Acadêmicos falam como o caso William Waack revela um ‘problema estrutural’
No Jornal do Brasil, por Felipe Gelani – Nesta segunda-feira (20), data na qual se comemora o dia da Consciência Negra no país, a questão do racismo ganha protagonismo com um combustível a mais: a recente polêmica envolvendo o jornalista William Waack, da Rede Globo, que ganhou proporções internacionais após ser gravado falando frases racistas durante gravações. O comportamento do jornalista, e as repercussões nas redes sociais, levantam a questão sobre o combate ao racismo, e quanto o país avançou, ou regrediu, nesse sentido.
O professor de Antropologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Júlio Cesar de Souza Tavares, lembrou que o fato é uma mostra de que o problema do racismo é estrutural, com uma solução ainda distante. “O racismo não vai acabar, pois ele é instrumentalizado pelo capitalismo. Esse sistema econômico favorece privilégios, ele promove a ascensão de certos grupos em detrimento de outros. Essa é uma questão fundamental. Não é à toa que, quanto mais elitizada a área, menos negros, como no nosso Judiciário.”
Júlio Cesar – também um ativista contra o racismo no país – comentou ainda a decisão da emissora, de afastar o jornalista. “Waack é uma figura respeitada, um porta-voz importante da própria direção da instituição. Demiti-lo, em vez de afastá-lo, seria uma postura muito radical.” Neste caso, a empresa teria adotado uma “postura conservadora”.
Julio Cesar acrescenta ainda que Waack seria “apenas um agente da vocação racista que existe no Brasil”. Para o professor, “ele apenas manifesta uma condição enraizada na cultura. Ninguém é racista individualmente”.
O cientista político e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Jorge da Silva, por sua vez, questiona a ideia de que o Brasil não seria um país racista. Ao comentar o episódio de William Waack, ele reflete: “Temos pessoas que narram a nação brasileira. Temos teóricos que sempre insistiram na ideia de que o Brasil é uma democracia racial. Isso criou um problema sério: essa concepção tenta nos fazer imaginar que o racismo é algo inexistente”.
No entanto, tanto Júlio Cesar quanto Jorge reconhecem que nos últimos anos a conscientização da população em relação à questão negra cresceu. “E não diria que é uma conscientização maior apenas do movimento negro, mas de toda a sociedade. As pessoas lutam cada vez mais pelos seus direitos”, comentou o professor da Uerj, que também é autor do livro Violência e Racismo, que discute políticas públicas com o objetivo de melhorar a qualidade de vida da população.
“A consciência cresceu. De cinquenta anos para cá, temos a demonstração demográfica de um número cada vez maior de pessoas que se assumem como negros. Se reconhecer como negro é um posicionamento político”, lembrou o professor, ressaltando que, atualmente, quase 54% da população brasileira se considera negra ou parda.
“Outro exemplo claro desse processo é o crescente movimento de organização de uma nova consciência política entre médicos, advogados e engenheiros negros, assim como na própria classe trabalhadora. Os empreendedores negros também estão se organizando”, complementou Júlio Cesar.
E, segundo o professor, essa conquista de espaços sociopolíticos incomoda. Ele citou a violência contra os terreiros de religiões de matriz africanas como exemplo desse processo. “Nesses locais as pessoas estão debatendo política, profissionalização, buscam melhorar suas condições. Isso incomoda uma parte da população acostumada com a escravização do negro.”
Para o professor da UFF, a conscientização gera uma resposta física, uma reação. “A consciência não é uma coisa metafísica, e sim física. Com a ampliação da consciência, você aumenta a presença social dessas pessoas. Elas vão se armar de instrumentos, editais e verbas para ampliar o leque de atividades do terreiro. Ele passa a ser de fato um templo de disseminação da cultura política”, complementou. No entanto, ele lamentou: “São mais de 600 templos apedrejados, e isso passa batido na mídia”, afirmou.
O professor Júlio Cesar ainda lembrou os comentários do abolicionista Joaquim Nabuco, que, para ele, se aplicam muito bem ao momento atual do país. “Nabuco disse que, mesmo com o fim da escravidão, a mentalidade escravocrata permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”, concluiu.
Uerj promove Mês da Consciência Negra
A Uerj, a partir do dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra, promove uma intensa programação cultural até o dia 28.
Um dos destaques é a apresentação, no dia 21, às 19h, da Orquestra de Solistas do Rio de Janeiro e convidados, no Teatro Odylo Costa, filho. Além da OSRJ, o concerto conta com a participação de jovens músicos da Orquestra de Cordas da Grota (Niterói) e da Camerata Laranjeiras, ambos projetos socioculturais desenvolvidos em comunidades carentes. No programa, obras de diversos gênios da música, como Moacir Santos, Nelson Cavaquinho, Cartola e Baden Powell.
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Outro ponto alto do evento é a exposição Amewa, palavra da língua iorubá cujo significado corresponde, em linhas gerais, a “aquele que conhece a beleza”. Parte do I Congresso de Filosofia Africana e Afrodiaspórica da Uerj, a mostra coletiva apresenta a diversidade do olhar sobre o mundo de artistas afrodescendentes, sendo pelo viés do ativismo político ou da religiosidade. A exposição abre no dia 23, às 17h, na Galeria Gustavo Schnoor, e pode ser visitada até 30 de novembro.
A Uerj é pioneira na adoção de políticas de ação afirmativa para ingresso na educação superior, contando com cerca de 9 mil alunos provenientes do sistema de reserva de vagas. A entrada para os eventos culturais é franca.
* do projeto de estágio do JB