Para entidades sindicais, medida desconsidera contexto de trabalho e estaria voltada à redução do Estado
No Brasil de Fato
Cristiane Sampaio
O projeto de lei do Senado (PLS) 116/2017, que entrou em tramitação no último dia 20, é uma das novas preocupações das entidades representativas dos servidores públicos brasileiros. De autoria da senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), o PLS objetiva a demissão de servidores públicos que tenham seu desempenho avaliado negativamente, acabando, assim, com a estabilidade desses profissionais. Para organizações sindicais ouvidas pelo Brasil de Fato, a medida estaria sintonizada com as tentativas recentes de deterioração do serviço público, com vistas ao fortalecimento da ideia de Estado mínimo.
O projeto propõe que os órgãos e entidades da administração pública realizem, a cada seis meses, uma avaliação do desempenho de seus respectivos servidores, podendo demitir os funcionários que receberem nota inferior a 30% da pontuação máxima estabelecida durante quatro avaliações consecutivas. Profissionais que apresentem desempenho abaixo de 50% em cinco de dez avaliações também podem ser demitidos e o afastamento estaria condicionado a um processo administrativo para tratar de cada caso.
A medida busca regulamentar o dispositivo constitucional que trata da perda de cargo por servidores públicos, que ainda não possui uma lei específica, e se aplicaria às esferas federal, estadual e municipal, incluindo os órgãos dos Três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário.
Críticas
Para a dirigente Rosilene Correa, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), o PLS penaliza o trabalhador que opera no serviço público sem considerar o contexto espinhoso do setor, que, para ela, estaria permeado de problemas de outra ordem.
“Muitas vezes você passa num concurso e não tem uma gestão que faz um acompanhamento do servidor, o que pode acabar gerando um serviço que deixa a desejar, mas não necessariamente isso é uma responsabilidade única do servidor. É preciso ter gestão. Achar que só o servidor tem responsabilidade é começar já condenando ele”, aponta Correa.
A dirigente levanta ainda a necessidade de medidas mais estruturais, que tratem da repaginação dos procedimentos de gestão. “A gente precisa de correções, mas na gestão, no sistema como um todo. Claro que o servidor é peça estratégica, mas não como alguém que possa ser descartado assim. Você precisa é de uma política de investimento, de maior qualificação”, defende.
Para Correa, o PLS 116 poderia contribuir para o processo de “deterioração” do serviço público e estaria conectado a outras medidas recentes que, na avaliação dela, caminham nessa direção.
“O que está por trás disso é uma política no sentido de criar mecanismos que reduzam o Estado. É o que se vê, por exemplo, com a ideia de ficar sem concursos públicos também, para ir reduzindo o número de servidores, porque aí depois você vai terceirizando e privatizando tudo. O que está acontecendo no país é isso”, assinala.
Na mesma linha de raciocínio, o secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Sérgio Ronaldo, argumenta que o PLS pertenceria ao universo das iniciativas que visam à desidratação da máquina pública.
“Nós estamos assustados com a ofensiva contra os servidores e os serviços públicos, porque é assustadora a falta de trégua que estão dando ao conjunto do funcionalismo. Primeiro, aprovaram a redução dos investimentos públicos por 20 anos, depois vieram reforma trabalhista, terceirização e o fim da aposentadoria. Parece que resolveram declarar guerra à classe trabalhadora”, critica o dirigente.
“Desnecessário”
Para Ronaldo, o projeto proposto pela senadora sergipana seria “desnecessário” porque a administração pública já prevê medidas voltadas à penalização de servidores que não cumprem com suas obrigações. Ele cita, por exemplo, a avaliação de desempenho dos servidores federais feita anualmente pelos respectivos gestores.
“Se ele não for bem avaliado, é penalizado com a remuneração e a gratificação cai. Se for avaliado negativamente por três vezes seguidas, ele precisa ser capacitado, qualificado, e a gratificação, nesses casos, também cai. Já tem esses mecanismos e o próprio código de ética dizendo que ele pode ser demitido se não cumprir com as obrigações”, exemplifica o secretário.
Para o dirigente, o PLS estaria mirando o alvo errado no que se refere, por exemplo, à qualificação do trabalho apresentado pela rede pública no país. “O que existe é a ineficiência das gestões e do Estado em quererem que o serviço público atenda da forma adequada a população brasileira, porque aí tem que encontrar um culpado, e acaba sendo o conjunto dos servidores. Essa é a questão que está apresentada”, acredita Ronaldo.
Um dos pontos mais polêmicos do projeto é o trecho segundo o qual “a insuficiência de desempenho relacionada a problemas de saúde e psicossociais não será óbice à exoneração, se for constatada a falta de colaboração do servidor público no cumprimento das ações”.
Na prática, o concursado poderia, então, ser demitido do serviço público ainda que o eventual mau desempenho esteja relacionado a questões de saúde. Para Ronaldo, o PLS peca ao permitir a demissão sem considerar o contexto muitas vezes inadequado de trabalho a que os servidores são submetidos.
“Tem que melhorar uma série de coisas, incluindo a saúde complementar deles, pra que eles possam desenvolver suas atribuições com harmonia. Não queremos defender o servidor que não cumpre com seu dever de casa, mas é evidente que o Estado precisa ver os dois lados”, defende o dirigente.
Ronaldo acrescenta ainda que cerca de 90% do total de servidores federais têm problemas de inadequação da remuneração e das condições de trabalho e mais de 60% deles têm acima de 40 anos de idade, o que, na avaliação dele, deveria ser considerado como fator gerador de problemas de saúde.
Outro lado
O Brasil de Fato tentou ouvir a senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE) através de sua assessoria de imprensa, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.
Edição: Rafael Tatemoto