No 247, Por Leonardo Stoppa – Todos conhecem minha posição pública sobre nosso país estar passando por um momento de neocolonização pelo grande capital internacional, mas sobre isso eu já tenho muitos vídeos publicados para todos que quiserem se informar, neste artigo quero trabalhar um formato um pouco diferente, vou escrever e provar para você por que o processo do caso do suposto Triplex do Lula tem que ser ANULADO.
Acontece que embora ainda não seja formado em direito, tampouco Advogado, sou um cidadão que se interessa por conhecer as Leis do nosso país, e não posso deixar de expressar minha livre manifestação do pensamento, ainda mais quando ficou claro e evidente referida nulidade absoluta do processo do suposto Triplex do Lula.
Sim, estou me referindo provavelmente ao evento jurídico mais importante deste limiar do século XXI, o caso do suposto Triplex do Lula, julgado no último dia 24 de janeiro/18, pelo TRF 4 em Porto Alegre, em especial a incômoda sensação que sobressalta de uma análise exclusivamente jurídica, uma voz interna que começa como uma coceirinha que vai crescendo, se espalhando, até se tornar um comichão que cintila no cérebro aos borbotões: “olha ali que NULIDADE absoluta”.
Atenção, como já tenho uma posição muito clara nas redes sociais, neste artigo vou procurar agir um pouco diferente, e me resumir apenas e tão somente na análise do direito, sem qualquer concessão às paixões antagônicas que a questão desperta em tanta gente, noutras palavras, faço a ressalva expressa sobre nos atermos aqui a um plano de mera análise lógico jurídica sobre a nulidade absoluta e inescapável do processo do caso do suposto Triplex do Lula.
Dessa forma, sem expor paixões ou tomar lado na questão, fazendo uma análise estritamente lógico-jurídica, acredito que poderemos alcançar mais pessoas e formadores de opinião que ainda estão relutando em enxergar o absurdo jurídico que tem sido cometido neste caso envolvendo o ex-presidente Lula. Portanto fique a vontade para ler, estudar, compreender e debater o conteúdo deste artigo com o maior de pessoas possíveis, inclusive promovendo seu máximo compartilhamento nas mídias sociais.
Até porque, ao meu singelo sentir o reconhecimento de tal nulidade processual é mera questão de tempo, não depende da minha ou da sua vontade, em favor de quem quer que seja sua “torcida”, mas sim, única e exclusivamente, do direito, da aplicação das normas processuais e constitucionais regentes e disciplinadoras da matéria, é dizer, mais dias ou menos dias, quando menos se espere, esse processo, tal qual um castelo de cartas, ruirá sob peso da flagrante nulidade que se lhe acomete.
De fato, o direito carece de lógica, se perfaz em um todo sistêmico que reclama coerência, e tem na sua gênese uma necessária conformação principiológica, de modo que sempre que qualquer desses pilares são esquecidos, as coisas não costumam ter bom termo, ou como no caso em comento, caminham de forma resoluta para sua completa nulificação.
Outrossim, confesso que esta minha conclusiva acerca da completa nulidade daquele processado não se perfaz à primeira vista, ou sem uma análise detida sobre o tema proposto, inclusive desde já antecipando minhas escusas pelo necessário vagar sobre temas que muitas vezes podem lhes parecer comezinhos, mas de cuja análise mesmo perfunctória há de servir aos neófitos do mundo jurídico para, assim como aqueles que já são da área do direito, possam compreender com clareza o tema proposto.
Além disso, há também o desafio de verter em palavras escritas e no linguajar coloquial a tradução inequívoca do conjunto de normas lógicas, sistêmicas e principiológicas que foram malferidas no caso em exame e assim deduzem de forma inexorável a absoluta nulidade do caso do suposto Triplex do Lula.
Para tanto advirto que, despido de qualquer verve política, dividi a abordagem didática da “quaestio” em quatro tomos, o primeiro dedicado ao deslinde de conceitos jurídicos essenciais para compreensão da temática, o segundo dedicado a sedimentação dos fatos alicerces e sua problematização, o terceiro à abordagem da questão de fundo com a demonstração da nulidade, e o quarto e derradeiro, vem por corolário ao deslinde de questiúnculas adjacentes e corriqueiramente objeto de verve retórica, mas sem muita ou quase nada de relevância jurídica.
Advirto, portanto, que o caminho é longo, mas tenho a ousadia de convidar-lhe para que sigamos juntos por esses densos mares hermenêuticos, a fim de aportarmos no porto certo desta discutida e absoluta NULIDADE do caso do suposto Triplex do Lula.
I – Conceitos jurídicos essenciais
A uma,
O que é princípio do juiz natural?
Trata-se de um postulado geral do processo, constitucionalmente assegurado por via oblíqua no art. 5º, XXXVII e LIII, da CRFB.
Também podemos tratar como um “direito” de todos os cidadãos e para ser aplicado em todos os processos judiciais, sejam da área trabalhista, civil, penal, tributária, etc.
Consiste basicamente na garantia de que todas as pessoas somente serão julgadas por um juízo competente e cujas regras de competência tenham sido previamente estabelecidas de forma genérica e abstrata.
Noutras palavras, a garantia de que se você comete um fato punível, você será processado por um juízo previamente estabelecido dentro do sistema jurídico, quer dizer, que o sistema judiciário não poderá olhar para você individualmente e para o que você fez, e a partir disso escolher qual o juízo que vai processá-lo.
Segundo Luiz Flávio Gomes, “o princípio do juiz natural é uma garantia constitucional, […] mais que garantir autoridade competente (competência em razão da matéria, territorial…), há constitucionalmente preservada a garantia de que o acusado seja submetido a um processo e um julgamento por órgão do judiciário que seja previamente estabelecido e imparcial.” (1)
De fato, a razão fundamental que justifica a própria existência do princípio do juiz natural pode ser resumida na preservação da imparcialidade dos julgamentos, evitando que alguém venha ser processado por um juízo que foi “escolhido” especialmente para ele ou aquele caso.
Importante: se um processo judicial em algum momento violar o princípio do juiz natural, ele está violando de forma literal e direta a Constituição Federal, portanto ele deve ser declarado nulo.
A duas,
O que é tribunal de exceção?
Direto ao ponto, podemos conceituar tribunal de exceção como sendo a negação (antítese) do juiz natural, porque ele é justamente um Tribunal formado para e em razão de, julgar uma pessoa ou um fato especifico.
Quer dizer, o tribunal de exceção repulsa ao princípio do juiz natural, afinal ele não é definido previamente ao fato, mas estabelecido em razão do fato ou pessoa, isso mesmo, “escolhido” para julgar esse ou aquele caso específico.
Por óbvio, tendo nosso ordenamento jurídico adotado o princípio do juiz natural, a toda evidência que o tribunal de exceção não é admitido no sistema judiciário pátrio contemporâneo, aliás, não é admitido no Brasil e na maioria dos países democráticos do mundo.
Para não restar dúvidas sobre o tema, podemos destacar que a Constituição Federal proibiu expressamente a criação de tribunais de exceção em nosso país: “não haverá juízo ou tribunal de exceção” (CRFB, art. 5º, XXXVII).
Importante: aqui também, como no caso do princípio do juiz natural, se um processo judicial em algum momento vier a ser submetido ao julgamento por um tribunal de exceção, então ele se tornará nulo de pleno direito.
A três,
O que é competência?
Grosso modo, seguindo um entendimento clássico, criticado porém simplificador (e que por isso atende nosso objeto de análise), podemos definir a competência como sendo a “medida da jurisdição” (sendo “jurisdição” o nome que atribuímos ao poder dos magistrados dizerem o direito), noutras palavras, competência é a forma de se “organizar” o que cada Juiz pode julgar.
Imagine você a bagunça que seria se um Juiz do Trabalho pudesse julgar um caso criminal de alguém que matou para roubar, ou se um Juiz Militar pudesse julgar uma causa trabalhista de um empregado de padaria, e assim sucessivamente. Com certeza viveríamos em um ambiente de total insegurança jurídica, em que ninguém creditaria respeito ao poder judiciário.
E é para evitar esse problema, e assim organizar a forma de julgamento dos processos, que existem as chamadas regras de “competência”, que disciplinam a forma de se “organizar o exercício da jurisdição”.
Importante: quando um processo é julgado por um juízo que não possui competência para fazê-lo, ele também é nulo.
Observação: uma definição mais completa sobre o conceito e para quem queira se aprofundar, pode ser encontrada nas palavras de Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini, para os quais, “competência é atribuição do ‘órgão jurisdicional’ e não do ‘agente, pessoalmente, dada a prevalência do princípio da impessoalidade’.” (2)
A quatro,
Como regra, qual o juízo competente para julgar um processo criminal?
Assim como a competência pode ser dividida em várias espécies, a forma de definição do juízo competente, pode variar, mas para nossa análise sobre a nulidade do processo do suposto Triplex do Lula, basta sabermos que a regra geral é de que o juízo competente para processar a ação criminal é o do “lugar da infração” (CPP, art. 69, I).
Existem várias espécies de competência (por exemplo: material, funcional, etc), mas, como mencionado, para fins de compreendermos nossa questão posta, nos basta conhecermos aquela regra geral, de cuja exceção abordaremos ainda no deslinde da questão de fundo demonstrativa da nulidade.
II – Dos fatos essenciais e sua problematização
A par dos conhecimentos jurídicos essenciais para fundar nossa compreensão, e já adentrando na análise do processo do suposto Triplex do Lula, vejamos alguns pontos fáticos reconhecidos por todos, e a partir disso as problemáticas decorrentes.
Em primeiro lugar, é fato que o suposto Triplex do Lula está localizado no município de Guarujá em São Paulo.
Ocorre que revendo este fato e a regra geral de competência nas ações criminais, temos que em princípio este processo penal envolvendo o suposto Triplex do Lula deveria ter sido processado e julgado perante o juízo daquela localidade, porque lá é o local onde se teria praticado a infração criminal.
Em segundo lugar, também é um fato sabido por todos que o STF, por decisão monocrática do então Ministro Teori Zavascki nos autos da Reclamação n. 23.457 Paraná, em 13.06.16, remeteu o julgamento do processo do suposto Triplex do Lula e quinze outros processados, para Vara Federal de Curitiba, onde o mesmo foi processado e julgado.
Daí que, a lume desses fatos de conhecimento público e notório em nossa sociedade, surgem as questões fundamentais que temos a pretensão de respondê-las, e cuja resposta só admite uma única conclusiva válida, a saber, da total nulidade do processo do suposto Triplex do Lula, vejamos quais são elas:
(a) por que razão o processo foi para Curitiba contrariando a regra geral de ser processado no local da infração?
(b) o que justifica a decisão a decisão que enviou o processo para Curitiba?
(c) o que aconteceu entre o envio do processo para Curitiba e atualmente, cujo fato justifica compreendermos que aquela mudança de Guarujá para Curitiba deve ser revista?
(d) se o próprio Supremo Tribunal Federal, por intermédio da decisão do Ministro Teori Zavascki, determinou que o processo fosse para Curitiba, qual razão haveria para que mudassem de ideia?
(e) porque razão foi justamente depois do julgamento do TRF 4 que o processo se tornou irremediavelmente nulo?
III – Onde está a nulidade do processo do suposto Triplex do Lula
Como mencionei no tópico anterior, é respondendo de forma lógica e analítica cada uma das questões acima que faz com que enxerguemos com clareza a questão de fundo da matéria em exame, vejamos:
(a) Porque razão o processo foi para Curitiba contrariando a regra geral de ser processado no local da infração?
A questão dileto leitor que me acompanha até aqui, é que existem exceções aquela regra geral de que o processo deve ser julgado no “lugar da infração”, e no caso versado importa sabermos que uma dessas exceções é a chamada “conexão”, cuja mesma vem disposta de forma expressa no inciso V do art. 69 do Código de Processo Penal.
A “conexão” é portanto um instituto jurídico que excepciona a regra geral de competência do foro do “local da infração”.
Consiste no seguinte: quando houver um crime que já está sendo julgado por um juízo, e depois de um tempo se descobre a existência de outro crime relacionado com aquele primeiro, então o juízo que deverá julgar esse segundo crime é o mesmo juízo que já estava julgando o primeiro, quer dizer, um mesmo juízo deve julgar todos os crimes que sejam “conexos”.
A “conexão” faz com que um crime que deveria ser julgado pelo juízo de determinado local em foi praticado (por exemplo: Guarujá/SP), seja deslocado para julgamento por um juízo de um outro local distante (por exemplo Curitiba/PR), por considerar que aquele juízo distante já estava “prevento” para julgamento de todos os crimes “conexos” com o que primeiro já estava sendo apurado (por exemplo: na Vara Federal de Curitiba, se julgam todos os crimes relacionados/conexos com desvios de dinheiro da Petrobrás).
Noutras palavras, um juízo já competente para o julgamento de um crime, torna-se “prevento” para julgamento de todos os demais crimes que forem “conexos” ao primeiro.
E foi justamente isso que fez com que o processo do suposto Triplex do Lula fosse enviado do Guarujá/SP para Curitiba/PR, porque segundo o instituto da “conexão”, aquele juízo de Curitiba já estava prevento para o julgamento de alegados crimes envolvendo propinas de contratos da Petrobrás.
Vamos em frente.
(b) o que justifica a decisão que enviou o processo para Curitiba?
Além do próprio instituto da conexão, para compreendermos as justificativas dessa decisão que acolhe a conexão, é preciso analisarmos a forma e o momento de como essa decisão é tomada.
Pois bem, acontece que a análise de quem é o juízo competente para julgamento de um processo (qualquer ramo que seja, indiferente se é penal, civil, trabalhista, previdenciário ou tributário, ou qualquer outro) é sempre feita “in status assertionis” segundo a teoria da asserção.
É dizer: a análise de quem é o juízo competente para julgar um processo, é feita no início do processo, levando em conta o que é dito pelo autor da ação em sua petição que dá início ao processo, ou seja, considerando que o que é alegado é verdadeiro, reservada a possibilidade do contrário vir a ser demonstrado ao cabo do processo.
Noutras palavras, significa dizer que a primeira análise do juízo competente para julgar o processo é feita “a priori” de forma “superficial”, considerando apenas o que é dito pelo autor do processo em sua petição inicial.
Trata-se de instituto jurídico reconhecido em todo nosso ordenamento jurídico, inclusive adotado pelo próprio STF, senão vejamos voto da lavra do eminente Ministro Luiz Fux: “A legitimidade para a causa, segundo a teoria da asserção adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro para a verificação das condições da ação, é aferida conforme as afirmações feitas pelo autor na inicial.” (3)
Atenção: no caso do suposto Triplex do Lula, como se trata de processo criminal, a análise sobre qual era o juízo competente para julgar o processo criminal foi realizada tendo em vista apenas o que havia sido dito pelo Ministério Púbico em sua petição inicial, sem considerar outras questões de mérito, como por exemplo se havia existido o crime alegado ou não.
É importante frisar o seguinte: ISSO É UMA CIRCUNSTÂNCIA GERAL DE QUALQUER PROCESSO JUDICIAL.
Tudo isso significa que o processo somente teve sua competência deslocada do Guarujá para Curitiba porque o Ministério Público alegou na petição inicial do processo criminal (a denúncia), que o suposto Triplex do Lula, embora existente no Guarujá (local em que em regra o alegado crime deveria ter sido processado), se tratava de uma propina decorrente de contratos da Petrobrás, cujo juízo prevento para análise já estava estabelecido em Curitiba.
Isso mesmo dileto leitor, esse é um dos pontos chaves para compreender a questão, como o foro de Curitiba já estava prevento para julgamento de todos os processos envolvendo propinas/desvios da Petrobrás, deslocou-se a competência do juízo do Guarujá (excepcionando a regra geral do foro do lugar da infração) para Curitiba.
IMPORTANTE: isso era algo absolutamente CORRETO de ser feito naquele momento histórico, PORQUE, como vimos, em regra geral a análise do juízo competente é feita “a priori” tendo-se como base apenas o que é dito pelo autor na petição inicial da ação (“in status assertionis”), e como dito, o MP havia alegado na petição inicial da denúncia que se tratavam de crimes “conexos” com aqueles da Petrobrás que já estavam sendo processados em Curitiba.
Noutras palavras, tendo o MP alegado na petição inicial da ação criminal que o caso do suposto Triplex do Lula se tratava de um crime conexo àqueles outros da Petrobrás e que já vinham sendo julgados em Curitiba, ENVIAR O PROCESSO PARA JULGAMENTO NAQUELA LOCALIDADE ERA A ÚNICA COISA A SER FEITA NAQUELE MOMENTO HISTÓRICO
(c) o que aconteceu entre o envio do processo para Curitiba e atualmente, cujo fato justifica compreendermos que aquela mudança de Guarujá para Curitiba deve ser revista?
A resposta dessa pergunta revela a nulidade do processo do suposto Triplex do Lula.
Note bem amigo leitor, a grande questão que poucos estão se atentando é a seguinte: a análise para fins de delimitação do juízo competente e que é feita no início do processo é meramente prelibatória, perfunctória, superficial, precária, quer dizer, é uma interpretação apriorística que pode vir a ser desmentida no decorrer do processo, principalmente após a colheita da prova instrutória.
E isso pode gerar uma situação em que um juízo pode começar um processo acreditando que é competente, mas no curso do processo e ao chegar ao seu final, após rever todas as provas colhidas no processo, descobrir que na verdade ele não era o juízo competente para o processo.
E foi exatamente isso que aconteceu no caso do suposto Triplex do Lula.
No início da ação penal o Ministério Público entrou com a ação criminal alegando que se tratava de um crime conexo aos desvios da Petrobras, em resumo, alegou que o suposto Triplex do Lula no Guarujá era propina pelo desvio de dinheiro em contratos da Petrobrás.
Por isso sobreveio a decisão do então Ministro Teori Zavascki que nos autos da Reclamação n. 23.457 Paraná, em 13.06.16, remeteu o julgamento do processo do suposto Triplex do Lula para Curitiba/PR. (4)
PORÉM, a percepção desta realidade inicialmente constatada a partir das alegações constantes na petição inicial da ação do MP caiu por terra, depois que foram produzidas todas as provas, ouvidas as partes, as testemunhas, juntados os documentos, feitos os debates e alegações finais e o juízo do processo deu uma sentença condenando o réu.
E isso se tornou claro e inegável quando o mesmo juízo que proferiu a condenação esclareceu em sede de julgamento dos embargos declaratórios aviados pelos Advogados, QUE O CASO DO SUPOSTO TRIPLEX DO LULA NÃO POSSUIA LIGAÇÃO DIRETA COM OS CONTRATOS DA PETROBRÁS, senão vejamos sua afirmação literal:
“ESTE JUÍZO JAMAIS AFIRMOU, na sentença ou em lugar algum, QUE OS VALORES OBTIDOS PELA CONSTRUTORA OAS NOS CONTRATOS COM A PETROBRÁS FORAM USADOS PARA PAGAMENTO DA VANTAGEM INDEVIDA para o ex-Presidente”. (g.n.)
E aquele juízo disse isso sem se atentar de que ali estava a sentença de morte e absoluta nulidade de todo o processo, confira:
A lógica é clarividente e inafastável: ao afirmar que não existe ligação entre o caso do suposto Triplex do Lula e os contratos com a Petrobrás, aquele juízo cassou de forma peremptória e fatal o nexo causal, eliminando a possibilidade de reconhecer que existisse “conexão” entre a alegada propina do suposto Triplex do Lula e os valores desviados na Petrobrás.
Fazendo isso ele também “MATOU” o substrato fático que respaldava a conclusão inicial que justificava manter aquele mesmo processo sob a sua competência em Curitiba, excepcionado a regra geral inicial de que o processo deveria ter sido processado no foro do “local da infração”, Guarujá/SP.
Isso mesmo, no momento em que disse que não existia conexão entre a alegada propina do suposto Triplex do Lula e os desvios de contratos na Petrobrás, o próprio juízo deu fim no substrato fático que respaldava o entendimento que precariamente lhe atribuiu competência originária para conhecer aquele processo.
Noutras palavras, se não há ligação (conexão) entre o suposto Triplex do Lula e os desvios de contratos da Petrobrás, então não há o que justifique excepcionar aquela regra geral de que o juízo competente deve ser o do foro da infração, em resumo, não há mais o que justifique que o processo seja julgado em Curitiba.
E nestas condições, manter o julgamento do processo em um juízo incompetente implica em irremediável VIOLAÇÃO da garantia do JUIZ NATURAL, por via oblíqua, é o mesmo que criar um TRIBUNAL DE EXCEÇÃO para julgar aquele caso do ex-presidente, coisa expressamente proibida pela Constituição que a todos nós subordina.
Por isso dizermos, caso de nulidade processual flagrante.
Portanto o que aconteceu entre o envio do processo para Curitiba e atualmente, cujo fato justifica compreendermos que aquela mudança de Guarujá para Curitiba deve ser revista, é a conclusão declarada em sentença pelo próprio juízo do processo, de que não existe aquela suposta relação de conexão entre os processos.
O juízo prelibatório deixa de existir em função de outro juízo não mais presuntivo, mas de certeza, inclusive declarado expressamente na via judicial.
(d) se o próprio Supremo Tribunal Federal, por intermédio da decisão do Ministro Teori Zavascki, determinou que o processo fosse para Curitiba, qual razão haveria para que mudassem de ideia?
A principal razão para revisão da competência do foro de Curitiba para julgamento do caso do suposto Triplex do Lula reside nos fundamentos já mencionados anteriormente, a constatada realidade de que aquela conexão que um dia se presumiu existir à lume dos fatos narrados na petição inicial do processo crime, não se vislumbrou presente de verdade, como aliás, reconhecido pelo próprio juízo de Curitiba.
O jurista Lenio Luiz Streck atentou para esse fato qualificando-o pela alegoria do Barão de Münchhausen, “quem, afundando no pântano com seu cavalo, conseguiu se erguer a si mesmo, puxando-se pelos próprios cabelos. Só que “puxar-se a si mesmo pelos próprios cabelos” — já que Moro retirou o próprio chão — é um paradoxo. E paradoxos são coisas que são impossíveis de explicar.” (5)
Além disso há um outro erro que subjaz oculto na premissa ensejadora desta questão, para o qual inclusive não atentou o e. Relator e demais i. juízos do TRF 4 por ocasião do julgamento recente, qual seja, acreditarem que essa questão de fundo já foi objeto de análise pelo c. STF, não é verdade, não o foi.
Me explico: muito embora tenha partido da decisão monocrática do ministro Teori Zavascki a determinação de que os autos do processo do suposto Triplex do Lula seguisse para Curitiba/PR, tão só esse fato não justifica supor que a matéria da competência por conexão foi objeto de análise de fundo por aquele órgão, como de fato, não o foi, repita-se.
Acontece que o processo do suposto Triplex do Lula e outros chegaram às mãos do Ministro Teori por conta da Reclamação n. 23.457, mas a grande questão de fundo daqueles autos era a discussão acerca se haveria ou não extensão do foro privilegiado do e. STF também naqueles processos, por pretensa relação de conexão com a então Presidenta Chefe de Estado e que acabara de ser colhida em escutas telefônicas desarrazoadamente divulgadas em cadeia nacional.
Com efeito, o que se fez naquela oportunidade foi cotejar sobre a existência ou não de extensão do foro do e. STF, afastada essa o envio dos autos para Curitiba foi imediato, sem análise de maiores pormenores, em especial a controvérsia ora cingida à análise.
E para isso não atentaram os doutos julgadores do TRF 4, mormente que da leitura de seu voto o e. Relator se limitou a afastar a alegação de incompetência sob o discurso vazio de autoridade, fazendo referência a que se tratava de matéria já dirimida pelo e. STF, e o que, como demonstramos, não é verdade.
Até porque, repita-se, naquele momento histórico o que havia era apenas a presunção de haver conexão entre o caso do suposto Triplex do Lula e os desvios da Petrobras, a constatação inconteste de que tal não existiu somente passou a ocorrer com o advento do julgamento dos embargos de declaração pelo próprio juízo de Curitiba.
Veja você mesmo atento leitor, através dos links colacionados ao final deste, como a decisão monocrática do Ministro Teori não tratou deste tema, assim como a decisão do agravo regimental também não versou sobre essa matéria. (6)
Com efeito, ainda que originariamente o e. Supremo Tribunal Federal, por intermédio da decisão do Ministro Teori Zavascki, tenha determinado que o processo fosse para Curitiba, a razão para mudança deste entendimento está justamente em que a realidade dos autos se demonstrou diversa daquela originariamente declarada na petição inicial, além disso se trata de matéria que diferente do alegado no julgamento do e. TRF 4, ainda não foi objeto de análise de fundo por aquele órgão.
E mais, temos certeza desta necessária revisão porque uma vez constatado que o processo do suposto Triplex do Lula foi julgado por um juízo incompetente, há uma escancarada VIOLAÇÃO da garantia do JUIZ NATURAL, e manter esse estado seria o mesmo que admitir uma modalidade transversa de TRIBUNAL DE EXCEÇÃO para julgar um homem tão só pelo fato de tratar-se de um ex-presidente, e o que, convenhamos, não pode ser aceito em um estado de direito.
(e) porque razão foi justamente depois do julgamento do TRF 4 que o processo se tornou irremediavelmente nulo?
Este ponto fecha com suficiência a análise da nulidade do processo do suposto Triplex do Lula, porquanto ela poderia ter sido saneada durante o julgamento do TRF 4, mas isso não aconteceu.
Acontece que o Poder Judiciário está organizado em instâncias, grosso modo podemos dividi-las em duas classes, instância ordinária e instância extraordinária, sendo que há também uma distribuição entre as matérias que podem ser julgadas em cada uma delas.
Na instância ordinária temos o juízo monocrático, que é quem, comumente, primeiro conhece e julga o processo, no caso em exame, o juízo da vara federal de Curitiba, e ainda compondo essa instância ordinária temos o TRF 4, órgão colegiado incumbido de julgar os recursos das decisões proferidas pelos juízes monocráticos.
Acontece que a cognição desses órgãos julgadores da instância ordinária é “ampla”, quer dizer, eles podem julgar tanto as “questões de direito” quanto as “questões de fato” do processo.
Por “questões de direito” entenda-se tudo que envolver a aplicação das normas jurídicas, sejam elas constitucionais ou infraconstitucionais, enfim saber qual Lei se aplica naquele caso concreto, e como ela deve ser melhor aplicada, etc.
Por “questões de fato” entenda-se tudo que é discutido no processo em termos de prova, e sobre o que realmente aconteceu, por exemplo: houve propina ou não houve propina? tem prova ou não tem prova? tem ligação com a Petrobrás ou não tem ligação com a Petrobrás?, e assim sucessivamente.
Acontece que diante dessa sistemática de organização das instâncias do judiciário brasileiro, exsurge a situação de que mesmo tendo o juízo monocrático declarado em sentença que não havia ligação entre o caso do suposto Triplex do Lula e os contratos com a Petrobrás, ainda assim, este fato poderia ter sido revisto/corrigido pelo TRF 4, que é órgão que compõe a instância ordinária e por isso pode “rever fatos e provas”.
Isso significa que o TRF 4 poderia ter reformado a sentença do juízo monocrático neste particular para corrigir a nulidade em comento, para isso ele precisaria ter declarado o contrário do que fora dito na sentença, reafirmando o contexto fático de que havia sim ligação entre o caso do suposto Triplex do Lula e os desvios da Petrobrás.
Fazendo isso aquele colegiado teria reformado a decisão original, fazendo prevalecer como reconhecido no processo que existia sim ligação entre o caso do suposto Triplex do Lula e os desvios da Petrobrás, corrigindo assim a falta de substrato fático que respaldasse a conexão de ações e a prevenção do juízo de Curitiba.
Mas ele não fez isso e a nulidade se apascentou no processo.
Não nos compete induzir aqui as razões pelas quais o TRF 4 não saneou o ato, tendo optado por desdizer a alegação de incompetência com o discurso de autoridade (“isso já foi decidido pelo STF”), porém é óbvio que se o fizesse, daí TERIA QUE ENFRENTAR OUTRO PROBLEMA, qual seja, COMPROVAR A EXISTÊNCIA DE PROVAS DEMONSTRATIVAS DESSA CORRELAÇÃO ENTRE AS HIPÓTESES DO SUPOSTO TRIPLEX DO LULA E OS DESVIOS DA PETROBRÁS (dificuldade que provavelmente motivou essa mesma declaração de inexistência de conexão pelo próprio juízo monocrático).
Mas a grande consequência jurídica disso é que depois de sua inércia, o processo do suposto Triplex do Lula se tornou irremediavelmente nulo.
Isso porque os Tribunais Superiores compõem a classe da chamada instância extraordinária, na qual não há análise do mérito probante do processo, exceto de questões de Direito envolvendo a aplicação de normas federais e constitucionais, em que o julgamento é feito a partir dos fatos postos e estabelecidos nas decisões das instâncias ordinárias.
Assim a realidade que se avizinha para os Tribunais Superiores que passarão a julgar este processo, é a incontroversa a condição declarada nos autos de que NÃO EXISTE conexão/relação entre o caso do suposto Triplex do Lula e os desvios na Petrobrás.
Quer dizer, não lhes restará outro caminho senão reconhecer a nulidade absoluta de todo o processado pela manifesta infringência aos primados do juiz natural e da vedação do tribunal de exceção, pois a eles não é facultado o deslinde das questões probatórias, noutras palavras, não podem voltar atrás para dizer que existe sim essa conexão à luz das provas tais, tais e tais.
Em resumo, considerando que inexiste o substrato fático que um dia ensejou a alegada situação “conexa”, então não há outro caminho para as instâncias superiores, senão a decretação da nulidade do processo, pela mencionada violação dos primados do juiz natural e da vedação do tribunal de exceção.
O processo do suposto Triplex do Lula se tornou assim irremediavelmente nulo depois do julgamento pelo TRF 4, porque somente ele teria a faculdade de rever os fatos e as provas de modo a cassar a declaração do juízo monocrático de que não existe conexão entre o caso do suposto Triplex do Lula e os desvios da Petrobrás.
Manter a validade deste processado, quando já constatado de forma inequívoca que julgamento se deu por um juízo incompetente, assiste inequívoca VIOLAÇÃO da garantia do JUIZ NATURAL, admitindo por via oblíqua a formação de um TRIBUNAL DE EXCEÇÃO para julgar um cidadão tão só pelo fato de tratar-se de um ex-presidente.
IV – Outras questiúnculas de algum relevo retórico
Então é isso intrépido amigo leitor que enfrentou o périplo de acompanhar-me até aqui, como mencionei no breve introito, a nulidade absoluta do processo do caso do suposto Triplex do Lula não depende da minha ou da sua vontade, em favor de quem quer que seja a “torcida”, mas sim, única e exclusivamente, do direito, da aplicação das normas processuais e constitucionais regentes e disciplinadoras da matéria.
Negar a um cidadão o julgamento por um juiz natural, qualquer que seja sua origem ou qualquer que tenha sido o cargo já ocupado, é algo que deve ser repelido por cada um de nós com veemência, porque não constrange o indivíduo, mas é sinal característico do grau evolutivo da sociedade em que isso acontece, como aliás, já vem sendo destacado por parte da imprensa, no que faço referência ao *insuspeito jornalista Reinaldo Azevedo, para quem “você está preparado para um sistema judicial em que, seguindo a norma das democracias, a defesa não escolhe o juiz, mas, ignorando tal norma, o juiz escolhe o réu?” (7).
Entrementes a isso, cônscio de que a temática desperta paixões, não me furto a uma pequena análise sobre questiúnculas adjacentes e que costumam crivar o debate apaixonado de muitas visões, e para que você, dileto leitor, também não se deixe levar por essas e outras.
Colho que seja senão um desserviço ao menos uma inutilidade persistir debatendo a questão sobre o prisma da prova da indigitada conduta, porquanto se trate de um tema para sempre perene no curso da história, é inolvidável que no tempo presente, a lume do sistema judicial contemporâneo, uma vez esgotada a instância ordinária pelo julgamento do TRF 4, a controvérsia sobre provas se encontra exaurida, reverberar esse ponto ao pé dos Tribunais Superiores terá o mesmo efeito do clamor popular pela aplicação de uma pena inexistente nos códigos pátrios, quer dizer, trata-se de algo sem quase nenhuma utilidade.
Alguém poderá afirmar que se trate de um expediente de relevante cunho político, todavia, com a devida licença, como já ressalvamos na abertura deste, não é de política que versamos neste artigo, mas sim de direito, a rigor, de um Estado de Democrático de Direito.
De outro lado ainda dir-se-á que inobstante a negativa expressa e clara constante na sentença dos embargos declaratórios, a conexão petrolífera se dá por uma análise macro do conjunto da obra, malgrado sem uma correlação específica, mas sim por uma ligação conjuntural.
Tenha atento dileto leitor, essas coisas são muito perigosas e apreendidas pelos acadêmicos nos primeiros anos do curso de Direito, “normas restritivas de direitos, interpretam-se restritivamente”, com mais razão se devendo assim proceder quando se trate de norma penal, cujo direito em exame é a vida e a liberdade das pessoas, em resumo, nosso maior bem jurídico tutelado. Não se deixe prender por essa perigosa esparrela.
Finalmente alguns tentarão colocar em cheque os postulados éticos da Justiça, mas, sinceramente, receio que esse não seja o bom caminho para esse conclave.
O Direito é feito de normas, de pessoas e de fatos, de tudo isso posto à análise em cada processo, portanto é natural surgirem as dissensões de pensamento e interpretação, mas sem que se desnature isso em um ato de fé ou má-fé, compreender isso também é essencial para vivermos em sociedade, tal qual a preservação de postulados como os citados, juiz natural e vedação do tribunal de exceção.
É válido assim não nos apressarmos nos julgamentos daqueles que discordam de nós, compreendendo inclusive suas falhas, erros e acertos fazem parte do ato de julgar, magistrados são seres humanos, e muitas vezes submetidos a ambientes de extrema pressão e estresse.
Considerando que toda a discussão até então estava centrada na questão das provas, é natural que viesse a passar despercebida essa perda superveniente da competência do órgão julgador, que é um fenômeno incomum de acontecer em processos criminais, embora não isente de culpa o e. MP, este sim responsável por induzir o judiciário em erro.
Dito isso o que importa, ao menos ao meu singelo sentir, é que os erros sejam corrigidos, as nulidades sejam declaradas no tempo oportuno e possamos continuar preservando nosso Estado Democrático de Direito, e para o qual espero poder ter contribuído nessas mal traçadas linhas, de um, por assim dizer, curioso cidadão.
REFERÊNCIAS
(1) GOMES, Luiz Flávio, disponível em, acesso em 26.01.18
(2) WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. Vol. I, 15ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, pag. 144.
(3) FUX, Luiz. STF. 1ª Turma. ARE 713211 AgR / MG – MINAS GERAIS. Para acessar o conteúdo do voto, acesse: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4304602
(4) Para ter acesso a decisão integral do Ministro Teori Zavascki na Reclamação n. 23.457 Paraná, consulte o DJE n. 124/2016, a partir da página 112 a 116, clicando aqui: http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=11187678&tipo=DJ&descricao=DJE%20N%BA%20124%20-%2015/06/2016
(5) STRECK, Lenio Luiz, O paradoxo de Münchhausen do caso Lula: se o MPF ganhar, Moro perde. Conjur. 22.01.18. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-jan-22/streck-paradoxo-munchhausen-lula-mpf-ganha-moro-perde?imprimir=1
(6) Para ter acesso a decisão do Agravo Regimental na Reclamação n. 23.457 Paraná, consulte o DJE n. 75/2017, na página 78, clicando aqui: http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=12735334&tipo=DJ&descricao=DJE%20N%BA%2075%20-%2011/04/2017
(7) AZEVEDO, Reinaldo. Em Banânia, a Teoria do Domínio do Fato virou ‘Teoria do Domínio da Fábula´. Cuidado! Folha de São Paulo, 23.01.18. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/reinaldoazevedo/2018/01/1953350-em-banania-a-teoria-do-dominio-do-fato-virou-teoria-do-dominio-da-fabula-cuidado.shtml?loggedpaywall
*por se tratar, fato público e notório, de um analista crítico ferrenho do ex-presidente processado, o Jornalista Reinaldo Azevedo é insuspeito de estar agindo no interesse dessa mesma persona.