No Eco Islâmico, por Luciana Carvalho – Embora muitos ainda acreditem que não, a islamofobia é uma realidade no Brasil. De “brincadeiras” dissimuladas à agressões verbais mais diretas, há registros de muçulmanos sendo vítimas de islamofobia no Brasil ao menos desde a década de 1980.
“Terrorista”, “mulher/homem bomba”, “Bin Laden”…os impropérios são os mesmos e já foram ouvidos pelo menos uma vez por todo muçulmano (a).
Também não são raras as agressões físicas : Há relatos de muçulmanas sendo cuspidas, empurradas e apedrejadas em várias partes do País. Alguns incidentes chegaram a ser noticiados por portais de notícia de grande visibilidade, como o caso de Halimah Farah, apedrejada em companhia dos filhos de 6 e 8 anos enquanto voltavam da escola, mas logo foram esquecidos.
Por isso, é preciso que se entenda o quanto antes que não se tratam de incidentes isolados. Para falar um pouco em números, em entrevistas realizadas entre janeiro e março de 2017, com muçulmanos entre 25 e 63 anos residentes em quatro regiões do Brasil, em sua maioria mulheres revertidas, revelou-se que 72,72% dos ouvidos já sofreram algum tipo de agressão por serem muçulmanos e 84,60% relataram se sentir discriminados em função do mesmo motivo.
Quando se pensa no ambiente de trabalho, obstáculos não faltam para o muçulmano que mantém a aparência estritamente de acordo com os ditames da religião (hijab ou barba, conforme o caso) conseguir um emprego ou mesmo mantê-lo, quando a reversão ao Islam se dá após a contratação. Se tentam exercer seu direito, constitucionalmente assegurado desde a Carta de 1891, de rezar em ambiente outro que não as suas residências então…!
Apesar de não se tratar de um fenômeno recente no País, nos últimos anos a situação só tem se agravado. Basta ler a seção de comentários de qualquer notícia envolvendo o Islam e os muçulmanos para se ter uma amostra do grau de adesão ao discurso islamofóbico no Brasil. Para, contudo, os que não consideram manifestações de ódio online como algo digno de nota, aqui vão alguns casos ocorridos nos últimos meses no “mundo real”
Em maio, em protesto contra a Lei de Migração realizado na Avenida Paulista, manifestantes declaravam-se “contra a islamização do País” e apelidavam a nova lei de “estatuto do terrorista”. Um militante à frente da marcha chegou a dizer ao microfone: “Essa lei veio para colocar os islâmicos contra os cristãos. Para destruir as famílias. Para pegar crianças de 9 anos de idade e fazê-las se casar com homens de 50 anos. Nós estamos falando de uma aberração cultural, de algo que não pode ser conivente com a nossa cultura”.
Já no dia 03 de agosto, o refugiado sírio Mohamed Ali foi humilhado por um homem armado com dois pedaços de madeira, enquanto vendia esfihas e doces sírios em Copacabana. Como é possível ver no vídeo ao lado, Ali recolhe, envergonhado, sua mercadoria (jogada no chão antes de as imagens registrarem a agressão) enquanto um homem grita “Saia do meu país! Eu sou brasileiro e estou vendo meu país ser invadido por esses homens-bomba miseráveis que mataram crianças, adolescentes. São miseráveis! Vamos expulsar ele!”…
E, como que para afirmar em definitivo a escalada da islamofobia no Brasil, no último dia 12, não mais uma lei, mas o ódio em si aos muçulmanos foi o mote central de um protesto ocorrido no Rio de Janeiro: Vestidos de preto, evangélicos percorreram a orla de Ipanema entoando em coro que muçulmanos são “assassinos”, “pedófilos” e “terroristas”, e que o Alcorão é “guia de estupro e assassinato”.
Apesar deste cenário, o Estado e as instituições responsáveis pela tutela das liberdades individuais ainda se mostram omissos quanto ao tema. As instituições islâmicas, igualmente, não se manifestam de forma assertiva quando incidentes de islamofobia são reportados, preferindo tratá-los como meramente episódicos e preservar o mito da cordialidade brasileira.
Assim é que, mais de dois anos depois, repetimos o questionamento de uma das muçulmanas brasileiras agredidas na onda de ataques islamofóbicos de janeiro de 2015: “Será que uma muçulmana brasileira precisa morrer para entenderem que existe islamofobia no Brasil?”
Fontes:
“Discurso do Ódio e Islamofobia: quando a liberdade de expressão gera opressão”. Monografia de Conclusão de Curso. Universidade Federal da Bahia, 2017. Disponível no repositório institucional da universidade.