No 247, por Emir Sader
Já não bastassem as desgraças que sofre o pais com a ruptura da democracia, a atuação conivente do Judiciário e o pacote de maldades do governo golpista, há ainda a desgraceira do Congresso eleito pelo Eduardo Cunha, com o dinheiro do grande empresariado. O melhor Congresso que o dinheiro comprar.
Além de todas as evidencias no processo do Eduardo Cunha, o grande eleitor desse Parlamento, a Odebrecht confessou que comprou a 140 parlamentares, constituindo-se na maior bancada do Congresso Nacional. Um Congresso dominado pelos lobbies – dos ruralistas, da bala, da educação privada, da saúde privada, dos bancos -, eleitos pelo poder do dinheiro, sequestrou o pais.
Não adianta a enorme rejeição do pacotes de medidas do governo, não adianta a imensa rejeição do Temer, não adianta a esmagadora maioria da população ser a favor da saída do Temer por corrupto – o Congresso se rende ao poder do dinheiro do governo e dos interesses que representa. O STF não tem coragem de invalidar as decisões do Congresso em base às denuncias e provas sobre a forma como ele foi eleito. Deixou que ele tomasse a mais escandalosa das medidas – o golpe contra a Dilma – e assiste impávido as barbaridades que ele vota, contra tudo e contra todos.
O Brasil paga caro a incapacidade dos movimentos populares no seu conjunto de impedir que a direita elegesse um Congresso tão de direita. Que fosse eleito um Congresso pelo menos tal ruim quanto os anteriores, mas não tão ruim como o atual. Não ha tradição nos movimentos populares brasileiros de eleger representantes seus para o Congresso, deixando que os votos sejam canalizados por outro tipo de candidatos. E como o Congresso não era importante, isso parecia não ter maiores consequências, ate’ que a direita se deu conta de como poderia utiliza-lo e seu o golpe.
Os que pregam que basta o povo na rua para reverter essa situação e restabelecer a democracia no Brasil não conseguem explicar porque houve grandes manifestações no primeiro semestre deste ano no pais, mas a situação não se alterou e as próprias manifestações tiveram um refluxo. Não se dão conta que para que o povo se mobilize não basta a indignação – ponto de partido obrigatório -, mas é necessário que tenha esperança de resolução dos problemas.
Esse Congresso, comprado sistematicamente pelo governo, se erige como obstáculo para a solução dos problemas em torno dos quais o povo se mobilizou. A culpa não é do povo, não tem sentido ficar falando da apatia do povo, do seu desinteresse pelo que passa no pais. O povo está lutando duramente para sobreviver à recessão, ao desemprego, à perda de direitos, à insegurança pessoal na vida cotidiana.
Os que achavam que uma greve geral teria um efeito magico de fazer avançar as lutas populares e a queda do governo, se deram conta que a classe trabalhadora não é uma maquina pronta para parar tudo, bastando ser convocada para tal. A primeira greve, como grande jornada nacional de lutas, foi vitoriosa, mas não pôde se repetir, pela ansiedade de convoca-la, sem as condições necessárias para ela.
A luta pela restauração da democracia requer uma luta cotidiana em todos os setores da sociedade, para superar o isolamento que foi relegada a esquerda. Para isso precisar estar munida de propostas, de vias de sua realização, de lideranças com credibilidade para conduzir o povo por esse caminho.
Lula assumiu a proposta de que os movimentos sociais se responsabilizem por eleger cotas de parlamentares que possam reverter essa situação escandalosa de um Congresso que vota contra os direitos da grande maioria e agora se dispõe a absolver a Temer, apesar da condenação da esmagadora maioria da população. Tanto o movimento sindical, quanto os movimentos de mulheres, de negros, de jovens, de LGBT e todos os outros, tem que assumir a responsabilidade de invadir próximo Congresso com seus representantes, fazendo do Parlamento a cara do povo e não dos delegados do poder do dinheiro.
É parte indispensável da via de democratização radical do Estado a construção de uma representação parlamentar progressista, o que só pode ocorrer se os movimentos populares elegerem representantes seus para o Congresso. Sem o que qualquer tentativa de superação do chamado presidencialismo de coalizão ou ainda qualquer possibilidade de convocação de uma Assembleia Constituinte esbarra no sequestro da representação parlamentar pelos grandes lobbies privados.