Maior atentado na história do país vem no contexto de vácuo governamental e ascensão de grupo terrorista
Tiago Angelo
Opera Mundi
O recente ataque na capital da Somália, que aconteceu neste último sábado (14), não é um fato isolado na região. O país se encontra em uma guerra civil há mais de 20 anos, desde a queda do ditador Mohammed Siad Barre, em 1991, e está em situação de caos político com o conflito entre o grupo terrorista Al Shabaad e o governo transitório.
Ao menos 315 pessoas morreram no atentado – que já é considerado o maior na história da Somália –, quantidade que ainda deve aumentar, já que o número de feridos ultrapassa os 500. Opera Mundi preparou seis perguntas e respostas para mostrar que o atentado mais recente é a ponta de um conflito que destrói o país há mais de duas décadas. Leia:
1. O que aconteceu na Somália?
Dois ataques com caminhão bomba deixaram 315 pessoas mortas, segundo o último balanço. O número ainda deve aumentar, uma vez que ao menos 500 pessoas estão feridas.
Um dos ataques ocorreu em frente ao hotel Safari, que fica próximo do ministério do governo somali, em uma região movimentada da capital. Horas depois, uma segunda explosão ocorreu no bairro de Medina. “Eles apontaram para a área mais populosa de Mogadíscio, matando somente civis”, afirmou o primeiro ministro somali, Hassan Ali Khaire.
2. Qual é a situação da Somália no momento?
O país sofre com uma forte seca, que atinge diretamente 3 milhões de pessoas. A falta de água aumentou o preço do produto, obrigando os somalis a recorrer a fontes contaminadas, aumentando o risco de contrair doenças como cólera e diarreia.
O país também passa por uma instabilidade política que perdura desde 1969, quando o ditador Mohammed Siad Barre assumiu o poder. Desde que Siad foi derrubado, em 1991, prevalece uma guerra civil em solo somali. Com o vácuo deixado após o colapso do governo central, as cortes baseadas na sharia (lei islâmica) se tornaram o principal sistema judicial na Somália, como tentativa de reestabelecer a ordem no país.
O processo de transição tomou o controle de outros setores, como educação e saúde, resultando na criação de uma milícia chamada União dos Tribunais Islâmicos, que passou a funcionar como corte no país.
A instabilidade após a queda de Siad também serviu como terreno para a formação do Al Shabaad, braço militar da União dos Tribunais islâmicos. O grupo entrou em conflito contra o governo provisório, que também disputa terreno no país desde a queda de Siad. Boa parte do território da Somália não é controlado pelo governo central.
3. O que é o Al Shabaad?
Nenhum grupo assumiu a autoria dos ataques deste sábado. No entanto, o governo acusa o Al Shabaad, grupo terrorista responsável pala maior parte dos atentados na região da Somália.
O principal responsável pela ascensão do grupo é Aden Hasi Farah “Ayro”, combatente somali que possuía ligação com os centros de treinamento de Osama Bin Laden e possuía uma estreita relação com o sheikh Hassan Aweys, principal liderança dos Tribunais Islâmicos. Juntos, consolidaram o nascimento do Harakat al Shabad al Mujahideen, conhecido como Al Shabaad (que significa “juventude”).
O grupo rapidamente ganhou força na região, tomando parte de um amplo território da Somália. Até 2011, cerca de 1/3 do país esteve sob controle dos radicais, incluindo a capital, Mogadíscio.
No mesmo ano, foi criada a Missão da União Africana para Somália (Amisom), que tinha como principal missão combater a insurgência islâmica. Entre 2011 e 2012, a Amisom conseguiu retomar a capital e o porto de Kismayo.
Mesmo com sua influência enfraquecida, o Al Shabaad continuou com o controle de uma ampla área na região rural da Somália, em especial no sul do país, onde faz fronteira com o Quênia, que mantinha distância do vizinho até o grupo atacar Nairóbi, deixando 30 mortos e servindo para que o país passasse a integrar o Amisom, exercendo papel fundamental na retomada do território somali.
Por conta de seu enfraquecimento, o Al Shabaad se vinculou com a Al-Qaeda em 2012, ganhando força novamente. O grupo passou a planejar ataques na Somália e no Quênia, como tentativa de reaver parte do território perdido e como represália à participação queniana na Amisom.
4. Qual foi a resposta do governo?
O presidente da Somália, Mohamed Abdullahi Mohamed, decretou três dias de luto no país. “Eles apontaram para a área mais populosa de Mogadíscio, matando somente civis”, afirmou o primeiro ministro somali, Hassan Ali Khaire. Vale lembrar que o governo da Somália não possui muita força, frente à guerra civil que já dura mais de 20 anos no país.
5. Como a comunidade somali reagiu?
Os somalis reagiram ao ataque em manifestações e com mutirões de doação de sangue para auxiliar as vítimas. É grande o número de corpos que ainda não foram identificados no país, o que fez com que a população se unisse também para pedir mais rapidez na identificação dos corpos de seus parentes desaparecidos.
6. Qual foi a resposta da comunidade internacional frente ao ataque em Mogadíscio?
O secretário geral das Nações Unidas, António Guterres, se pronunciou no domingo (15/10) condenando o ataque na Somália. Em comunicado de seu porta-voz, Guterres pediu “a todos os somalis que se unam à luta contra o terrorismo e o extremismo violento e trabalhem lado a lado na construção de um Estado funcional e inclusivo”.
Os Estados Unidos também emitiram pronunciamento, afirmando que o atentado foi “covarde”. A porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Heather Nauer, afirmou que “os EUA condenam nos termos mais enérgicos os ataques terroristas que mataram e feriram centenas de pessoas em Mogadíscio”. Os EUA já tem presença no país, tendo matado o lider do grupo, Ali Jabal, em um bombardeio que ocorreu em junho deste ano.
Quênia, Turquia e Estados Unidos enviaram contingente médico para auxiliar as vítimas. Ancara também recebeu feridos no ataque, já que o número de pessoas hospitalizadas na região é muito grande.
Edição: Opera Mundi