No 247, por Tereza Cruvinel – Ontem foi o dia do espanto. Os senadores da oposição discursavam contra a privatização da Eletrobrás e a entrega de uma enorme reserva ambiental na Amazônia à predação mineral quando começaram a ser bombardeados por informações sobre a extensão da grande liquidação do Brasil que o governo de Michel Temer acabava de anunciar à praça: entraram também no pacote a Casa da Moeda, 14 aeroportos, 15 terminais em portos, a Casemg, a Docas do Espírito Santo, a Lotex, a Ceasa-Minas, 11 linhas de transmissão de energia, trechos de rodovias e outros tantos blocos de exploração petrolífera. O anúncio foi espantoso porque repentino, e tal como a privatização da Eletrobrás, improvisado, mas há uma explicação, que não é ideológica, para a fúria privatizante: se Temer não encontrar um jeito de fazer caixa, ele (e também Meirelles) podem incorrer em crime fiscal-orçamentário, um dos delitos administrativos que remetem ao crime de responsabilidade, podendo justificar impeachment.
O artigo 167 da Constituição Federal, que trata das regras orçamentárias constitucionais, estabelece algumas proibições, sendo que uma delas, estabelecida no Inciso III, é conhecida como “regra de ouro”, tendo sido depois reforçada pela Lei de Responsabilidade Fiscal. É vedado, diz o inciso:
III – a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta;
Trocando em miúdos, a vedação diz o seguinte: não se pode recorrer ao endividamento público para custear despesas correntes, ou de custeio, que não representem investimento, ou seja, a formação de bens de capital (uma escola, um porto, uma estrada etc.). Não pode o custeio superar o investimento, salvo em casos especiais, autorizados em lei específica. Com o crescimento descontrolado do rombo fiscal, esta situação pode se configurar a qualquer momento, como escreveu na terça-feira em seu Facebook o ex-ministro Bresser Pereira, comentando a privatização da Eletrobrás. O pacote inteiro da liquidação Brasil só seria conhecido ontem.
“O motivo que provavelmente desencadeou essa decisão foi o fato que a Constituição, no seu artigo 167, define como “crime fiscal” o governo incorrer em deficit público superior à despesa de capital, ou seja, ao investimento público. Com esse dispositivo o constituinte sabiamente buscou impedir que o governo aumentasse de forma irresponsável a despesa corrente”, escreveu Bresser.
Será uma deliciosa ironia se os algozes de Dilma por “pedaladas fiscais” forem incursos em crime de responsabilidade por atentado muito mais grave à Constituição, à lei orçamentária e à Lei de Responsabilidade Fiscal. E onde andam os guardiões do artigo 85, que vincula tais crimes ao impeachment? Sumiram juntamente com os paneleiros.
Haverá luta política e jurídica contra a grande liquidação entreguista. Ontem mesmo o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) entrou com ação popular contra o decreto de Temer que acabou com a Reserva Nacional de Cobre e Associados, a Renca, uma área de 47 mil km2 entre o Amapá e o Pará, equivalente a oito vezes o DF. Ali tem muito ouro, cobre, manganês e outros minerais de alto valor, que os militares, no tempo de João Figueiredo, resolveram proteger. Ela constitui um rico santuário da bio-diversidade, abriga uma porção virgem e vigorosa da floresta Amazônica e nela vivem grupos indígenas. Por decreto, de uma penada, Temer resolveu entregar esta área à exploração de mineradoras nacionais e estrangeiras.
– Parece loucura mas há uma lógica perversa nesta insanidade: fazer caixa e fazer negócios – diz o senador.