicados enriquecimentos ficaram condenadas ao nível das fofocas. Nesse panorama, por ora a Lava Jato não pode ser considerada senão como um acidente. O estouro de um esgoto na mansão da classe dominante.
Mudar as regras da política é necessidade premente, mas com a plena noção de que é mudar o continente e não o conteúdo. A corrupção é feita por homens, não pelas regras da política. É apenas ilusão de uns e ilusionismo de outros o poder moralizador das regras.
A possibilidade real de mudança está em mudar costumes. E alcançá-la depende de fatores que exigiriam ocorrências difíceis no Brasil. Não há muito o que esperar sem boa legislação punitiva, sistema judiciário eficiente, visibilidade verdadeira das transações governamentais, meios de comunicação mais a serviço da população e do país do que à classe social de seus dirigentes, com mais auxílios à consciência política e eleitoral dos cidadãos –enfim, um conjunto de mudanças a exigirem esforço e civismo de que a classe dominante brasileira nunca mostrou ser capaz.