A pernambucana Natália Oliveira foi uma das vencedoras de um concurso da revista Science, uma das mais importantes publicações da área do mundo, que pediu a cientistas que explicassem suas teses de doutorado em videoclipes dançantes.
A brasileira ganhou na categoria Química e foi eleita a “escolha do público”. Seu vídeo foi de longe o mais visto dentre os 12 finalistas da competição, com 78% de todas as visualizações.
“É uma honra. Consegui mostrar que o Brasil consegue se destacar internacionalmente na arte e na ciência, e é mais especial ainda por ter o nome da instituição que me acolheu representado em um concurso da Science”, diz à BBC Brasil a pesquisadora de 28 anos, doutora em Biologia Aplicada à Saúde pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde agora cursa um pós-doutorado.
Nancy Scherich, da Universidade da Califórnia, foi a grande vencedora do concurso com seu trabalho em topologia, uma área da matemática de estudos sobre propriedades da geometria. O concurso “Dance seu PhD” existe há dez anos e foi criado pela Science e a Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS, na sigla em inglês) para desafiar pesquisadores a explicarem seus doutorados por meio da dança. A ideia é divertir e informar ao mesmo tempo, criando uma ponte entre os laboratórios e o público. Vale qualquer estilo, contanto que o autor participe.
A cientista brasileira fez isso misturando referências à série CSI, a bailes de drag queens em Nova York na década de 1980 e usando as ruas de Recife e seu laboratório como cenário para, ao longo de pouco mais de cinco minutos, explicar seu trabalho sobre o uso de biossensores para identificar fluidos corporais em cenas de crimes, mesmo que o autor tenha tentado apagar seus rastros com materiais de limpeza. Desta forma, tornou-se a a única brasileira entre os finalistas deste ano.
“Podem estranhar e dizer que isso não é um trabalho sério, mas é bom quebrar esse paradigma. Cientistas buscam resolver problemas do mundo. Então, quanto mais gente entender e se engajar com a ciência, melhor. Especialmente agora que a área brasileira passa por um momento difícil”, diz Natália, em referência aos cortes orçamentários no setor e à busca, de cientistas proeminentes, por oportunidades fora do país.
Biossensores
A sugestão de participar do concurso veio de um professor que sabia do envolvimento da cientista com teatro. Ela comprou a ideia e levou para o grupo de dança do qual participa desde o início do ano, o Vogue 4 Recife.
O inspiração da coreografia vem do vogue, um estilo de dança criado em bailes de drag queens no Harlem, em Nova York, que teve seu auge em meados dos 1980 e início dos anos 1990 e foi tema do documentário Paris is Burning (1990).
O clipe traz Natália e seus amigos fazendo passos de dança que tornaram-se famosos em todo o mundo pelas mãos da Madonna, com a música – e clipe – Vogue.
“A ideia era explorar a representatividade das pessoas que fundaram essa cultura, como as drag queens, mulheres trans, gays negras e latinas e as travestis”, conta ela. E, ao mesmo tempo, explicar sua tese de doutorado: “Funciona como o aparelho que o diabético usa para medir o nível de açúcar no sangue, mas para fluidos biológicos em locais de crimes”.
Ciência forense
Natália já havia trabalhado com essa tecnologia em seu mestrado, usando biossensores para detectar o vírus da dengue. O passo seguinte foi aplicar a técnica às ciências forenses, uma área que sempre despertou seu interesse. Por isso o clipe faz referências à série americana CSI, em que uma equipe de peritos busca desvendar crimes.
“Sempre fui muito fã da série, mas depois, quanto mais conhecia sobre a ciência forense, mais via que o programa retratava as coisas de uma forma que não era real”, diz Natália, que deixou para trás a ciência forense da ficção para se dedicar à do mundo real.
“Há uma carência do mercado, porque muitos testes desse tipo não conseguem detectar materiais biológicos depois que a cena do crime é limpa.”
Natália trabalhou por dois meses na elaboração do clipe e da coreografia, o gravou ao longo de duas tardes e levou uma semana para finalizá-lo.
O vencedor de cada uma das quatro categorias – Química, Biologia, Física e Ciências Sociais – foi eleito pelo júri com base em critérios científicos, artísticos e na união desses dois aspectos. Receberão um prêmio de US$ 500 (R$ 1.620). Dentre eles, foi determinado o grande ganhador, que receberá um prêmio adicional de US$ 500 e participará da conferência anual da AAAS nos Estados Unidos.
‘Cortes significativos’
“(O concurso) é bom para divulgar o trabalho que fazemos aqui. A ciência tem uma linguagem bem técnica, e isso pode ajudar a torná-la mais acessível”, diz a cientista pernambucana.
Natália conta também que “cortes significativos” em financiamentos de agências de incentivo como CNPq e Capes fizeram o Laboratório e Imunopatologia Keiko Azumi, da UFPE, onde ela fez suas pesquisas, abrir um edital para doações privadas para garantir a continuidade dos trabalhos.
“Muitos cientistas e professores estão fechando laboratórios por causa do corte de programas de apoio e financiamento”, afirma. “A maioria das instituições de ensino superior estão passando por isso hoje. Quem dependia de recursos públicos foi diretamente afetado pelos recentes cortes em ciência e tecnologia. Temos de mudar essa ideia de que a ciência não é disponível e acessível ao público. Só assim as pessoas vão entender o que fazemos e nos apoiar ainda mais neste momento difícil.”