A lua, Gatikat

A lua, Gatikat

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Foi assim como vai ser contado, que a lua surgiu.

Havia uma família, da metade ritual dos íwai, os da comida, que se ocupava em preparar a bebida para a festa, indo colher cará na roça para cozinhar. Nessa família havia dois irmãos e duas irmãs. Uma das meninas, muito bonita, estava akapeab, em reclusão por estar na primeira menstruação. Devia se casar, como deve ser, com seu tio materno, quando acabasse o período de resguardo.

O tio materno, sendo da outra metade da aldeia, a do metareda, ou do mato – pois por ser da outra metade é que podia casar com ela – estava longe, na clareira no mato, preparando flechas e outros presentes que essa metade tinha que dar para a da comida, na festa.

Uma noite, um homem veio à maloquinha da menina, deitou-se na sua rede e namoraram. Bem baixinho, para ninguém ouvir, ela perguntou:

– É você, meu tio, que está fazendo isso comigo?

– Sou eu, sim, seu tio materno…

Muitas e muitas noites ele voltou. Quando escurecia, ele vinha sempre, e costumava deitar-se com ela. A menina perguntava:

– É você tio?

– Sou, sim…mas não conte para ninguém, só quando você puder sair da maloquinha para casar.

A menina ficou desconfiada, depois de um tempo – seria mesmo o seu tio, o visitante noturno? Resolveu que ia passar jenipapo no rosto dele.

À noite, como de costume, deixou encostada a portinhola de palha, o labedog, na parte de trás da maloca, para ele entrar com facilidade. Já tarde, ele veio, e se deitou com ela na rede.

– Oi, tio, é você?

– Sou eu, sim!

Ela pegou o jenipapo, e passou-lhe no rosto. Ele estranhou, mas ela disse que era água, para diminuir o calor.

No dia seguinte, ela contou para a mãe o que vinha acontecendo.

– Mãe, será meu tio, mesmo, que me namora toda noite? Não pode ser, não, minha filha, tio não faz isso com a sobrinha, só quando acaba a reclusão. Se fosse outro, aí poderia ser…

– Você já perguntou mesmo se ele é seu tio?

– Perguntei! E ele disse para eu não contar a ninguém!

– Por que há de querer segredo? Se ele é seu tio, você é mulher dele, não dos outros, pode esperar você sair do resguardo!

– Hoje eu passei jenipapo no rosto dele, mamãe! Você pode ir ver, lá no metareda, no mato, se é ele mesmo! A mãe achava que não era o tio pois este não entraria às escondidas na maloquinha. Se fosse outro pretendente, por exemplo um primo, então sim, tentaria namorar a mocinha à revelia do marido mais legítimo, o tio. Foi à clareira onde ficava a metade do mato, durante a seca, e voltou assustadíssima:

– Minha filha, o rosto do seu tio não tem nenhum jenipapo, nenhuma pintura. É o rosto do seu irmão, aqui na nossa metade, que está pintado! A menina pôs-se a chorar, no maior desespero: -Então é meu próprio irmão que vem me namorar, todas as noites! A mãe também chorava, e disse que eles tinham que ir embora para o céu. O irmão, advinhando ter sido descoberto, veio chegando, já com todas as suas coisas, seus cestos, seus pertences. A irmã saiu da maloquinha, pondo fim à reclusão, mas sem se pintar de jenipapo, nem se enfeitar como uma noiva, como seria se fosse casar com o tio. -Mãe! Enfie a ponta da flecha no meu corpo para eu morrer! -Pedia para a mãe. Queria morrer mesmo. -Não, vocês não vão morrer, não! – respondeu a mãe. -Vocês vão para o céu. E os dois irmãos subiram para o céu por um cipó. Desde então apareceu a lua, que antes não existia. O lado escuro da lua é o rosto do irmão, pintado de jenipapo.

Fonte: socioambiental.org.br

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