No 247, por Robson Sávio Reis Souza – Mais uma vez, o discurso da cruzada anticorrupção toma conta do debate nacional. Como escreveu o ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão, um discurso que é motivado pela “persecução criminal (que) se converteu numa arma de destruição em massa, na ilusão de erradicar a corrupção, como se esta conseguisse ser vencida com o estímulo ao capital ocioso. Mas a mensagem criminalizadora cola, de tanto que é repetida em redes sociais, na televisão, nas rádios e nos periódicos.”
Em artigo anterior, demonstrávamos que o capitalismo no seu formato de rentismo, na atualidade, funciona graças à corrupção generalizada: nada menos de 25% do PIB mundial são remetidos a paraísos fiscais por grandes empresas e instituições financeiras. Estima-se que a cada ano 18 trilhões de dólares seguem o caminho da sonegação de impostos. No Brasil, a estimativa de evasão fiscal entre 2003 e 2012 foi de 220 bilhões de dólares.
Os conglomerados financeiros, via corrupção, controlam os governos, a economia, as políticas e as agências multilaterais. Vejamos novamente o Brasil: o atual ministro da Fazenda veio do Banco de Boston e o atual presidente do Banco Central é cria do Banco Itaú. Aliás, Henrique Meireles também trabalhou na JBS. Ademais, CEO’s de bancos estão em outros cargos estratégicos dos governos. Henry Paulson, secretário do Tesouro dos EUA, por exemplo, à época da crise de 2008 era executivo do Goldman Sachs. Ele conseguiu que o rombo provocado pela crise gerada pelo mercado imobiliário fosse transferido para os governos. Ou seja, fosse paga com dinheiro dos impostos dos contribuintes. Sob Trump, essa relação promíscua entre público e privado no governo norte-americano é ainda mais explícita.
O mundo está se afogando em fraudes corporativas. Há uma hipótese segundo a qual os governos dos países pobres, provavelmente, aceitam mais subornos e cometem mais crimes. Mas, é nos países ricos – que sediam as empresas multinacionais – que as infrações de maiores proporções acontecem. Afinal, o dinheiro move montanhas e corrompe políticos em todo o mundo.
Polido com o verniz neoliberal, o discurso anticorrupção é feito sob medida para o contentamento de moralistas sem moral. Ao mesmo tempo em que ataca exclusivamente a ineficiência do Estado, tal discurso enfatiza o mau caratismo individual. O corrupto indignado é aquele que sempre está a apontar o dedo para o outro; nunca para si ou para os seus.
Propositadamente, tal discurso envernizado desconsidera inúmeros fatores estruturais, históricos, políticos e culturais.
Aqueles que possuem um sobrenome tradicional; os filhos das “boas famílias brasileiras”; parte da classe média moralista e privilegiada; os homens e mulheres de ben$ – que têm maior poder de vocalização e sempre podem pagar mais – são os arautos desses discursos: se postam como os corretos, os defensores da moral e da ética.
Geralmente, esses falastrões anticorrupção apresentam soluções imediatistas, simplistas, demagógicas e perigosas, inclusive propondo justiceiros para salvarem a pátria corrompida.
O ilibado cidadão que grita nas redes sociais impropérios contra contraventores de colarinho-branco costuma ser um especialista em práticas corruptas, inclusive defendendo parasitas e desenvoltas máfias que se aliam ao seu discurso moralista.
Prestemos atenção: via de regra, os grupos sociais e as pessoas que mais esbravejam contra a corrupção são os primeiros a serem pegos em práticas corrompidas. Comecemos com os políticos. Não se pode generalizar e criminalizar a política. Mas, é sempre prudente desconfiar de político que esbraveja contra a corrupção. Todos aqueles que a algum tempo atrás se postavam como os bastiões da ética e da moral, nas passeatas domingueiras contra Dilma, foram pegos em práticas ilícitas.
Vejamos alguns segmentos da classe média. É comum profissionais liberais que adoram se postar como guardiões da moral e da ética serem aqueles que, por exemplo, não gostam de emitir notas fiscais quando prestam serviços. Além de sonegar impostos, fazem de tudo para não comprovar os seus rendimentos. Outros têm meia dúzia de empregos não cumprido horário em nenhum ou utilizando de todos os expedientes para conseguirem vantagens e privilégios através de seus títulos ou relações pessoais. É muita hipocrisia!
Alguns movimentos sociais que esbravejam contra a corrupção estão caladinhos, porque foram responsáveis pela consolidação do governo mais corrupto de toda a história deste país. A corrupção para eles é só aquela dos outros; entre eles e seus amigos tudo é possível e tolerado. Beira o ridículo seus discursos odiosos e pueris nas redes sociais. Muitos estão a aplaudir filmes como esse pastelão, intitulado “a lei é para todos”, a maior piada do ano no Brasil. Soube que concorrerá ao Oscar. Se for na categoria comédia tem grande chance de levar a estatueta.
Em relação à mídia brasileira: não há nada mais corrupto que a produção da notícia no Brasil contemporâneo. O jornalismo deixou de ser a interpretação responsável dos fatos para se tornar a maior máquina de produção articulada de fake news por empresas que não têm o mínimo compromisso com a democracia. Um jornalismo de guerra, não só adesista (como na ditadura), mas claramente disposto a omitir, escamotear e falsear fatos no intuito de defender os golpistas.
Observamos que muitos promotores e juízes querem se colocar como os detentores da ética pública. Ao invés de se pronunciarem com serenidade nos autos, preferem berrar para mídia, buscando angariar parte da opinião pública entorpecida, para justificar seus justiciamentos. Muitos deles estão envolvidos com práticas corruptas, sendo a primeira delas o fato de não respeitarem o devido processo legal, nem as leis e nem a Constituição.
O discurso anticorrupção também é pródigo em eleger “bodes expiatórios”. Seus autores apreciam queimar um “eleito” na fogueira inquisitorial e midiática, enquanto os corruptos fazem a festa da impunidade ou da justiça seletiva. No caso brasileiro, as elites não gostam de queimar bodes. Preferem um certo sapo barbudo que muito as contrariam.
A corrupção existe em todos os países. E o sistema capitalista na sua forma especulativa e rentista é o maior produtor de corrupção sistêmica. Afinal, paraísos fiscais, sonegação e evasão de divisas é o que sustenta esse modelo de capitalismo na sua atual fase.
Pensemos na corrupção que campeia nos Estados Unidos, por exemplo. Um país que não é movido pelos interesses dos seus cidadãos, mas pelo negócio das indústrias bélica, petrolífera e farmacêutica que dominam a política estadunidense. Através de todo tipo de corrupção, essas corporações impõem uma política internacional estadunidense baseada em ações de intervencionismo, promoção de golpes e de guerras para garantir o lucro, sem controle, dos conglomerados financeiros e econômicos.
Outra forma de comprovar que a corrupção é a mola-mestra do capitalismo: basta observar que cada vez mais a concentração de riqueza e renda está nas mãos de pouquíssimos oligopólios (empresas, bancos e fundos de investimento) que não geram desenvolvimento ou bem-estar social. Ao contrário, geram todo o tipo de desgraça para a humanidade: fome, desigualdade, miséria, guerra, violência. “Uma economia que mata”, nos dizeres do Papa Francisco.
Não é possível acabar com a corrução. Mas, os mecanismos de enfrentamento dessa praga no espaço público são muito bem conhecidos. São órgãos de controle que atuam com autonomia e possibilitam maior transparência e monitoramento do erário. Não é preciso de juiz justiceiro para inglês ver, nem de classe média moralista sem moral, nem de instituições que se colocam acima do estado de direito e do bem e do mal.
Além dos mecanismos de controle público, a melhor arma de controle da corrupção é um sistema de justiça isento e isonômico; que atua dentro da lei e da Constituição. Não uma justiça que se transforma num estado paralelo para agir corporativamente e proteger apaniguados.
Os países que conseguiram implementar mecanismos de controle, transparência e accountability,associados a um sistema de Justiça democrático e republicano conseguiram controlar a corrupção que envolve agentes do Estado e mitigaram a corrupção no espaço privado.
Todos os demais países que não criaram ou não fortaleceram tais mecanismos e nem reformaram os seus sistemas de justiça transformaram o discurso da corrupção numa luta de poder na qual os mais corruptos são aqueles que mais se beneficiam do discurso anticorrupção. E é exatamente isso que observamos no Brasil atualmente.