A onda de violência contra sem-terra e comunidades tradicionais foi intensificada no governo de Michel Temer (PMDB)
Lilian Campelo
Belém (PA)
“Eu diria que a principal causa da violência mesmo não é enfrentada pelo Estado”, é o que afirma Marco Apolo Santana Leão, advogado que atua em movimentos populares e organizações como a Sociedade Paraense de Defesa de Direito Humanos (SDDH-PA), Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Comissão Pastoral da Terra (CPT), sobre as mortes no campo no estado do Pará.
Só no primeiro semestre deste ano o Pará registrou 22 pessoas assassinadas por conflitos no campo. Na última semana de julho soma a estatística mais o casal Manoel Índio Arruda e Maria da Luz Fernandes da Silva, mortos em casa no assentamento Uxi, em Itupiranga.
O estado há anos ocupa uma posição – nada honrosa – no ranking de mortes de lideranças e agricultores sem-terra causadas no contexto de conflitos fundiários. Leão sustenta que as causas não são encaradas pelo Estado brasileiro. Pelo contrário, a permanência é incentivada, e no atual governo de Michel Temer (PMDB), os conflitos tem se intensificado.
“Não existem políticas públicas capazes de enfrentar essas questões, pelo contrário, o Estado brasileiro tem potencializado os conflitos na medida que ele incentiva as causas, como o esvaziamento da política da reforma agrária, o esgotamento do Incra, a falta de recursos e o incentivo ao agronegócio. O que o Estado está fazendo é incentivar o conflito na medida que ele apoia quem está a favor do conflito”, afirma.
Segundo dados da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri-PA), as mortes por conflitos no campo esse ano aumentaram 366,7% em relação a 2016. Os dados foram apurados a partir da contabilização feita pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).
O presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), Gerson Teixeira, também partilha do mesmo argumento. Ele afirma que após o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff (PT) e, por conseguinte, o desmantelamento de instrumentos que mediavam as tensões no campo, fomentou a violência no meio rural porque sinalizou aos ruralistas mais radicais que não haveriam limites as suas ações: “se sentiram livres”, diz Teixeira.
“Primeiro você tem a paralisação completa da reforma agrária, os assentamentos eram uma forma de intervir na situação de tensão social. Isso deixou de existir, além de tudo a base no Congresso está tentando cassar todos os atos que a Dilma editou de desapropriação da reforma agrária, de demarcação de terra indígena e quilombola. São 21 projetos de decretos legislativos tentando invalidar os atos da Dilma na reforma agrária e mais uns 20 pegando terra indígena e quilombola”, acrescenta.
Teixeira tece críticas ao governo Lula e Dilma sobre as políticas agrárias. Em ambos, segundo ele, houve “restrições” devido a forte presença da bancada ruralista, representantes dos interesses do setor do agronegócio, mas reconhece que nos dois governos a “política de assentamento” não foi paralisada. “Mas de qualquer maneira isso mitigava e tinha o contraponto. No caso da violência, o governo era muito atuante, tinham-se instrumentos como o Incra [Instituto Colonização e Reforma Agrária], a Ouvidoria, tinha a ação de várias instâncias do governo que contrapunha a violência”.
A impunidade nos processos judiciais é outro fator que contribui e fortalece para que mais crimes no campo aconteçam, segundo o advogado. Leão advogou em muitos processos envolvendo homicídios de lideranças rurais. O último foi em relação à assistência de acusação do assassinato do casal extrativista José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, mortos em 2011 em Nova Ipixuna, sudeste do Pará. O mandante José Rodrigues Moreira foi condenado a 60 anos de prisão pelo duplo homicídio qualificado, mas encontra-se foragido da justiça.
Segundo Leão, de 1980 a 2008 a SDDH contabilizou 57 defensores de direitos humanos assassinados no estado paraense, alguns desses casos chegaram a ir a júri, e outros nunca foram solucionados. Leão cita o processo do Paulo Fonteles, advogado da CPT assassinado por dois pistoleiros em 1987. Os mandantes nunca foram identificados pela investigação: “Geralmente são punidos nesses processos pistoleiros e intermediários, dificilmente as investigações chegam aos verdadeiros responsáveis, de quem financia essas mortes”.
Segundo dados da CPT, desde 1985 houve 1.387 assassinatos no campo. Desses, apenas 112 casos foram julgados, com 31 mandantes condenados e 14 absolvidos. Dos executores, apenas 92 foram condenados.
Edição: Luiz Felipe Albuquerque