No 247, por Emir Sader
O fato agora claro de que a direita não tenha candidato não é um fato de marketing, mas um fato político. O programa da direita, como se viu agora, é o mesmo desde Collor: o modelo neoliberal, que diminui o Estado às suas mínimas proporções, promovendo a centralidade do mercado, que destrói os direitos dos trabalhadores em favor dos interesses do grande capital, que reduz drasticamente as políticas sociais, deixando grande parte da população abandonada, que escancara o mercado interno para a globalização, que faz o Brasil desaparecer como sujeito no plano internacional, ficando reduzido a aliado subalterno incondicional dos EUA. Um programa incompatível com os direitos da grande maioria do povo e incompatível com apoio politico.
Na sua primeira aparição, com Collor e FHC, o neoliberalismo prometia passar a limpo as finanças do Estado, controlar a inflação, retomar o crescimento da economia. Promessas que certo encanto, que lhes permitiram ganhar três eleições seguidas. Mas nada disso foi conseguido. FHC entregou o pais em frangalhos ao Lula: com a divida publica 10 vez maior do que a que tinha encontrado, com o retorno da inflação, com a mais longa recessão econômica que o pais tinha conhecido.
Quando retornou ao governo, na Argentina e no Brasil, a direita reafirmou que so dispõe desse modelo. Não incorporou nada do sucesso dos governos que a sucederam, com a diminuição drástica da exclusão social, com a recuperação do crescimento da economia, com o protagonismo externo das políticas de soberania nacional, com a maior estabilidade política dos governos que puseram em pratica essas políticas. É como se nada de importante houvesse acontecido ou como se tudo tivesse sido uma farsa, como se esses governos tivessem se apoiado no gasto “excessivo” dos recursos públicos e na corrupção, para promover direitos insustentáveis.
Tentam virar a página, promover o esquecimento do quanto a vida da população melhorou. Usam o biombo da corrupção, como se tudo o que os governos antineoliberais realizaram neste século pudesse ser reduzido a uma grande farra de corrupção ou buscando minimizar as melhorias das condições de vida, o que so podem conseguir pelo esquecimento, por apagar da memória das pessoas como viveram durante os governos progressistas.
A hora da verdade é quando a direita, depois das promessas demagógicas, assume o governo e tem que colocar em pratica suas políticas. Nessa hora, so lhes restam as acusações de corrupção, sem provas, acumulando suspeitas para buscar gerar rejeições nos lideres antineoliberais e fazer o malabarismo de manter que a recesso econômica é culpa dos governos anteriores.
A verdade é que a única política da direita é essa: promover os interesses do capital especulativo às custas da produção, da concentração de renda às expensas da distribuição de renda, da exclusão social às custas da afirmação dos direitos, da subserviência externa às expensas da soberania e a independência. Fazendo isso, vai ficando cada vez mais impossível apagar da cabeça das pessoas as contradições entre o que viveram nos governos anteriores e o que vivem nos atuais.
Porque a grande maioria da população vive na carne os efeitos cruéis das políticas neoliberais. E torna inviável a promoção e lideranças políticas que encarnem essas políticas, que a população sente como frontalmente contrarias a seus interesses elementares: emprego, salário, direitos sociais, proteção estatal.
No Brasil o caso adquire características escandalosas, porque a maquina do governo Temer – entre corrupção descarada e políticas antipopulares – liquidou todos os candidatos possíveis da direita. Basta estar minimamente assimilado ao governo Temer, para se tornar inviável como candidato, de tal forma o nível de rejeição recorde do governo golpista liquida qualquer apoio a uma candidatura. Dai as tentativas de inviabilizar a candidatura do Lula, seja por condenação, mesmo se sem provas, ou por alguma forma de parlamentarismo, que castre o poder do voto popular, ou a busca desesperada de alguém “de fora da política” para se enfrentar ao Lula, contra quem seguem acumulando acusações, para tentar manter alto seu nível de rejeição.
O certo é que os governos Temer e Macri confirmam o que ja se havia dado na Europa. La, quando os principais partidos aceitaram as políticas de austeridade e ficaram comprometidos com a recessão econômica e os níveis recordes de desemprego, as eleições tornaram-se um martírio para os partidos, que até ali se haviam mantido em rodízio, apoiados no bipartidismo.
Aqui os governos de esquerda assumiram o combate ao neoliberalismo como seu objetivo central, e o neoliberalismo contaminou forcas que antes eram de esquerda – social democracia, nacionalismo antigos. O neoliberalismo tem que se enfrentar com governos e lideranças populares que ja provaram que são capazes de colocar em pratica políticas de caráter popular, de triunfar democraticamente por meio de eleições.
As eleições vão se tornando assim um tormento também para a direita latino-americana, que não tem o que oferecer fora da demagogia e do modelo neoliberal, com todas suas consequências antipopulares. Como a direita nao consegue se distanciar do modelo neoliberal duro e puro, promovendo os interesses da ínfima minoria da população, se choca com qualquer processo eleitoral, em que, de maneira democrática, o povo expresse seus interesses e sua vontade. A falta de candidato da direita é resultado disso. E restabelecer a democracia se torna, automaticamente, superar definitivamente o modelo neoliberal.