“O inferno é uma vida eterna com absoluta ausência de Deus”, entende o pastor / Foto.: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)
Porto Velho, RO – As análises, ideias e autocríticas são fortíssimas, mas externadas por uma voz calma, cheia de paciência. Uma personalidade dissidente em relação aos temperamentos histriônicos observados em algumas autoridades expoentes inseridas em quaisquer religiões.
Exsurge, a partir daí, o homem de fé que, ao reconhecer seu papel de liderança dentro da Igreja Evangélica, faz questão de estabelecer diferenciação entre os conceitos de certo e errado, pecado e não pecado.
Assim é o pastor Aluízio Vidal (REDE) que, há muito, já vociferava a necessidade urgente em promover separação entre o Estado e as religiões, respeitando a laicidade na esfera pública.
Político em franca ascensão, trocou recentemente de partido; embora jamais tenha ocupado cargo eletivo, o número de votos cada vez maior pleito após pleito o credencia à condição de adversário perigosíssimo diante de seus oponentes. O sucesso obtido após batalhas eleitorais travadas sem alianças e com pouquíssimo dinheiro chancelam os paralelos entre Vidal e Davi; seus rivais e Golias.
Nesta entrevista, o teólogo fala abertamente sobre as Igrejas Evangélica e Católica; expõe o conceito de inferno; conta como funciona o “estelionato da fé” e o que deve ser feito contra seus perpetradores.
E ainda:
Possível candidatura em 2018; debandada do PSOL; a questão da homossexualidade e a (falta de) aceitação social; a banalização da depressão e o suicídio.
Além disso, o psicólogo relata impressões sobre o celibato, aborda a pedofilia dentro da Igreja Católica e revela até que ponto lideranças religiosas podem influenciar os rumos da política brasileira.
Texto.: Vinicius Canova
Fotos.: Gregory Rodriguez
Perfil e trajetória
O teólogo, psicólogo e político Aluízio Vidal Flor nasceu no dia 20 de maio de 1968 em Dourados, Mato Grosso do Sul. Aos 49 anos, é casado, tem duas filhas e está prestes a ser avô. A formação em teologia foi obtida no Seminário Presbiteriano do Sul (SPS), em Campinas, São Paulo; em Psicologia, na Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Concorreu ao Senado Federal em 2010 pelo PSOL, obtendo 43.852 votos; em 2012, pela mesma sigla, disputou a Prefeitura de Porto Velho, alcançando a marca de 12.330 votos e, por último, em 2014, tentou mais uma vez ser senador da República, batendo a marca dos 77.865 votos. Não ocupou qualquer cargo eletivo até o momento. Atualmente é filiado à REDE Sustentabilidade.
Rondônia Dinâmica – Pastor, obrigado por aceitar nosso convite, é uma honra reencontrá-lo. Para começar, o senhor poderia nos descrever sucintamente sua biografia até aqui?
Aluízio Vidal – Quero agradecer o privilégio de te reencontrar [refere-se ao entrevistador], né, como pessoa e ao mesmo tempo a gente poder conversar aqui. Sou de uma família de retirantes nordestinos que foram para o Mato Grosso do Sul na década de 50, final da década de 50. Eu nasci já ao final da década de 60, em 68, e a partir dos sete anos passei a ir à Igreja Presbiteriana. Minha família não, eles não eram da Igreja; na verdade, eram católicos não praticantes.
RD – Esse interesse pela religião já veio atrelado à curiosidade política?
AV – Sim. Eu fui para a Igreja Presbiteriana e desde muito novo também tive envolvimento com lideranças de sala, lideranças de centros cívicos e ainda, antes do Ensino Médio, tinha acesso a literaturas políticas, então participava de questões políticas regionais ainda como garoto, participando de discussões e coisas parecidas.
RD – E efetivamente na política, quando se lançou?
AV – Logo depois me envolvi com movimentos católicos quanto à política, apesar de ser presbiteriano. Estávamos naquele período bem ao final da ditadura e repensando o jeito de ser e fazer política. No Ensino Médio, fui para um colégio agrícola onde estudei técnica agropecuária. Lá, me envolvi com as duas coisas mais intensamente: com a religião, e com a questão política, neste último caso referente a políticas estudantis.
RD – E a política partidária?
AV – Mesmo assim, naquele ambiente estudantil, já dava os primeiros passos em relação à política partidária em si, apesar de não me filiar. Ao sair do colégio agrícola, em 86, no ano seguinte, 87, fui para o seminário em Campinas e lá também me envolvi cada vez mais com as duas questões que mencionei anteriormente: religião e política.
RD – E teologicamente, qual rumo o senhor escolheu?
AV – Na teologia havia no começo, por causa do meu contato com a Igreja Católica, uma ligação ecumênica que sempre me caracterizou, pois acabava tendo muito contato com literatura referente à Teologia da Libertação. No seminário, já tive contato com uma coisa que nós chamamos no meio evangélico de Teologia da Missão Integral, que é um olhar da teologia sobre o todo do ser humano e da sociedade. Então a Teologia da Missão integral não se preocupa apenas com a espiritualidade como alguma coisa religiosa, mas com ela de maneira integral.
RD – O que o trouxe, então, a Porto Velho?
AV – Fiquei no seminário durante os quatro anos da faculdade e, logo após, me desloquei para Porto Velho a fim de assumir aqui a primeira comunidade, que conheci em outubro de 1990; e cheguei à Capital rondoniense em fevereiro de 1991. Assumi a direção, que estava sendo organizada naquele momento e acabei sendo o primeiro pastor. Foi a primeira comunidade que eu pastoreei.
RD – O senhor veio para ficar de vez?
AV – Eu vim para ficar dois anos, de 91 a 92. Mas depois que cheguei aqui, logo em 92, iniciei o curso de Psicologia na UNIR e fui ficando porque me identifiquei com a comunidade presbiteriana aqui. Minhas filhas foram crescendo por aqui e eu fui muito bem cuidado tanto pela comunidade quanto pela cidade em si. A cidade tem muito carinho por mim. Aqui já cometi erros, tive problemas, mas fui cuidado, bem tratado e minha família também.
RD – Havia temor em ser candidato e misturar fé com política partidária?
AV – Sempre tive ligação com questões sociais, mas nunca quis assumir questões partidárias. Isso porque eu imaginava que, no caso da política partidária, poderia acabar atrapalhando minha prática religiosa. Por isso fiquei um tempo sem participação nessa área, mas, em 2005, aí já tinha as dores porque achava que o PT havia tomado outro rumo daquilo que se discutia antes.
RD – Isso fez com que o senhor lançasse o nome à apreciação popular?
AV – Contribuiu. Foi logo quando surgiu o PSOL com a Heloísa Helena, uma liderança para mim. E aí fui para o PSOL, fiquei algum tempo, disputei algumas eleições, até que saí de lá e fui para a REDE, onde estou agora.
RD – E os aspectos familiares?
AV – Hoje vivo aqui em Porto Velho, tenho duas filhas, uma está para ganhar neném, serei avô, estou muito feliz.
RD – Parabéns…
AV – Então… Me envolvi em muitas situações da cidade e sou muito feliz por viver aqui, graças a Deus.
RD – Em 2012, pelo PSOL, o senhor fez 12.330 votos quando candidato à Prefeitura de Porto Velho, deixando para trás nomes e partidos fortes, como o próprio PMDB, que concorreu com o Dr. José Augusto, e também Mário Sérgio, do PMN. Como foi essa experiência? O senhor se surpreendeu?
AV – Fiquei surpreso sim, com certeza. Senti surpresa, em primeiro lugar; em segundo lugar, gratidão. Profunda gratidão à cidade pelo carinho que recebi e ainda recebo de Porto Velho. Ao mesmo tempo me senti muito desafiado por acreditar que existe uma parcela da sociedade que consegue entender uma proposta que esteja fora do que estamos vendo hoje. Nós discutíamos a cada campanha entendendo que há parcela da sociedade que não é manipulável e tem condições de fazer uma leitura crítica das coisas, das propostas. A proposta que fazíamos à época era tentar manter acesa essa chama na sociedade. Por isso fiquei surpreso, grato e ao mesmo tempo me senti responsabilizado em relação às nossas missões quanto à cidade. Porque minha questão é sentir que sou útil à sociedade onde estou. Claro que tenho uma perspectiva teológica por trás disso. Não é uma perspectiva religiosa, porque nunca misturo religião e política. Mas tenho sim uma perspectiva teológica. Eu quero sentir que sou útil à sociedade onde estou. Então, para mim, aqueles doze mil votos, não representavam a minha voz, eram as vozes de doze mil pessoas gritando: “Olha, nós não entramos neste ‘sistemão’ que está aí”, então, foi um privilégio.
RD – Se sentiu realizado?
AV – Sim, com certeza!
RD – Por que nas eleições seguintes abriu mão de um lugar praticamente certo na Assembleia para encampar candidatura ao Senado Federal? O sucesso subiu à cabeça, pastor?
AV – Não, não. Foi uma discussão estratégica dentro do partido. Veja: disputei para o Senado em 2010; naquele ano, disputei contra [os senadores] Ivo Cassol (PP) e [Valdir] Raupp (PMDB), que estão terminando mandato agora. Na época, o pessoal fez uma proposta de candidatura, né? Uma alternativa de candidatura colocada à apreciação dessa outra parcela da sociedade que eu entendo ter condições de fazer a leitura crítica do que está aí.
RD – Mesmo assim é difícil competir sem dinheiro e aliados, não é?
AV – Acho que é muito importante destacar isso. Sempre comparo essa situação com o que ocorre em Alagoas, com todo respeito à profunda distância entre nomes. Quando a Heloísa Helena resolve concorrer contra Fernando Collor e Renan Calheiros e o povo alagoano opta por estes dois nomes, ela diz quem é. Todo Legislativo é reflexo da sociedade. Então assim: para mim, aqui em Rondônia, é a mesma coisa. Respeito, reitero, as devidas proporções. Mas quando a sociedade opta por Valdir Raupp e Ivo Cassol, ela diz sua própria mensagem.
RD – O senhor acredita, então, que não chegaria a ser deputado mesmo com projeções favoráveis?
AV – Então, voltando à questão da disputa ao Senado, eu era de um partido pequeno, como sou de um partido pequeno hoje. Mas estava num partido pequeno à época com propostas boas e uma voz muito bem definida. Se eu disputasse o Legislativo Estadual não teria espaço. Então fui candidato ao Senado em 2010, quando fiquei mais conhecido; em 2012, quando candidato a prefeito aumentei essa projeção e depois voltei a ser candidato em 2014 ao Senado. Na última vez tive, só em Porto Velho, mais de 64 mil votos.
RD – A candidatura majoritária é, então, uma maneira eficaz de suprir as deficiências do jogo eleitoral?
AV – De certa forma, sim! A ideia era e ainda é a mesma. A gente tinha dois problemas: faltava dinheiro e alianças. Concorrer à Assembleia Legislativa (ALE/RO) sem o espaço de mídia que uma candidatura majoritária dá impõe ainda mais dificuldades. Então era melhor fazer mais uma vez uma discussão através de candidatura majoritária, porque se torna mais qualificada à medida que se consegue colocar mais propostas à disposição da sociedade a tentar ser deputado estadual, que é uma situação que a gente pode discutir lá na frente.
RD – Durante a campanha à Prefeitura de Porto Velho, quando o Rondônia Dinâmica o entrevistou, o senhor se manifestou no sentido de entender que o Estado deve se apartar da religião. Ainda enxerga as coisas desta maneira, pastor?
AV – Totalmente. Por dois motivos: primeiro, porque a sociedade não olha as coisas numa perspectiva religiosa. Literalmente, o Estado é laico. E segundo, porque a Igreja precisa ser independente do Estado. Todas as vezes em que, na História da Humanidade, a Igreja se misturou com o Estado, ela saiu perdendo no final. Então tenho profundo respeito pela Igreja, e a Igreja tem papel na sociedade de prestação de serviços, ela serve à sociedade e o cidadão religioso também, como qualquer outro cidadão, tem seu papel. Mas essas esferas devem ser absolutamente respeitadas por amor à própria Igreja e por amor à sociedade.
RD – Mas o senhor concorda que o Estado brasileiro não tem agido como um Estado laico?
AV – Totalmente, concordo. Agora, essa discussão é muito importante. Muito importante dentro de uma perspectiva assim… São duas coisas que a gente precisa avaliar: primeiro, o Estado Laico não é um Estado antirreligioso. Porque se for antirreligioso nega a essência de seu povo. A União Soviética tentou fazer isso e nunca conseguiu; aliás, ela acabou extinta. E quando a União Soviética acabou a religião floresceu de novo, porque é a essência do povo religioso, no Brasil especialmente. A segunda questão é: o cidadão religioso, fora do âmbito religioso, continua pensando com a lógica teológica dele. Não tem jeito… Então isso vai acontecer.
RD – Isso é compreensível na medida em que cada ser humano tende a abstrair e praticar o viés filosófico das células sociais que o cercam: isso pode ser Igreja, maçonaria…
AV – Sindicato…
RD – Sim, sindicato… E até aí tudo bem, são manifestações da vida privada em campos sociais, coletivos. Mas me refiro a expressões institucionais do Estado ligadas à religião, a exemplo da frase “Deus seja louvado” nas notas de Real; salas de aula cheias de adornos cristãos e os próprios Poderes a expor, por exemplo, o crucifixo em seus respectivos plenários. Isso sem contar o preâmbulo da própria Constitucional Federal que estabelece o Estado Laico. Não está na hora de o Estado se despir dessas coisas mesmo que “toque na ferida” da grande maioria?
AV – Acredito que a partir do momento que as discussões sobre o tema estão mais abertas, a tendência é diminuir. Temos uma discussão, inclusive, e aqui em Porto Velho tivemos muito, porque nós evangélicos criticamos durante muito tempo, por exemplo, a Igreja Católica, por impor sobre nós um dia santo, como o dia 12 de outubro, mas nós criamos o Dia do Evangélico, que é uma incoerência absoluta. Então não era pra aumentar mais um dia, era para tirar os outros.
RD – O que o senhor acha desse número estrambólico de feriados religiosos?
AV – Um desrespeito com a sociedade. Por exemplo, o Dia do Evangélico cabe? Para mim caberia da seguinte maneira: o terceiro domingo de junho será Dia do Evangélico. Pronto, resolvido. Haveria uma homenagem do mesmo jeito, os evangélicos poderiam ir às praças para se manifestar, comemorar. Agora, impor isso ao não evangélico é tão desrespeitoso quanto qualquer outro feriado religioso.
RD – Por que, afinal de contas, o senhor trocou o PSOL pela REDE?
AV – Porque nós tivemos um problema local, nas lideranças locais. Para conseguir essa disputa ao Senado, na última vez, foi quase uma humilhação em algumas instâncias. Então a gente teve uma situação interna muito ruim, foi desagradável e eu achei que não precisaria daquele tipo de embate. Eu nunca criei qualquer problema para o PSOL, pelo contrário, acho que criei até mais solução do que problema, mas em dado momento tivemos situações internas que tornaram impossível a continuação.
RD – O senhor criou inimigo no PSOL?
AV – Não sei se inimigos, porque não considero ninguém inimigo. Mas criamos adversários, tínhamos adversários internos que tinham olhares diferentes. Mas não tenho inimigos…
RD – Será que parte disso não vem do fato de o senhor ter ascendido politicamente falando?
AV – É… Talvez. Talvez seja possível isso, né? Os partidos políticos são espaços também de egos, como a Universidade e às vezes alguns espaços profissionais. Então isso foi uma coisa desagradável que ocorreu.
RD – Em 2016, quando o senhor retirou a pré-candidatura à Prefeitura de Porto Velho, relatou que o fazia com “muita dor no coração”. O que causou essa dor, o que ocorreu?
AV – Eu acho importante que a gente esclareça isso aqui porque na época ocorreram muitos burburinhos. A política é interessante, né? As pessoas fazem muitas conjecturas. Eu sempre falo assim, olha: “Eu não quero o apoio institucional da Igreja em que trabalho”. Nunca toquei nesse assunto dentro da Igreja local. Mas eu quero, sim, o apoio moral, no sentido de a própria comunidade entender que está prestando um serviço à sociedade. Para mim isso é muito importante dentro do que ensino como teologia. Mas a nossa liderança maior dentro da Igreja apoiou minha candidatura; porém, outra liderança, por sua vez, solicitou através de um documento muito carinhoso que eu não fosse candidato na última eleição.
RD – Por quê?
AV – Porque eles achavam que estávamos num momento muito polarizado na política e que eu poderia ganhar a eleição. Eles também estavam com certo medo de perder o pastor. Mas se manifestaram dessa maneira principalmente por conta da polarização imaginando quea gente poderia ser engolido no processo, criar problemas para a comunidade e tal. E como era um assunto que imaginei estar tranquilo dentro da comunidade, não discuti a tempo a questão, então resolvi ficar com a comunidade, pois é a ela que devo todo meu respeito. Por conta disso, resolvi agir como agi criando um problema para a REDE Sustentabilidade.
RD – Causou constrangimento dentro do partido?
AV – Sim, eu tenho muita vergonha disso. Por conta de tudo o que eu fiz na política com apoio deles. Eu criei um problema para a REDE e até hoje me constranjo com os membros do partido.
RD – O problema foi retirar a pré-candidatura sem consultar o partido?
AV – É… Retirar depois que já havíamos tomado a decisão lá dentro no sentido de que teríamos candidatura à Prefeitura de Porto Velho. Então, para chegar a essa candidatura, há uma disputa interna também. Depois, na última hora, eu tive que desistir e não foi uma coisa legal.
RD – O senhor foi punido por isso?
AV – Oficialmente não. Mas eu me puni muito frente aos companheiros lá tanto é que tenho muito constrangimento quanto a isso, né? Acho que a causa foi justa para mim. Eu olho com profundo respeito à comunidade, mas fiquei constrangido com o partido.
RD – Foi por isso que o senhor se recolheu e deixou de aparecer na mídia deixando de lado inclusive publicações sobre política?
AV – É… É. Eu fiquei num determinado momento e ainda estou em um processo de discussão. Mas houve momentos em que pensava realmente em sair da vida política. Era uma possibilidade.
RD – Já que tocou no assunto polarização e relembrei que em nossa última conversa o senhor dizia defender bandeiras de esquerda, mas ressaltava não sofrer de “esquerdite”, questiono: será que é sadio para o Brasil viver de posicionamentos binários em relação à política?
AV – A gente é muito maniqueísta, né? O mundo é muito maniqueísta… É o bem e o mal. Eu sou do bem e, quem não pensa como eu, é do mal. Isso está acabando com o País. A gente há de convir que isso está acabando com o País… Uma coisa é a gente ter posições que nos identifique mais com uma bandeira do que com outra. Outra coisa é imaginar que minha posição, e só a minha posição e a de quem está ao meu lado, é a correta. Isso é horrível, está destruindo o Brasil. Agora nós ficamos numa situação tão ruim que é assim: se eu falar de reforma agrária, então sou comunista, de esquerda, identificado com tudo que é ruim na esquerda; se falar de Estado mínimo, mais responsável, sou direitista, preciso ser negado pelos esquerdistas e assim por diante. Isso é ruim. Neste aspecto, acho que a REDE me propicia um ambiente melhor. O nome não é REDE Sustentabilidade por acaso, é porque quer funcionar em rede: quer elementos diferentes do Estado num mesmo espaço para tentar pegar o que tem de bom em diferentes pensamentos e construir um consenso, ou ao menos o melhor possível. Na REDE, por exemplo, temos a Heloísa Helena com posições radicalíssimas, que quando estávamos no PSOL seria inimaginável que viesse a sentar e discutir com uma [Neca] Setubal no mesmo partido. Então a REDE tenta diminuir um pouco essa polarização…
RD – Direto ao assunto: o senhor será candidato ano que vem? Se for, qual cargo pretende disputar?
AV – A REDE Sustentabilidade em Rondônia pretende lançar candidatos a todos os cargos. Quanto a mim, é possível que seja candidato. Obviamente que isso passa por duas esferas. Continua uma discussão comunitária, né? E também dentro do partido, que tem de avaliar a viabilidade da candidatura, o que ele quer em relação ao discurso de propostas e a situação nacional. A situação nacional define muito as candidaturas locais. Mas é possível que eu seja candidato.
RD – Seria, novamente, uma candidatura majoritária?
AV – Prefiro a discussão majoritária, mas não gostaria de ser candidato a governador. A candidatura ao Senado me apetece porque abre condições maiores para o debate. Mas é uma discussão nacional. Nós temos duas discussões importantes antes de determinar tudo isso.
RD – Quais são?
AV – Uma é sobre cláusula de barreira, que precisa de candidatos a deputados federais; a outra, é que precisamos de palanque, aliás, de tribuna. Alguns jornalistas e outras pessoas falam que se eu fosse vereador agora, por exemplo, teria uma tribuna. A falta de tribuna também é ruim para o partido. Agora veja: se você não tiver dinheiro e não tiver aliança, é melhor disputar uma candidatura majoritária mesmo.
RD – Então o País troca os pés pelas mãos ao votar reformas institucionais antes de discutir profundamente necessária e urgente reforma política? Afinal de contas, sabemos, não existe disputa em pé de igualdade.
AV – Sim, sim… E nisso de novo a REDE protagoniza processo interessante: uma das propostas estatutárias do partido é a candidatura de gente que não é filiada à sigla e que em época de campanha possa participar. Tem uma cota, inclusive, para isso. Mas acho que é sempre assim: o sistema eleitoral brasileiro é violento e atrapalha o País. Precisamos fazer essas discussões.
RD – Que tipo de discussão?
AV – A REDE, por exemplo, tem discutido a questão da reeleição entre seus candidatos, mesmo ao Legislativo. Porque nós temos um sistema viciado, viciante, horrível. Na época da candidatura o que vale é a fama que a pessoa tem. Não é nem a fama negativa, é o conhecimento e a quantidade de dinheiro que tem para investir em campanha. Isso tem matado o País, sem dúvida! Nós perdemos muita gente boa que poderia prestar serviços à sociedade porque não tem possibilidade nas eleições. Por exemplo, as eleições que participei eram disputas onde tínhamos mais certeza de ter um espaço para apresentar propostas do que necessariamente ganhar o pleito. E a gente sabia disso…
RD – Pastor, como é ser um homem liberal num meio majoritariamente conservador, que é a Igreja Evangélica?
AV – Engraçado… A gente discute isso sempre. As pessoas têm isso, né? Não sei se chego a ser uma pessoa liberal. Sou uma pessoa que respeita um pouco mais a opinião do outro. Isso é diferente, sabe? Convivo com muitas denominações religiosas, por exemplo. Terça-feira eu vou falar para um grupo adventista; no outro domingo com um grupo luterano; final de semana passado estava com um grupo católico e assim é a prática religiosa. Então aprendi a respeitar o direito do outro pensar diferente. Talvez não seja liberal.
RD – Como se denominaria, então?
AV – Talvez eu seja uma pessoa acessível a outras.
RD – O enxergamos como liberal por conta de seus posicionamentos, declarações públicas, enfim…
AV – É que o liberal tem dois sentidos: economicamente tem um sentido, e teologicamente outro. O teólogo liberal é uma pessoa que não tem algumas crenças sobrenaturais, mesmo sendo religiosa. Então não chego a ser liberal, não. Sou um cara muito aberto ao outro. Acho que o outro pode pensar do jeito que quiser e eu sentarei para conversar com ele de forma muito tranquila e em paz.
RD – O convívio pacífico com outras crenças faz parte de sua vida, mesmo as contrárias às suas posições de fé?
AV – Lógico! Eu estava uma vez, por exemplo, no Mercado Cultural assistindo a apresentação teatral de uma história do Candomblé. Eu estava lá assistindo a história do Candomblé e acho que não há problema algum nisso. Aí algumas pessoas vieram até mim depois e disseram: “Poxa, que legal!”. Eu acho isso uma coisa comum. Só o que eu quero é que as pessoas respeitem meu jeito de pensar.
RD – E economicamente falando, o senhor é liberal?
AV – Não chego a ser liberal. Não acredito no Estado como mãe de todo mundo, né? Mas não creio que numa cultura como a brasileira a gente tenha condições de conceber o mercado capaz de dirigir o mundo. Aí as pessoas querem comparar o Brasil com os Estados Unidos.
RD – Que tipo de comparação?
AV – A cultura americana é uma; a brasileira, outra. E assim mesmo a americana está lá pedindo pelo amor de Deus em relação a algumas coisas. A cultura europeia idem. Acredito que o Estado precisa proteger sim os menos favorecidos e ter presença maior. Só não acredito que ele tenha de ser único. Tento imaginar que existam virtudes em ambas as posições.
RD – O senhor escreveu recentemente artigo sobre o suicídio, que circulou bastante no Estado de Rondônia através da mídia. Há pouco, começaram a surgir histórias de jovens suicidas relacionadas ao jogo Baleia Azul e a discussão sobre o tema veio à tona, mais uma vez. Pergunto: precisamos falar de suicídio, pastor?
AV – As doenças psíquicas de modo geral são muito importantes e pouco conhecidas pela sociedade ainda. Existe um tabu muito grande. Toda vez que alguém tem alguma dificuldade psíquica é tratado como se fosse louco. Muita gente entende que a pessoa que é atendida por um psiquiatra já está no campo na loucura. Como se o campo da loucura fosse algo, também, exagerado… Mas o suicídio é algo complexo. Minha preocupação naquele momento era porque havia lidado com o suicídio de uma pessoa conhecida, muito importante na cidade. Quando isso acontece pipocam outros suicídios regionalmente, como acabou acontecendo aqui. Então era esta a minha preocupação ao escrever naquela época. E acho uma pena que o poder público ainda trate disso com certa indiferença sem tratamento preventivo. Hoje os CAPs [Centros de Atenção Psicossocial] tem papel muito importante na cidade. Mas ainda existe muita desinformação e o suicídio na juventude é algo violento e tende a crescer no mundo.
RD – Quais são os riscos de tratar depressão como frescura?
AV – Pois é… Ainda é uma característica da sociedade tratar a depressão como frescura e não como doença. Os religiosos, às vezes, tentam tratar isso como algo espiritual quando deveríamos entender que a família tem papel muito importante no tratamento dessa doença. É uma doença que nós chamamos de psicoquímica. Por isso a família precisa tratar dessa enfermidade, pois é parte importante do tratamento. O Estado precisa dar mais atenção à depressão, que é uma doença, precisa ser encarada como tal e a sociedade precisa encarar isso. E agora temos de ter mais cuidado do que nunca!
RD – Por quê?
AV – Porque a Internet tornou-se uma ameaça.
RD – Em decorrência da informação que corre de maneira mais desordenada e rápida ou os pais que andam mais desatentos?
AV – Os pais ficam mais desatentos por causa de um mundo que existe hoje. Um mundo consumista, que exige pais que trabalhem cada vez mais. Um mundo em que o acesso à tecnologia é cada vez maior. A Internet é um mundo que absorve as pessoas e junta essas duas coisas: a desatenção dos pais e o acesso muito aberto e inevitável do jovem, do adolescente, da criança a tudo o que existe na Internet. Então são duas coisas perigosíssimas.
RD – Quando o senhor foi candidato ao Senado, em 2014, concedeu entrevista ao programa Tempo Real, da SICtv, falando que o professor tem de voltar a ser tratado como autoridade. Estamos muito distantes disso: professor é mal tratado, só é valorizado em discurso e conversas informais com qualquer docente podem comprovar isso. Como o senhor enxerga essa questão dos maus tratos contra o professor e da Educação como um todo, é possível resolvê-las?
AV – Então, Vinicius, dentro dos motivos pelos quais tenho muita vontade de ser senador há duas coisas que se destacam entre tantas outras. Uma delas é tentar diminuir esse lugar que o político acredita ter em sociedade. O político se coloca no patamar que é de senhor, quando deveria exercer o papel de servo. Na mesma proporção, a intenção é lutar para colocar o professor no patamar de mestre.
RD – O que essa medida significaria para a sociedade?
AV – Para mim, é uma forma de olhar a Educação de maneira inversa: o professor precisa ocupar papel diferente em sociedade e antes de leis que obriguem a determinadas coisas é preciso que a gente trate simbolicamente o professor. Qual é o símbolo do professor na sociedade? Então algumas ações podem e devem ser feitas para que possamos modificar isso. A melhoria salarial do professor, por exemplo, é outra luta óbvia. Mas a sociedade local precisa olhá-lo de maneira diferente. Por exemplo, a gente cria o Dia do Evangélico e esquece o Dia do Professor. Pra mim isso é uma incoerência! Deveríamos todos nós evangélicos nos reunir e chegar à conclusão: “Vamos valorizar o Dia do Professor!”.
RD – A partir disso, seria possível desencadear uma evolução no País, finalmente?
AV – Qualquer país que tenha mudado sua estrutura, e todos nós sabemos disso, a exemplo da Coréia, Alemanha, Singapura, o professor é olhado de maneira diferente, a Educação é olhada de maneira diferente. Então assim, não temos visto nem legisladores, com raríssimas exceções como [o senador da República] Cristóvão Buarque (PPS-DF), tratando do assunto. Assim como não observamos executivos tratando a Educação de forma diferenciada. Ou o País olha a Educação de maneira muito diferenciada, acima de todas as coisas, ou continuaremos estagnados do jeito que está.
RD – O próprio Estado não trata com descaso o professor? Aqui em Rondônia alguns docentes são utilizados como “estepe”. O profissional é formado, por exemplo, em Língua Portuguesa e é obrigado a lecionar História, Estudos Sociais ou até disciplinas voltadas à área de exatas. Seria o mesmo que pedir ao arquiteto que edifique o próprio projeto em vez do engenheiro. Isso não é, no mínimo, falta de respeito com o ser humano?
AV – Totalmente, totalmente… O Estado, na sua forma de colocar o professor na escola, com as condições de trabalho que tem, demonstra descaso em relação ao profissional. Sem contar outro grande problema que temos: estamos diante de uma geração que não aprendeu a respeitar autoridade. Se não tem isso em família, também não tem na escola. Então o professor é desrespeitado, como você disse, por praticamente todo mundo, mas o próprio Estado quando coloca os professores nessas condições significa que é assim que o enxerga de verdade se distanciado nos discursos das propagandas institucionais.
RD – O que o senhor entende por “estelionato da fé”?
AV – As pessoas se utilizarem do elemento fé para se autopromover, promover sua instituição ou assumir posições messiânicas. A religião tem poder de libertação tão grande quanto de prisão. Religião pode ajudar as pessoas a libertarem-se e ocupar papel útil na sociedade, mas também de manipulação, de opressão muito grande. Então o estelionato da fé é, para mim, quando as pessoas utilizam de sua função para prosperar oprimindo aquele que tem fé.
RD – E isso existe dentro da Igreja Evangélica?
AV – Isso existe muito dentro de quase todas as religiões. A Igreja Evangélica, e a gente precisa fazer essa leitura, está fazendo 500 anos de reforma agora. Alguns setores da Igreja Evangélica estão se transformando naquilo que a Igreja Católica se transformou na Idade Média, numa comunidade que tem um misticismo manipulador em favor da instituição. Precisamos estabelecer a diferença entre fé e religião. A religião é o espaço onde vivenciamos a nossa fé, mas ela não pode se tornar a nossa fé. Quando a religião se confunde com nossa fé tornar-se algo perigoso. Então religião tem de ser olhada de maneira mais crítica, inclusive por nós religiosos.
RD – Existem grandes e controversos líderes da Igreja Evangélica com extremo respaldo popular. Um deles, muito poderoso e reconhecido mundialmente, foi flagrado ensinando pastores a tirar dinheiro dos fieis; outro, o mais histriônico de todos, chegou a dizer que fiel não pode denunciar pastor mesmo que este tenha sido flagrado roubando por tratar-se de um “ungido de Deus” e outros a chorar em programas televisivos contando as mais extraordinárias histórias a fim de respaldar pedidos de quantias vultosas em dinheiro. Como o senhor enxerga essas posturas?
AV – O movimento evangélico, diferentemente do movimento católico, não tem uma liderança mundial. E esta é uma virtude da Igreja Católica. Enfim, toda religião tem defeitos e virtudes. Quando se fala em Igreja Católica nós estamos falando também do Papa. A Igreja Evangélica é multifacetada. Então a gente não tem essa ligação com todas as ramificações. Mas acredito que a sociedade necessita urgentemente aprender a fazer leitura crítica desses movimentos, assim como precisa olhar o político que já ganhou eleição e não executou o que cumpriu. Do mesmo jeito, os líderes religiosos precisam ser olhados de maneira crítica. A Academia precisa continuar produzindo sobre isso, mas os próprios fieis devem se ater às posturas apresentadas por suas lideranças. Os fies precisam compreender que não precisam mais de intermediários para se relacionar com Deus. Esse processo acabou junto com a reforma protestante. Todo líder só tem sentido se apontar para aquilo a que Cristo se propôs. Então, para mim, é preciso que a gente olhe e questione sobre em quais aspectos aquela determinada liderança se parece com Cristo. No que ela se propõe a ser como Cristo, já que somos cristãos. O problema de religião, Vinicius, é que quem mais “apanha”, mais cresce. Porque a sociedade tem essa coisa messiânica. Essas lideranças se colocam como se fossem ungidas mesmo, as únicas. E isso vira um caldo perigoso. Isso é fruto de uma sociedade ignorante, com pouca capacidade crítica. Enquanto nós religiosos não assumirmos uma crítica sobre essa postura entre nós mesmos sofreremos, juntos, as consequências disso.
RD – O Estado não fortalece essas questões sendo extremamente permissivo com todas as atividades religiosas, inclusive as obtusas?
AV – Eu creio que sim. O problema é que num Estado que se propõe a ter liberdade religiosa fica uma situação complicada quando você tentar impor limites à religião, não é? Para mim, passa pela educação a resolução desse problema.
RD – Então o Estado deve ficar de fora?
AV – Acho que o Estado tem de ficar observando os exageros, quanto estes possam ferir as leis. Agora, num Estado que defende a liberdade religiosa se você “bater” muito é pior.
RD – Pastor, o Brasil passa por um momento complicado também em termos de aceitação social. Em Rondônia, por exemplo, temos o caso da censura imposta aos livros didáticos da rede municipal de ensino de Ariquemes. Os livros mostravam os diferentes tipos de família, causando polêmica ao tratar, de maneira incutida, a união homoafetiva. Por que esses temas são tão rechaçados por parte da população em detrimento a grandes escândalos envolvendo verdadeiro declínio moral e como o senhor e a Igreja Evangélica enxergam a questão da homossexualidade?
AV – [Pensa… Olha para cima] É… Eu falo assim: a gente tem um problema. Primeiro, temos de aprender isso, Vinicius. Temos de aprender que na democracia, a grande virtude da democracia, são os diferentes convivendo harmoniosamente. A discussão que se tinha antigamente era assim, tolerância é: eu preciso ter o direito de pensar do meu jeito e você pensar do seu. O problema é que, filosoficamente, quando um grupo cresce começa a achar que tolerância é eu pensar de um jeito, você pensar de outro, mas sem o direito de discordar da minha posição. Essa discordância passa a ser criminalizada e aí pronto, torna-se imposição de um sobre outro. A discussão de religião em sociedade secular vive uma crise. Estamos saindo de um período em que o Cristianismo era preponderante para uma era onde as ideias cristãs entrarão em declínio. E aí a gente precisa fazer uma diferenciação. Existe diferença entre o pecado e o errado. Certo e errado são valores éticos e, portanto, mudam conforme o tempo e a cultura; pecado e não pecado são princípios religiosos. Se nós acharmos que existe mesmo liberdade religiosa as Igrejas precisam continuar tendo o direito de acreditar no que é ou não pecado.
RD – E sobre ser certo ou errado?
AV – Não é uma discussão sobre o que é certo ou errado! Então veja, por exemplo, nós continuamos acreditando que sexo antes do casamento é pecado. A sociedade não está nem aí para o que a gente pensa quanto a isso; às vezes nem os nossos jovens estão aí, quanto mais os outros… Então nós continuamos dizendo que isso é pecado. O que é pecado para nós? Para nós, pecado é tudo aquilo que fere o que nós entendemos da Bíblia. A Bíblia, para o cristão, é o ponto de referência de qualquer questão de sua vida. Eu, por exemplo, tenho uma frase polêmica porque digo assim: não concordo com tudo o que há na Bíblia, mas quando chega neste ponto [de discordância] eu abro mão do que penso acreditando que os escritos estejam certos e eu errado. Porque é um princípio religioso para nós protestantes que é o que chamamos de “Sola Scriptura”, ou seja, Só a Escritura: só a Bíblia detém autoridade sobre nós. Então, por exemplo, nós não temos homens, líderes ou instituições que sejam autoridades sobre nós. Não! É só a escritura… Só que na Escritura que tem histórias de mais de quatro mil anos há coisas que foram modificadas conforme o tempo e a cultura. Agora, nós queremos o direito de continuar dizendo que isso é pecado, ou seja, que espiritualmente fere aquilo que nós acreditamos ser uma ordem criada por Deus.
RD – E por que há, então, o problema de aceitação social?
AV – O problema é quando nós queremos que a sociedade também veja como pecado. Se ela não é Cristã, não tem obrigação de enxergar aquilo como pecado e nós teremos de aprender que não podemos impor nossas crenças sobre a sociedade como sempre fizemos no Brasil, que é um país oficialmente católico. Só que a sociedade também vai ter de aprender que ela tem um ‘corpo estranho’ no meio dela, que aqui no Brasil não é muito pequeno, mas ainda assim é um ‘corpo estranho’. O ‘corpo estranho’ somos nós, os evangélicos. E nós acreditamos que determinadas coisas são pecados, como, volto a dizer, sexo antes do casamento; fumar e até mesmo dançar. Eu acho um absurdo, por exemplo, os evangélicos não dançarem. Eu sou de origem nordestina! Acho uma sacanagem [risos] não me permitirem um ‘forrozinho’.
RD [Gregory intervém] – A própria Bíblia diz que Jesus gostava de festas e dançava, não é?
AV – Não sei, dançar nunca vi nada a respeito. Mas que gostava de festas, gostava. Então assim, essas são coisas culturais que foram sendo adquiridas na religião e que a gente, tipo assim, temos um absurdo de coisas nesse sentido. Eu falo assim, esse um absurdo nosso, e a gente faz com enorme alegria. Nós pagamos um imposto altíssimo para o governo e entregamos dez por cento do que a gente arrecada e emprega na Igreja com alegria! Quem é que, após pagar tanto imposto, vai entregar dez por cento pra Igreja com tanta satisfação assim? E são os dez por cento que as pessoas sempre imaginam que vão para as mãos do pastor…
RD – É… Esta é uma das discussões…
AV – Sim, mas isso fica na administração, assim que funciona. Religião é uma coisa esquisita! São coisas diferentes, como em religiões que você vai lá e mata um animal e faz não sei o que lá, pois acredita que aquela ação tem respaldo divino e assim por diante. Então esses conceitos de certo e de errado, pecado e não pecado são concepções às quais teremos de aprender a conviver. A Igreja terá de aprender a respeitar e a conviver com o Estado que tem a prática homossexual como natural. Agora, a sociedade vai ter de respeitar, para denominar-se democrática, o fato de que a Igreja não deixará de olhar a homossexualidade como pecado, embora possa até compreendê-la como certa. A escola, e essa é uma discussão enorme que existe também, veja, você colocar num livro didático que existem famílias, hoje, assim, assim, assim e assado, natural. Agora, colocar num livro didático como é que um menino pode usar seu dedo para alargar o ânus numa figura ilustrativa…
RD – Isso daí já seria demais e desnecessário, independentemente da sexualidade…
AV – Pois é, mas isso foi publicado num livro didático, entende? Então é preciso que a gente reconheça que os exageros podem vir de qualquer lugar. Essa discussão a gente vai ter de fazer com um pouco mais de respeito, porque o grande problema é quando os religiosos vociferam a prática do outro como algo violento, mas a própria forma de falar sobre isso é violenta! Ou o outro olha de lá pra cá e acha que existe um bando de ignorantes. E não, não é assim que funciona e nem pode funcionar. Respeitar esse processo é o novo desafio que a sociedade terá de enfrentar. Uma sociedade democrática se constrói com esse tipo de debate, encarando esses desafios de maneira respeitosa.
RD – Pastor, qual é o conceito que o senhor tem de inferno? Como é que funciona?
AV – Primeiro diria: eu não sei, né? [risos] Mas a gente tem uma resposta muito difícil quanto a isso. Para nós, alguém diz uma definição também muito boa: Céu é conviver na eterna presença de Deus; inferno, por outro lado, é viver na ausência Dele. É como se você vivesse em duas realidades. Uma delas absolutamente governada por um princípio divino. A outra, no entanto, sem esse princípio. Como é que vai ser? A gente não tem isso claro. As pessoas pegam figuras antropomórficas, como a teologia denomina, e compreendem frases como “O Céu tem ruas de ouro” ao pé da letra. É claro que o Céu não tem ruas de ouro, no sentido material. O mesmo vale para “O Inferno é o lago de fogo”, porque a Bíblia coloca desta maneira e as pessoas imaginam a lava de um vulcão escorrendo e aquela coisa toda… Então são figuras místicas e às vezes as pessoas têm dificuldades em relação a isso. Mas eu diria que o inferno é uma vida eterna com absoluta ausência de Deus. O que isso significa? Aí vai de cada um…
RD – É uma metáfora?
AV – Cada um compreende à sua maneira.
RD – O pecador está fadado ao inferno?
AV – Todos nós somos pecadores. Todos nós! Todos nós estamos afastados da presença de Deus. O que a gente quer é que, em Cristo, nós possamos refazer a comunhão com Deus e poder viver eternamente na presença Dele.
RD – É possível chegar a um denominador comum nessa questão de divergência? Será que existirá um dia em que será possível sentar à mesma mesa com pessoas de ideologias e crenças diferentes?
AV – Oh, meu Deus… Esse é o sonho da minha vida, né? Hoje, por exemplo, uma das pessoas mais amigas que tenho é a [ex-senadora] Fátima Cleide (PT), que é minha amiga pessoal. E nós temos entendimentos absolutamente diferentes em relação a algumas questões. Mas eu imagino, Vinicius, que a brutalidade e o vigor representam a força do ignorante. Quanto mais se grita, mais fica claro que o argumento é fraco. Sim, eu posso sentar com você, desfrutar da sua companhia e, ao mesmo tempo, discordar de ti. Nós podemos ter posicionamentos diferentes, tranquilamente. As pessoas precisam compreender que democracia é isso. Não existe essa coisa de que a ditadura é boa se for da minha linha de raciocínio. Toda ditadura é ruim, é horrível e eu sei porque foi uma época em que eu vivi! Da mesma forma eu não posso impor meu modo de pensar sobre você. Então meu sonho é viver assim, que nós construamos uma sociedade educada.
RD – Mas estamos vivendo numa crise de democracia: cada um com sua razão e ponto final…
AV – Sim, uma crise de democracia! E quando as pessoas vão às ruas, em manifestações, por exemplo, entendem assim: se for a favor do que penso, é um movimento democrático. Se for contra, é manipulado e enviesado.
RD – Mudando de assunto: a pedofilia na Igreja Católica. Muitos padres foram expostos, os escândalos são inúmeros e também há a questão do acobertamento hierárquico entre os próprios sacerdotes. E não é só no Brasil, a exemplo do caso de Arapiraca, que culminou na CPI da Pedofilia e rendeu até prisões de clérigos importantíssimos àquela região. Os casos se repetem em diversos lugares do mundo. O senhor, que também é psicólogo, acredita que o celibato seja o maior responsável pela deflagração desses crimes?
AV – Primeiro, deve-se ressaltar que a pedofilia é uma doença, inclusive muito comum em alguns lugares. E é bom lembrar que Norte e Nordeste são regiões com altas incidências dessa patologia. A religião é psicologicamente um elemento repressor. Então, ajuda em algumas questões, mas cria problemas em outras. O elemento repressor de uma situação humana pode gerar deformações horríveis. E no caso do celibato isso piora. Talvez se nós colocássemos os homens de uma forma geral e fôssemos falar em percentual caso questionássemos a questão através de pesquisa científica, é possível que no caso dos padres a pedofilia esteja mais latente justamente por conta do celibato. Mas a gente conhece pedófilos casados. Há muitos homens casados que são pedófilos. Agora, a Igreja está fazendo algo corretamente, agindo bem ao repensar a questão do celibato. O celibato exige, necessariamente, que a consagração religiosa sublime as necessidades sexuais que são da natureza humana. O problema é quando essa consagração não é suficiente. Aí você tem outros problemas. Então é possível sim que isso ajude uma predisposição doentia, que já existia, a ser desencadeada efetivamente.
RD – Ainda que seja uma doença, levando em conta os efeitos aterradores dos atos perpetrados por esses padres, a proximidade com coroinhas não deveria ser cessada e coibida pela Igreja Católica? Eles não deveriam ser excomungados, no mínimo?
AV – Acho que a Igreja caminha nesse sentido, Vinicius. A Igreja precisa compreender que ela é um corpo, sim, mas é um corpo inserido em uma sociedade. Então ela tem de cumprir as regras da sociedade em que ela vive. Não dá pra acobertar isso. Talvez seja possível tratar dessas questões internamente, mas só em relação às suas próprias leis. Outra coisa é que a Igreja está compreendendo que simplesmente trocar esses padres de lugar, sem tratar a doença, acaba gerando outros problemas contínuos. Então a Igreja terá de punir, porque é natural da comunidade que o faça, tratar e expor socialmente. Não dá pra tratar disso sem expor socialmente.
RD – A que distância estamos de assistir uma liderança religiosa denominada pelo senhor como messiânica na Presidência da República?
AV – Acho que estamos longe. Do jeito que o País está é possível que surja alguém messiânico, seja de onde for, o que é horrível. [risos] Mas eu peço muito a Deus que nós não elejamos alguém só porque é evangélico, ou só porque é pastor, ao contrário, quero que a gente eleja alguém que tenha compromisso com a sociedade. Quero que seja uma pessoa em condições de assumir essa enorme responsabilidade. Assim como não gostaria que fosse alguém só porque não é evangélico. Do mesmo jeito que não quero alguém só porque é evangélico, não quero alguém só porque não é. Esse critério, exclusivamente, não pode determinar a escolha do cidadão. Por isso espero e imagino que nós estejamos longe. Não gosto também da ideia de instituições religiosas formarem partidos políticos. Acho horrível e falei isso no começo da entrevista até por respeito à comunidade. Mas acredito que os cristãos precisam assumir posturas na sociedade, pela cidadania. Então, se essa pessoa for cristã e estiver servindo a sociedade e for candidata a Presidência da República por isso, ótimo. Mas não porque é pastor ou esteja assumindo qualquer posição hierárquica dentro de qualquer religião.
RD – O senhor é contra bancada evangélica?
AV – Não. Não sou contra bancada evangélica. Assim como não sou contra bancada católica, bancada da educação, assim como não concordo, mas não sou contra existir bancada ruralista. Porque é muito ruim a gente pensar que não possa existir uma bancada evangélica e ao mesmo tempo permitir a existência de uma ruralista. Então não poderia existir bancada alguma… Sou contra as pessoas imaginarem que o fato de ser evangélico torna determinada pessoa melhor que o não evangélico.
RD – Mas as Igrejas têm o poder de influenciar os rumos da Nação em termos de política: há dinheiro envolvido, popularidade, influência…
AV – Hoje em dia elas pesariam muito, sim. Mas a gente não consegue ter uma unidade assim tão grande, é verdade. Agora, atualmente, se os evangélicos de um Estado, por exemplo, como Rondônia, conseguirem sentar juntos é capaz de definirem muitas coisas em termos de eleição, com certeza.
RD – Rondônia ainda é o Estado com maior número percentual de evangélicos no País?
AV – Não, parece que é o segundo ou terceiro. Espírito Santo e Rio de Janeiro acredito que estejam na frente, mas Rondônia está perto e crescendo.
RD – Qual recado o senhor daria à sociedade rondoniense?
AV – Creio que nós precisamos compreender que os políticos são reflexo daquilo que somos. Não estou com medo do que vai acontecer com o Brasil após a Lava Jato. Estou com receio de que nós elejamos as mesmas pessoas que a Lava Jato tem exposto. Então, espero que o Estado de Rondônia entenda seu papel preponderante na hora do voto. O voto é uma coisa muito séria. Mas também espero que as pessoas de bem venham para os partidos e se candidatem. Porque se as pessoas de bem ficarem de fora só reclamando daquilo que os políticos fazem será algo muito ruim. Então espero que haja participação e uma cidadania mais responsável a partir daqui, com essas pessoas se candidatando e, ao mesmo tempo, na hora de votar, escolhendo pelo menos um desconhecido, de ficha limpa. Porque escolher alguém já conhecido, cheio de máculas na vida pública, é sinal de que não poderemos esperar um País melhor. Espero muito que Rondônia deseje fazer mudanças a partir da educação. Sonho com um governador, com um prefeito que assuma compromisso diferenciado na educação, a ponto de outros Estados falarem amanhã ou depois: lá em Rondônia estão fazendo diferente. Essa é minha expectativa.
RD – Muito obrigado, pastor.
AV – Eu que agradeço, foi um privilégio.