Na Super Interessante, Por Felipe van Deursen – A Guerra do Paraguai (1864-1870) matou cerca de 480 mil pessoas entre 1864 e 1870. O Paraguai foi devastado. Quase um quarto do território foi perdido para os inimigos, Brasil, Argentina e Uruguai. Cerca de 100 mil mortos, em um universo de até 1,3 milhão de habitantes, o que faz do país o Estado moderno com a maior perda de população causada por um conflito internacional. A poligamia informal se tornou comum. Com tantas viúvas, órfãs e solteiras, o país ficou conhecido como a Terra das Mulheres.
Desde então, a política no Paraguai é um pântano. Somente em 1916, após seis golpes de Estado, um presidente conseguiu cumprir o mandato até o fim. Houve oito revoluções fracassadas. Eleições democráticas, só em 1993. Em 1999, o presidente Raúl Cubas Grau foi acusado de envolvimento no assassinato de seu vice e renunciou. Em 2012, um processo de impeachment que durou menos de 48 horas destituiu Fernando Lugo do cargo.
Se a guerra moldou toda a história do Paraguai, para o Brasil não foi diferente. A vitória transformou o Exército brasileiro em algo que ele nunca tinha sido: uma força política, capaz de bater de frente com a aristocracia do império, caso fosse necessário. O que não demorou a acontecer. Em 1884, o tenente-coronel Sena Madureira, veterano da guerra e comandante da Escola de Tiro Campo Grande, no Rio de Janeiro, recebeu com festa o jangadeiro cearense Francisco José do Nascimento, um dos líderes abolicionistas do país. O governo considerou um ato de indisciplina, já que a escravidão ainda era lei no país e cabia ao Exército ajudar na captura de escravos que fugiam. Sena Madureira acabou demitido, e trocou farpas na imprensa com o ministro da guerra, o civil Franco de Sá.
A atitude de Sena Madureira foi questionada, mas ele foi defendido por outro veterano do conflito no Paraguai, onde teve uma série de promoções por atos de bravura. O marechal Deodoro da Fonseca argumentou que apenas a discussão pública entre militares era proibida pela legislação. Como o tenente-coronel fora atacado por uma autoridade civil, ele poderia responder à altura. Porém, antes que o ofício com a defesa de Deodoro, que então era presidente em exercício da província do Rio Grande do Sul, chegasse ao Rio de Janeiro, o novo ministro da guerra, Alfredo Chaves, puniu Sena Madureira. Isso uniu o Exército em solidariedade, e a chamada Questão Militar ficava mais forte. Na época, os militares reclamavam do soldo, congelado por anos, da redução dos efetivos depois da guerra e da falta de modernização de equipamentos, entre outros assuntos. Era demais para uma classe que se via como a salvadora do país.
Em 1889, os republicanos convenceram Deodoro de que o então Presidente do Conselho de Ministros de Pedro II, o Visconde de Ouro Preto, havia expedido uma ordem de prisão contra ele. Não era verdade, mas bastou para que Deodoro juntasse um pequeno batalhão e marchasse pelo Rio de Janeiro exigindo a deposição de todo o ministério. Deodoro, então, soube que o novo Ministro-Chefe seria Gaspar Silveira Martins, seu desafeto – os dois tinham disputado o amor da mesma mulher na juventude, e viraram rivais para o resto da vida. “Aí já é demais”, Deodoro talvez tenha pensado. O fato é que isso levou Deodoro, que até então não via o Brasil sem a monarquia, a derrubar Pedro II e instituir um governo provisório. Estava proclamada a República. Graças a uma rivalidade romântica. E, principalmente, graças à Guerra do Paraguai. Dois anos depois, a República se consolidaria sob o punho de ferro do sucessor de Deodoro: o marechal Floriano Peixoto, outro que ganhou destaque no Exército quando combateu as forças de Solano López.
A história do Brasil República começou ali, e ainda hoje há ecos da maior guerra da América Latina: em 2014, 150 anos após o início do conflito, o Paraguai pediu a devolução de um importante canhão. Mas ele permanece no Museu Histórico Nacional, no Rio.