Dos 574 mil detentos e detentas no Brasil, apenas 20% trabalham e 8,6% estudam

Dos 574 mil detentos e detentas no Brasil, apenas 20% trabalham e 8,6% estudam

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Mesmo com lei que obriga as unidades prisionais a ofertarem educação, 64,77% das presidiárias são analfabetas

Vanessa Gonzaga, especial de Petrolina
Brasil de Fato | Petrolina (PE)

Prisões lotadas e poucas possibilidades de ressocialização. Esse é o quadro atual do sistema carcerário no Brasil. No paradoxo de unir punição e atividades que reabilitem os indivíduos para o convívio em sociedade, as atividades ressocializadoras, que não têm caráter de punição, são secundarizadas. Dos 574 mil detentos e detentas no Brasil, apenas 20% trabalham e 8,6% estudam, segundo a Pastoral Nacional Carcerária.

Apesar das poucas oportunidades, a demanda é grande. Cerca de 64,77% das mulheres encarceradas são analfabetas, ainda que a lei N.º 2.230, de 2011 obrigue todas as unidades prisionais a terem espaço físico e profissionais voltados à oferta de educação no cárcere, contudo, a oferta de ensino varia de educação básica e supletivos a curso pontuais ou atividades profissionalizantes.

Já a oferta de trabalho é feita em duas modalidades: no regime semiaberto, onde as presidiárias saem durante o dia para trabalhar ou dentro das unidades prisionais, onde há trabalhos específicos ou mesmo na manutenção da estrutura do presídio, como a lavanderia.

Essas atividades são elos que podem ser fundamentais para garantir que, ao sair da cadeia, as mulheres tenham oportunidades de trabalho e emprego. O que era apenas uma medida para diminuir o tempo de reclusão (três dias de trabalho ou estudo diminuem um dia da pena) acaba se tornando um passaporte para outras oportunidades.

“Eu acho que uma das frentes de ressocialização que de fato acontece e é eficaz é a educação no sistema prisional. Pela experiência que nós temos aqui na região, nos presídios femininos e masculinos de egressos do sistema prisional estarem cursando a Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), de egressos estarem prestes a entrar na Universidade do Estado de Pernambuco (UPE), de egressos concluindo o ensino médio através do Enem e de outros sistemas de avaliação. Tem os que dão continuidade ao processo de educação dentro da unidade prisional na alfabetização e vão até o ensino médio. Então a educação funciona, ainda que precariamente, como funciona aqui fora”, afirma Ênio Costa, educador e especialista em ressocialização e encarceramento.

Em Petrolina, cerca de 60 mulheres estão encarceradas na Cadeia Pública Municipal, que é gerida pela Secretaria Executiva de Ressocialização do Estado de Pernambuco. A maioria das detentas segue o perfil das mulheres encarceradas no Brasil, segundo a pesquisa de 2014 do Infopen: negras, jovens, mães e presas por tráfico de drogas.

A Pastoral Carcerária de Petrolina trabalha há mais de 20 anos dando assistência a essas mulheres e a suas famílias, realizando trabalhos de acolhimento e arrecadação de roupas, calçados e materiais de higiene pessoal.

Para acessar a cadeia, as equipes são cadastradas e só entram nos dias e horários consensuados e com identificação própria. As medidas de segurança servem para evitar a entrada de materiais não permitidos e para evitar que parentes de presidiárias entrem de forma clandestina, já que uma das regras é a proibição da inserção de familiares das detentas na Pastoral.

Vale do São Francisco
A Pastoral encontra dificuldades estruturais e burocráticas para executar os trabalhos.

“A Pastoral tem essas dificuldades porque existe muito preconceito, muita discriminação com os detentos. Existe um agenda nacional da Pastoral, com o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que é a Agenda Nacional Pelo Desencarceramento, que propõe medidas nas Dioceses e a discussão na sociedade para que haja uma mobilização para que aconteçam mutirões de revisões de processo e medidas que acabem com a superlotação”, aponta Senice Oliveira, membro da Pastoral Carcerária.

Senice também aponta que a atual gestão municipal diminuiu as vagas de emprego para pessoas em regime semiaberto, que trabalhavam principalmente na limpeza das ruas da cidade. Cícero Santos, também membro da Pastoral Carcerária, denuncia:

“De janeiro pra cá, cerca de 180 detentos e detentas ficaram desempregados com o fim do Programa de Ressocialização de Apenados, que pagava cerca de um salário mínimo e tirava muitas pessoas da situação de vulnerabilidade que o presídio impõe”.

Ênio Costa, que na sua dissertação de mestrado estuda os modos de vida na prisão e as perspectivas de ressocialização, aponta as penas alternativas e uma perspectiva de educação libertadora como alicerces da ressocialização e da mudança no sistema prisional:

“Devem ser incentivadas outras medidas, como as restaurativas, penas alternativas e outros caminhos que fizessem com que esse sujeitos cumprissem essa sentença, mas ligada a um processo de transformação, de ressocialização. A educação é um instrumento de transformação, como diz Paulo Freire, de mudança da realidade e do sujeito se transformar porque esta, ligada a uma mudança de atitude, funciona como um instrumento de ressocialização de fato.”

Edição: Monyse Ravena

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