No 247, por Tereza Cruvinel – A passagem do primeiro aniversário do impeachment da presidente eleita Dilma Rousseff tem uma serventia: ela atesta de forma inequívoca que o programa do golpe fracassou em todas as frentes e castigou todos os seus articuladores com o cipó de aroeira da rejeição e do descrédito.
O fracasso e o castigo deles, entretanto, não suprime os efeitos devastadores do golpe sobre a ordem democrática, econômica e social que o Brasil vinha construindo desde a Constituição de 1988. Nestes 12 meses, o país embarcou numa espiral vertiginosa de retrocessos em todos os campos, e quando os brasileiros se perguntam pela luz no fim do túnel, novos desatinos são perpetrados pelo governo e seu bloco político-partidário, descomprometidos com a vontade popular, com a ideia de Nação e com os horizontes do futuro. Haverá Brasil e haverá brasileiros depois que Temer se for mas ele age como se fosse o último monarca.
Nesta passagem dos 12 meses sob seu governo ilegítimo, imoral, entreguista e inepto, o que paira sobre tantos alaridos de vulgaridade é o silêncio dos envergonhados, dos que bateram panelas e soltaram gritos irados nas manifestações pró-impeachment , acreditando (nem todos, pois alguns sabiam exatamente o que faziam) que de uma ruptura democrática poderia sair alguma solução virtuosa. Um ano depois, eles não têm nada a declarar. Alguns tentam até dizer que a culpa é novamente de Dilma e do PT, que escolheram Temer como vice na chapa vitoriosa em 2014. Mas quando pediam impeachment, estavam pedindo Temer, estavam avalizando a agenda da “Ponte para o Futuro”, o programa golpista que virou ponte para o passado, estavam pedindo este estado de exceção dissimulado, que não legitima mas legaliza a supressão de direitos, a entrega das riquezas nacionais e a execução de uma política econômica recessiva, que tira empregos, quebra empresas e engorda bancos.
O fracasso é geral, começando pelo moral. Eles deram o golpe vociferando contra a corrupção e prometendo moralidade: um ano depois, a corrupção mostra todos os seus dentes e revela sua extensão. Eduardo Cunha, o presidente da Câmara que conduziu o impeachment, foi para a cadeia poucos dias depois. As denúncias fulminaram Aécio Neves, outro grande artífice do impeachment, encalacraram dezenas de parlamentares e ministros e fizeram do próprio Temer o primeiro presidente da República denunciado por corrupção. Agora o será também por obstrução da Justiça e participação em organização criminosa. A rejeição de todos eles, como se pode conferir pela pesquisa Ipsos, foi às alturas.
Eles venceram prometendo “colocar a economia nos trilhos”. Em 12 meses, a recessão e o desemprego se agravaram, o consumo despencou, travando qualquer disposição de investimento. Celebram o recuo da inflação, que nas condições recessivas atuais, é sinal de doença, não de saúde da economia. Nesta data em que completa um ano como presidente efetivo, Temer mandará ao Congresso um orçamento faz-de-conta,com um deficit inferior em R$ 30 bilhões ao tamanho real do buraco, que ontem o Congresso não conseguiu aprovar completamente na noite de ontem, a nova meta deficitária de R$ 159 bilhões.
Temer tomou posse falando em “Ordem e Progresso”. Em outubro, aprovou o congelamento do gasto público por 20 anos. Anunciou a reforma trabalhista, que conseguiu aprovar, liquidando com a CLT, e a previdenciária, que o Congresso perdeu qualquer condição para aprovar, depois das denúncias da JBS. A ordem que mantém a população receosa em casa decorre do desprezo e do medo de que tudo fique ainda pior. E em vez de progresso, retrocessos em todas as frentes: nas políticas sociais, na saúde, na educação, na proteção ao meio ambiente, aos índios, aos direitos humanos, aos direitos da mulher. No plano internacional, o Brasil tornou-se irrelevante, perdeu toda a influência conquista com a política externa altiva e ativa de Lula-Celso Amorim.
Fracassada a promessa da reforma previdenciária, outra agenda foi oferecida ao mercado, a das privatizações no atacado, que juntam uma Eletrobrás com uma entrega das ricas jazidas da Renca às transnacionais, passando por portos, aeroportos, estradas, poços de petróleo, Casa da Moeda etc.etc.
O que eles podem celebrar nesta data? Estando fora do país, Temer poupou-se de fazer qualquer pronunciamento a respeito. Se fizesse, não haveria panelaço, mas este silêncio pesado, o silêncio dos envergonhados e os dos que resolveram esperar parados pelas eleições de 2018, que também não são tão certas.