No Brasil, discussão está parada no Supremo, mas apoio à descriminalização da droga cresce e atinge marca histórica
No El País, por PABLO XIMÉNEZ DE SANDOVAL – Um em cada cinco americanos terá acesso à maconha legal a partir de segunda-feira, quando a Califórnia será integrada à lista de Estados que permitem o comércio e consumo da maconha para uso recreativo. Com as badaladas do Ano Novo, a Califórnia, Estado mais populoso dos Estados Unidos, se transformará no maior mercado de maconha legal do mundo. O momento é considerado pelos defensores da maconha como o ponto em que não haverá mais retorno no caminho para a descriminalização.
Enquanto isso, no Brasil, o apoio à descriminalização da maconha atinge seu patamar mais alto, segundo levantamento do Datafolha divulgado nesta sexta-feira. Apesar de a maioria dos brasileiros (66%) ainda ser contra, 32% apoiam a legalização, percentual mais alto desde 1995, início da série histórica. Fora das ruas, a discussão sobre a descriminalização do uso e porte da maconha segue parada no Supremo desde setembro de 2015.
A Califórnia aprovou em referendo a legalização da maconha recreativa em novembro de 2016, nas mesmas eleições vencidas por Donald Trump. As regras básicas do comércio de maconha na Califórnia a partir de 1º de janeiro são as seguintes: Os maiores de 21 anos podem comprar até uma onça (28,5 gramas) por pessoa por vez, em lojas autorizadas. Cada um pode ter apenas uma onça, logo, para comprar mais, precisa usar o produto ou doá-lo para alguém (pessoas particulares não podem vender). Não se pode fumar em público, nem a menos de 300 metros de um colégio ou parque infantil, de acordo com as leis californianas sobre o tabaco. Tampouco dirigindo. Até seis plantas podem ser cultivadas em casa. O produto não pode sair do Estado, nem pelas fronteiras do Oregon ou Nevada, onde também é legal.
O Estado cobrará 15% de impostos sobre a venda. Os municípios podem acrescentar seus próprios impostos (10%). Cada planta de maconha legal estará identificada. A autorização aos vendedores de maconha depende das autoridades locais. Enquanto cidades como São Francisco e San Diego já autorizaram dezenas de comércios, Los Angeles não começará a fazer isso até janeiro, o que atrasará o início verdadeiro das vendas.
Até que se passe pelo menos um ano, não haverá números claros sobre o negócio. A estimativa mais baixa é que o mercado legal chegará a 5,8 bilhões de dólares em 2016 (equivalente a 19 bilhões de reais), segundo a consultora especializada em maconha Arcview. Outras estimativas elevam o montante a 11 bilhões por ano (36 bilhões de reais). De qualquer maneira, há uns dois anos, o Estado vive uma verdadeira febre do ouro verde em torno do novo mercado. “Este é o momento de se envolver, é uma vez na vida”, dizia Dan Humiston, organizador da feira de cannabis World Congress, em Los Angeles, ano passado, ao EL PAÍS. “Há uma indústria que está emergindo e precisa de pessoas, precisa de negócios”.
Com a abertura do mercado na Califórnia, as contradições legais em torno da maconha nos Estados Unidos serão aguçadas. A planta é considerada uma substância ilegal do mesmo nível da heroína pelo governo federal. Ou seja, é ilegal nos Estados Unidos, mas legal em oito estados e, ao mesmo tempo, ilegal em algumas cidades desses estados, onde os políticos locais se negam a facilitar o comércio. Formalmente, o FBI pode prender qualquer um que compre ou venda maconha que é perfeitamente legal em seu Estado, com a nota fiscal em mãos e os impostos correntes.
A atitude do Departamento de Justiça com os Estados onde a maconha é legal era de uma espécie de pacto de cavaleiros durante o governo de Barack Obama. Enquanto a ordem era mantida, perseguia-se apenas os que aproveitavam o mercado para se tornarem grandes narcotraficantes. Mas, com o novo procurador-geral, Jeff Sessions, isso pode mudar. No final de novembro, Sessions deixou claro que a lei existe para ser aplicada e que ele, pessoalmente, considera a maconha uma substância prejudicial que não deve ser normalizada. Ainda não há uma diretriz definitiva, mas a atitude de Sessions manterá uma inquietante espada de Dâmocles sobre os comerciantes do mercado de maconha, pelo menos nos primeiros meses.
A Califórnia foi o primeiro Estado a aprovar o uso medicinal da maconha, em 1996. Desde então, 28 Estados fizeram o mesmo. Na Califórnia, existem mais de 200 farmácias reguladas pelos municípios, onde basicamente a compra pode ser feita legalmente com um cartão de paciente e uma receita médica. A lei não é muito rígida, e a receita pode ser obtida sem problemas. Mas este continua sendo um submercado que nunca saiu das sombras e está sujeito a certa arbitrariedade das autoridades.
Quando chegou o momento da legalização total, os californianos disseram “não” nas urnas, em 2010. Foi o Colorado, em 2012, o primeiro a aprovar a legalização e se converter no laboratório do que aconteceria a seguir, principalmente em duas frentes, sanitária e fiscal. Na primeira, o Colorado não experimentou um aumento no número de overdoses de outros tipos de droga, nem do crime associado às drogas, mas há preocupação da polícia em relação a outros efeitos, como, por exemplo, a dificuldade de detectar motoristas sob o efeito da maconha.
No aspecto fiscal, que é o primeiro incentivo dos governos para considerar a legalização, o Colorado recebeu invejáveis 135 milhões de dólares (447 bilhões de dólares) em impostos sobre a maconha em 2015, 77% a mais do que em 2014, e o dobro da arrecadação com o álcool. O governo da Califórnia estima que os impostos podem chegar a 1 bilhão de dólares (3,3 bilhões de reais) ao ano em um Estado cujas contas públicas são sempre anêmicas. O secretário do Tesouro chegou a considerar criar um banco para poder administrar os recursos do cannabis.
Desde então, outros seis Estados aprovaram o comércio e consumo da maconha recreativa: Washington, Oregon, Nevada, Alasca, Massachussets e Maine (esses últimos dois começam em 2018), além de Washington DC. Mas o maior deles, o estado de Washington, tem 7,2 milhões de habitantes. A Califórnia tem 39 milhões de habitantes, uma economia do tamanho da França, 270 milhões de turistas por ano, fronteira terrestre com o México e portos de entrada de comércio com a China. A partir de segunda-feira, este pequeno experimento torna-se global.