Sabe, no fundo eu sou um sentimental. / Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo (além da sífilis, é claro). / Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar / Meu coração fecha aos olhos e sinceramente chora…
(…)
Meu coração tem um sereno jeito / E as minhas mãos o golpe duro e presto / De tal maneira que, depois de feito / Desencontrado, eu mesmo me contesto.
Se trago as mãos distantes do meu peito / É que há distância entre intenção e gesto / E se o meu coração nas mãos estreito / Assombra-me a súbita impressão de incesto.
Quando me encontro no calor da luta / Ostento a aguda empunhadura à proa / Mas o meu peito se desabotoa.
E se a sentença se anuncia bruta / Mais que depressa a mão cega executa / Pois que senão o coração perdoa.
Chico Buarque e Ruy Guerra