Amanônia Real, por Gabriel Uchida, colaboração para a Amazônia Real
Porto Velho (RO) – Há mais de 15 anos, a cacique Mandeí Juma era uma adolescente no ritual de passagem da Menina Moça, festa tradicional das etnias Uru-Eu-Wau-Wau e Juma, que formaram laços matrimoniais no final dos anos 90. Na ocasião de seu rito de passagem, Mandeí ficou cerca de vinte dias absolutamente reclusa em uma rede. Seu principal pensamento durante este período era o mesmo: “Eu queria continuar a tradição e passar para os meus filhos e parentes”.
O tempo passou e a ideia da cacique prosseguiu. Já adulta, Mandeí organizou outras festas da Menina Moça. A primeira foi de sua sobrinha, Kunhãvé, em 2014. A segunda foi de sua própria filha, Tejuvi, em 11 de abril de 2016. No último dia 21 de maio foi a vez de outra sobrinha, Borep Juma Uru-Eu-Wau-Wau passar pelo rito de passagem.
Os Juma vivem em apenas uma aldeia às margens do rio Assuã, afluente do Purus, município de Canutama, no sul do Amazonas. Ao longo dos anos, o povo foi quase dizimado pela invasão de seu território por comerciantes de borracha, madeira e pescado.
Hoje existem apenas quatro pessoas do grupo: Mandeí, seu pai Aruká, de 83 anos, e suas irmãs Maitá e Borehá. Elas casaram com índios Uru-Eu-Wau-Wau, cujo território fica em Rondônia, e a família cresceu.
Em 2008, os Juma e os Uru-eu-wau-wau casados mudaram para a Terra Indígena Juma, que é demarcada e homologada com 38.351 hectares. As florestas, rios e lagos, e a fauna são totalmente preservados.
A menina Borep é filha de Borehá Juma e Erowak Uru-Eu-Wau-Wau. O casal tem outros três filhos: Puré, Avip e Thiago Tembu (foto da família abaixo).
Com uma população tão reduzida, manter viva a tradição dos Juma é sobretudo um ato de resistência. Mesmo jovem, Puré Juma Uru-eu-wau-wau, de 15 anos, entende a responsabilidade: “A gente tem que continuar o que os nossos antepassados faziam e levar isso até a eternidade, é assim que eu planejo”.
O ritual da Menina Moça acontece logo após a primeira menstruação da garota, que deve passar cerca de vinte dias reclusa em uma rede, tendo contato apenas com a mãe, tia ou avó. Este período é para que o corpo dela se forme, pois ao sair já será uma mulher adulta. Veja abaixo o vídeo da festa produzido pela Kanindé:
Na noite anterior da festa, todos da aldeia se pintam com jenipapo, cantam e dançam. A música é para espantar os espíritos dos homens brancos que foram mortos em guerras com os indígenas e para proteger a garota de assombrações.
Pouco antes de amanhecer o dia, os pais retiram a menina da rede e a preparam com jenipapo, pulseiras e colares. Isto é, na verdade, uma proteção para que ela não se machuque, não pegue doenças e fique mais inteligente. O próximo passo é banhar-se no rio.
Segundo a tradição, quanto mais cedo o banho, mais a garota vai demorar para envelhecer. Neste dia, se houvesse um homem prometido para ela, seria feito também o casamento – o que não foi o caso de Borep.
Ao voltar para a aldeia, os demais já estão cortando castanha, que a jovem irá preparar junto com pedaços de peixe – prato conhecido como “Botawa”.
Alimentar os convidados é a última parte da festa, e a primeira tarefa de Borep como mulher adulta. A vida de criança e de brincadeiras fica no passado, seu comportamento e postura são outros: mulher de pouca conversa, semblante sério e concentrada nos afazeres.
Ao fim da festa da Menina Moça, depois de comer um prato de “Botawa”, o guerreiro Aruká, que é o último homem da etnia, reflete sobre seu povo: “Estou alegre em ver minha neta seguindo nossa tradição, mas triste porque hoje somos poucos Juma, eu me sinto sozinho”.