O Supremo Tribunal Federal (STF) tornou público nesta sexta-feira o conteúdo das delações premiadas de executivos do grupo JBS.
BBC
Mariana Schreiber – @marischreiber
Da BBC Brasil em Brasília
Um dia após a divulgação do áudio de conversa entre Joesley Batista e Michel Temer, as denúncias voltam a colocar o presidente em situação delicada ao apresentar novos indícios de pagamento de propinas e campanhas via caixa 2.
Na investigação sobre Temer autorizada pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, o presidente é suspeito dos crimes de corrupção passiva, obstrução de Justiça e organização criminosa, ao lado do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) e do deputado afastado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), que foi assessor direto de Temer.
Temer ainda não se pronunciou após a queda do sigilo da delação, mas tem negado qualquer ilegalidade.
Confira abaixo as principais suspeitas que atingem diretamente o presidente.
1. Supostos pagamentos a pedido de Temer
No acordo de delação, Joesley Batista afirma que realizou entre 2010 e 2017, a pedido de Temer, pagamentos que atingem valores milionários.
Esses montantes teriam incluído, por exemplo, R$ 3 milhões em propina na eleição de 2010, quando Temer foi candidato a vice na chapa de Dilma Rousseff, pagos em parte por meio de doação oficial e em outra parte por meio de caixa dois para a empresa Pública Comunicações.
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, há uma empresa com nome semelhante, Pública Comunicação, em nome de Elsinho Mouco, marqueteiro de confiança de Temer.
Joesley Batista disse que Temer o convidou para uma reunião no seu escritório jurídico, em São Paulo, em 2016, durante o processo de impeachment de Dilma, e pediu propina no valor de R$ 300 mil para pagar despesas de marketing político pela internet.
Esse pagamento, segundo o empresário, foi feito a Mouco, por orientação do então vice-presidente.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, Elsinho Mouco confirmou por meio de nota que teve conversou com Batista sobre o trabalho de “defesa digital” que estava realizando para Temer.
O publicitário também disse que tem contato desde 2010 com o grupo JBS, pois já realizou serviço de marketing político para o irmão de Joesley, Júnior Batista, quando este cogitou concorrer ao governo de Goiás.
“Em meados de 2016 recebi um convite de Joesley para ir à sua casa. Chegando lá, me reuni com ele, com seu pai José Batista e seu irmão Wesley. Discutimos o momento político do país e as possibilidades de Júnior Batista se candidatar. Depois desta introdução, comentei que vinha auxiliando o então vice-presidente Michel Temer com um trabalho de defesa digital”, declarou Mouco na nota.
“Joesley mostrou-se interessado em ajudar, bem como contratar o mesmo serviço para o seu grupo. Isto pode ser confirmado pela troca de mensagens que mantivemos posteriormente”, disse também o marqueteiro.
Na delação, o dono da JBS conta também que seu relacionamento com Temer começou em 2010, por intermédio do então ministro da Agricultura Wagner Rossi, peemedebista indicado ao cargo por ele.
Quando Rossi deixou a pasta, após denúncias de ilegalidades, Batista disse que passou a lhe pagar “mensalinhos” de R$ 100 mil, a pedido de Temer.
O dono da JBS relata ainda pedido de Temer, então presidente do PMDB, por doações para a campanha do candidato do partido à Prefeitura de São Paulo em 2012, Gabriel Chalita. Batista diz que então realizou pagamento de R$ 3 milhões via caixa dois.
2. Repasses para garantir vantagens
Outro delator, Ricardo Saud, diretor de Relações Institucionais da holding J&F (controladora da JBS), disse que Temer teria recebido valores próximos a R$ 15 milhões em pagamentos de vantagens indevidas na campanha eleitoral de 2014, apontou reportagem do portal UOL.
Os pagamentos seriam contrapartida para garantir atuação favorável do governo em questões de interesse do grupo.
Do total de R$ 15 milhões, R$ 3 milhões teriam ido para o então deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e R$ 9 milhões para o PMDB nacional. Em ambos os casos, seriam propinas dissimuladas como doação oficial.
Outros R$ 2 milhões teriam ido para a campanha de Paulo Skaf (PMDB) ao governo de São Paulo, sem registro oficial de doação.
Saud diz que o R$ 1 milhão restante, embora tenha sido pedido para campanha, foi para o bolso de Temer.
3. Interferência no Cade
Outra acusação contra Temer é a de que seu aliado próximo, o deputado afastado Rocha Loures (PMDB-PR), teria atuado com seu aval em favor da JBS em uma disputa no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), principal órgão de defesa da concorrência do país.
Na conversa com Temer gravada por Batista, o presidente indica Loures como uma pessoa de sua confiança para atuar como interlocutor das demandas da JBS.
Posteriormente, Batista grava conversas com o deputado oferecendo propina em troca de que consiga que o Cade atenda pleito da JBS no sentido de que o grupo possa adquirir gás diretamente da Bolívia, a preços menores do que o cobrado pela Petrobras.
O empresário diz que a compra por intermédio da Petrobras lhe dá prejuízo diário de R$ 1 milhão e sugere pagar a Temer 5% do lucro que será obtido caso o Cade atenda o pleito da empresa. Loures consente.
Depois, o deputado se reúne com Saud e ambos combinam pagamentos semanais de R$ 500 mil, por 20 anos.
Segundo o jornal O Globo, nessa conversa Loures disse que levaria a proposta de pagamento a alguém acima dele e Saud faz duas menções ao “presidente”. Pelo contexto, relata a publicação, os dois se referem a Michel Temer.
O primeiro pagamento de R$ 500 mil concretizado posteriormente foi gravado pela Polícia Federal.
4. Citações de diálogo gravado por Batista
A conversa gravada por Batista com Temer em março deste ano traz outros pontos que poderiam implicar o presidente em condutas ilegais, além do trecho em que conversam sobre Cunha.
O encontrou ocorreu à noite, fora da agenda oficial, no Palácio do Jaburu, residência oficial do presidente.
Na parte que se refere ao ex-deputado, o dono da JBS relata que “zerou pendências com ele” e que está “de bem com o Eduardo”.
Nessa hora, Temer responde: “Tem que manter isso, viu?”. Em seguida, o delator diz “todo mês”, o que, segundo ele, se referia a acertos em dinheiro para calar Cunha.
A conversa nesse trecho, no entanto, tem trechos inaudíveis.
Apesar disso, o áudio traz outros trechos comprometedores, em que Batista relata ações para interferir na Justiça.
Em um momento em que ele conta estar “segurando” dois juízes, o presidente diz “ótimo”, por exemplo.
Já em outro trecho, Batista relata que “está se defendendo” pagando mesada de R$ 50 mil ao procurador Ângelo Goulart Villela, para que ele lhe passasse informações privilegiadas de investigações contra a JBS. Temer responde: “É”.
Em nota após divulgação do áudio, o presidente disse que não acreditou que Batista tivesse realmente com promotores e juízes sob controle e que estaria apenas “contando vantagem”. Temer também nega ter concordado com ajuda a Cunha.