Uso de robôs pelas campanhas pode influenciar o voto em 2018
Na Gazeta Online – É muito provável que boa parte das pessoas que lê esta reportagem segura nas mãos um smartphone – ou pelo menos está com os olhos pregados na tela de um computador. Sinal dos tempos, a tecnologia mudou a relação entre as pessoas e a maneira como elas consomem informação e formam as próprias opiniões. Também está prestes, na eleição de 2018, a marcar uma nova maneira de fazer campanhas eleitorais no Brasil.
Apesar de toda a contribuição para a democracia e para a vida que a tecnologia, a internet e as redes sociais são capazes de oferecer, especialistas alertam para o risco real de toda essa fertilidade servir a um jogo sujo e ilegal de políticos e marqueteiros em busca de votos. Há na praça ferramentas não exatamente novas. Já foram usadas em menor escala, mas estão em franco aperfeiçoamento.
“Em 2017 já se viu muita atuação de robôs e de grupos organizados levantando a bola de alguns candidato. 2018 deve ter um quadro ainda mais complexo”, afirma Sérgio Lüdtke, jornalista, consultor e especialista em conteúdos digitais.
Estudo da FGV/Dapp publicado em agosto mostrou que 10% das interações no Twitter foram criadas artificialmente por robôs na eleição presidencial de 2014.
Robôs são perfis automatizados nas redes sociais criados para publicar como se fossem pessoas normais, mas desrespeitam as normas de uso dos sites.
Durante o último debate do segundo turno, na TV Globo, o conteúdo publicado ou compartilhado por robôs chegou a 19,4% de toda a discussão que os apoiadores de Aécio Neves (PSDB) geraram. Nos perfis de apoio a Dilma Rousseff (PT), robôs representaram 9,76% das interações.
No maior protesto pelo impeachment de Dilma, em 13 de março, 21,4% da discussão gerada no Twitter pelos apoiadores da petista partiu de robôs. Entre os pró-impeachment, 16,6% eram interações de robôs, “o que mostra o poder de influência deste tipo de conta no debate público”, segundo a FGV.
“Ao interferir em debates em desenvolvimento nas redes sociais, robôs estão atingindo diretamente os processos políticos e democráticos através da influência da opinião pública”, alerta o estudo.
Com tudo isso, políticos são beneficiados pelo “efeito manada”. Ou seja, com mais “pessoas” falando bem deles, eleitores reais podem ser ludibriados sobre o real volume de apoiadores que o determinado candidato tem e acabar aderindo a ele também.
Esse mecanismo torna-se ainda mais perigoso por conta da popularização das fake news, conteúdos falsos compartilhados em grande escala para enganar a opinião pública. Esses ingredientes estão sendo interpretados como combustível em um ambiente de grande acirramento político como o previsto para as eleições de 2018, tanto no âmbito nacional quanto no local.
O intenso compartilhamento de notícias falsas atrapalhou o debate do Brexit, no Reino Unido, e o da independência da Catalunha, na Espanha. Na campanha dos EUA, textos falsos sobre “apoio do Papa Francisco a Trump” e “venda de armas por Hillary ao Estado Islâmico, segundo o WikiLeaks”.
Professor de Jornalismo da Universidade de Navarra, Espanha, onde dirige o Centro para Estudos da Internet e Vida Digital, Ramon Salaverría confirma que há jogo sujo em eventos de grande importância para as nações.
“Verificou-se interferência na questão da Catalunha, especialmente por parte da Rússia, que não quer a União Europeia tão unida. Aconteceu comigo. Meu perfil era acionado por robôs para que eu replicasse informações. No caso do Brasil, ao menos o risco de interferências externas é menor. O país é ator relevante, mas não está envolvido em brigas com outros países. Podem acontecer certamente fenômenos de difusão interessada de conteúdos, mas acredito que não vai acontecer por interesses externos”, avalia.
Alcance de campanhas “invisíveis” é desafio
Tudo o que um candidato coloca no plano de governo, diz no programa eleitoral na TV ou posta nas redes sociais é naturalmente analisado e debatido por um grande universo de eleitores. Também pode ser fácil e rapidamente checado, contestado, reportado e até desmentido pela imprensa profissional. Para 2018, especialistas alertam para o risco de parte relevante de campanhas eleitorais ser feita longe dos olhos do grande público, da imprensa e da Justiça Eleitoral.
O campo mais propício para essa “campanha invisível” é o WhatsApp, aplicativo de smartphone usado por 120 milhões de brasileiros, segundo a empresa divulgou em maio.
“O WhatsApp está difundido até na população de renda mais baixa. É utilizado como grupo de famílias e cada vez mais tem recebido correntes de informações falsas. O campo de batalha da eleição deste ano vai ser o WhatsApp, pela capilarização dele e por conta das fake news”, diz José Mauro Nunes, professor da FGV/MMurad e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
Especialista em conteúdos digitais, o jornalista Sérgio Lüdtke fala em preocupação com esse debate eleitoral feito em esferas privadas, porém com grande alcance. Para ele, esse mecanismo pode ser ainda mais perigoso do que o de robôs criados para influenciar a opinião pública.
“Tanto o Jornalismo quanto as próprias candidaturas estão mais preparados para avaliar comportamentos de robôs e de grupos organizados. Há a checagem de fatos e a observação sobre o que está florescendo nas redes sociais, nos trending topics (a lista de assuntos em destaque no Twitter). O que é problema e desafio é aquilo que foge do que é público. É o que fica na esfera do privado, ainda que com grande alcance, como em aplicativos como WhatsApp. Isso chega a um número muito grande de pessoas e é pelo aplicativo que as coisas se proliferam hoje. É um número impressionante de mensagens trocadas”, afirma Lüdtke.
A malícia seria a seguinte: a equipe de um candidato produz um conteúdo falso que o beneficia ou que prejudica um adversário. Em seguida, passa a distribuir essa informação como se fosse verdadeira em grupos de WhatsApp, anonimamente. O hiato entre o momento da difusão do conteúdo e o do recebimento e da checagem por jornalistas profissionais pode ser devastador. Dificilmente a informação correta e verificada fará o caminho de volta, passando pelas mãos de todos aqueles que consumiram o conteúdo falso.
A Justiça Eleitoral ainda discute o tratamento que dará à disseminação de informações falsas, cuja identificação do autor não é simples.
Para Lüdtke, o risco das campanhas invisíveis torna o Jornalismo profissional ainda mais importante em 2018.
A bolha
Grupos em redes sociais são propícios para proliferação de determinados tipos de informações por conta da “câmara de eco”. Segundo esse conceito, informações são facilmente assimiladas por aqueles pré-dispostos a elas. “O problema das fake news é também um problema de cultura e de psicologia, pois as pessoas tentam reforçar as próprias convicções. As redes sociais são, potencialmente, territórios para acesso a qualquer tipo de conteúdo. Mas verificam-se as ‘câmaras de eco’, com pessoas buscando alimentar as ideias que já tem”, explica o professor de Jornalismo da Universidade de Navarra Ramon Salaverría.
R$ 100 para alcançar quase 80 mil eleitores
O impulsionamento de posts nas redes sociais está liberado para as eleições de 2018. Ou seja, os candidatos poderão pagar ao Facebook e ao Instagram para aparecer nas linhas dos tempos dos eleitores. Trata-se de um mecanismo barato, embora haja dúvidas sobre a eficácia.
A reportagem simulou o patrocínio de um post no Facebook. Com R$ 100, segundo a plataforma de anúncios da rede social, podem ser alcançadas entre 30,3 mil e 79,8 mil pessoas.
Na plataforma, é possível filtrar que tipos de internautas receberão o conteúdo pago. Quanto mais específico o filtro, mais para o anúncio.
O especialistas em tecnologia Gilberto Sudré diz que esse tipo de propaganda eleitoral deve ser bastante popular em 2018, por todos os tipos de candidatos. “Vai ser a primeira vez que as redes sociais vão ter papel de protagonista nas campanhas”, prevê.
Expectativa
Outra grande expectativa é para a atuação no Brasil de uma filial da Cambridge Analytica, empresa protagonista da eleição de Donald Trump e da campanha do Brexit.
A empresa usa inúmeras informações dos usuários de internet, traça características comportamentais específicas e consegue emitir mensagens sob medida para cada potencial eleitor. Segundo o jornal “Folha de São Paulo”, dois pré-candidatos a governos estaduais já contrataram os serviços da empresa. A revista Época Negócios informou que mais dois pré-candidatos ao Senado também buscaram esse serviço.
Sudré explica que esse tipo de empresa compra milhares de dados de internautas para identificar a mensagem mais eficaz a ser enviada.
“Isso certamente vai ser utilizado, numa linha tênue entre o que é legal e ilegal. As campanhas vão segmentar o público para fazer propagandas específicas”, afirmou.
Regras para fake news serão decididas em março
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) definiu o calendário eleitoral de 2018, em dezembro, mas só deve fechar em março as regras para o combate às fake news.
O ministro Luiz Fux, que assumirá a presidência do TSE em fevereiro, afirmou que terá postura “repressiva” e “preventiva” com relação a notícias falsas.
O debate é complexo porque a limitação desse tipo de conteúdo pode, em alguns casos, ser interpretado como restrição à liberdade de imprensa.