No 247
Emir Sader
A presidenta destituída Dilma Rousseff conclui sua mais longa viagem a um país desde o golpe, voltando a Harvard, onde havia começado a longa trajetória. O início havia sido em um seminário que pretendia reunir as mais diferentes expressões do diversificado panorama político brasileiro e o final foi sobre a realidade latino-americana contemporânea, ambos em Harvard.
O fio condutor do discurso da Dilma, ao longo das exposições em 10 das maiores universidades dos Estados Unidos, em reuniões com movimentos sociais e grupos de brasileiros, nas entrevistas com as principais publicações da mídia, foi a denúncia do impeachment como um golpe. Em seguida, ela passou a explicar porque se deu o golpe.
Três argumentos fundamentaram essa sua explicação: a misoginia revelada claramente na linguagem usada na campanha da oposição contra ela; a busca de “estancar a sangria” que representa a Lava Jato para os membros do atual governo, o que só seria possível com o golpe contra ela; a recolocação do Brasil, do ponto de vista econômico, social e geopolítico, nos marcos do neoliberalismo.
Este último, para Dilma, foi a razão de fundo do golpe: retornar ao projeto dos anos 1990, que tinha sido interrompido com a vitoria de Lula em 2002. Em seguida ela resume os principais avanços dos governos que se opuseram à lógica neoliberal, desde as conquistas sociais até a da retomada do crescimento econômico, da política externa multipolar.
Suas intervenções desembocam no “encontro marcado que temos com a democracia em 2018” e com as tentativas de evitar que o povo brasileiro recupere o direito de decidir por sua própria contra o seu futuro. Dilma chama a atenção sobre os riscos de nova ruptura, seja via casuísmos, seja pela já derrotada via do parlamentarismo, seja por alguma forma de condenação, sem fundamentos, do Lula.
As exposições da Dilma desembocam naquela que tem sido uma referência central dos seus discursos e da sua atuação – “A democracia é o lado certo da historia” – e que a tornaram a principal líder na defesa da democracia no Brasil.
O balanço geral da sua viagem é extremamente positivo. Encontrou um clima de recepção favorável, acumulado seja nos argumentos da própria mídia norte-americana de condenação do governo saído do golpe, seja nos grupos de brasileiros que se constituíram e se mobilizaram durante a luta de resistência ao golpe e núcleos acadêmicos muito esclarecidos sobre o que acontece no Brasil.
Mas é certo também que a consistência do discurso da Dilma, combinando argumentos políticos com a força moral da sua trajetória, fortaleceu ainda mais a visão democrática sobre o que aconteceu e segue acontecendo no Brasil. Essa consistência se contrapõe a todo o noticiário sobre o governo golpista, seus atentados à democracia, aos direitos da população, os vexames da sua presença internacional, a mediocridade de todos os seus representantes.
Dilma se consolida, ao lado da liderança na defesa da democracia, como uma presença internacional relevante, demandada por todos os lados, aplaudida, reverenciada mesmo, reconhecida como uma estadista, uma liderança internacional não apenas na defesa da democracia, mas também na denuncia da financeirização da economia em escala mundial, das desigualdades sociais que ela incrementa e nos atentados à democracia que implica.
Dilma tem agora de encontrar formas de combinar todos os convites que tem de tantos países com a sua indispensável presença na luta democrática brasileira. Nesta viagem ficou comprovado como sua imagem de líder política só cresceu desde o golpe e se afirmou, junto com Lula, como as duas presenças fundamentais com que conta o povo brasileiro para reconquistar a democracia, o desenvolvimento econômico e a justiça social.