Quem pode não escolhe para os filhos aulas por meio de um computador com professor à distância.
O ensino é precarizado, pois perguntas e respostas não ocorrem de forma imediata e a ausência de interação entre professores e alunos em sala de aula acaba interferindo no ambiente escolar e em todo o meio se for numa pequena comunidade.
Quem é mais afetado, naturalmente, recusa com horror o Projeto de Ensino Médio com Mediação Tecnológica que tem como base legal a LDB n.9.394/96, as Resoluções n. 04/2010-CNE/CEB, n.2/2012-CNE/CEB, n.095/2003-CEE/RO e n.1.166-CEE/RO.
Conforme a Portaria 680/2016-GAB/SEDUC, o projeto é executado com um professor presencial que se restringe ao controle da frequência de alunos, à orientação da transmissão das dúvidas dos alunos aos professores ministrantes, lançamento de notas e outras atividades rotineiras.
É o professor ministrante, não presencial, que elabora as avaliações, o Plano de Estudo e ministra as aulas em tempo real, no estúdio, via satélite.
Na prática é bem pior que na teoria.
O governo vem sofrendo sérias críticas com a implantação do que não admite ser ensino à distância, mas é.
Há protestos à nova modalidade de ensino e os mais intensos ocorrem em regiões de difícil acesso e com modo de vida diferenciado, como as que abrigam comunidades ribeirinhas e indígenas.
O Ministério Público vem colhendo denúncias e abaixo-assinados em vários municípios contra a tal ‘mediação tecnológica’ e por meio da Defensoria da Educação, recebeu a queixa de pais e alunos da Escola Francisco Desmorest Passos no distrito de Nazaré que tem internet de péssima qualidade.
O acesso ao sinal é restrito e só permitido enquanto/quando a escola funciona. Na comunidade como um todo, não é possível navegar na internet. As crianças se conectam umas às outras e não a computadores.
Foto: Ronaldo Nina
“O projeto EMMTEc não garante aos alunos do ensino médio do campo, igualdade de condições para o acesso à sua permanência na escola, pois a internet não tem qualidade suficiente para a transmissão e correspondência via chat com professor ministrante na cidade de Porto Velho. Qualquer dúvida dos alunos tem que ser enviada por e-mail ou WhatsApp para posterior resposta do professor da disciplina. Já o tutor não tem condições de tirar dúvidas”, denuncia o abaixo-assinado.
No documento enviado ao MP, a comunidade pede não só Ensino Médio Regular com professor presente na sala de aula, mas também o EJA, programa de Educação De Jovens E Adultos.
“Defendemos a implantação do EJA urgentemente, noturno, para assegurar aos que querem este direito de concluir o ensino médio, o que já foi reivindicado desde 2015”.
A Escola Francisco Desmorest Passos tem cerca de 300 alunos, diretora, supervisora, orientadora e sete professores disponíveis.
Para os moradores o projeto é um interferência brutal na comunidade que tem costumes e modos de criação que fatalmente serão afetados por essa modalidade de ensino fria, distante do viver ribeirinho.
“Nós sonhamos com uma escola da floresta, que forme nossos filhos sem perder suas origens. Tenho filha e netos nesta escola e não quero que estudem com um professor do outro lado do computador.
Quero um professor que conheça e trabalhe nossa realidade”, disse o senhor Artêmio, um dos primeiros educadores de Nazaré.
Todas as atividades na escola levam em consideração o modo de viver, mas Nazaré é ainda mais importante no contexto social porque abriga o festival folclórico mais denso do estado, uma tradição que dura mais de meio século e que começou por iniciativa de um professor, um visionário chamado Manoel Maciel Nunes.
“Nós exigimos respeito a nosso direito de decidir o que é melhor para nossas futuras gerações e o cumprimento às leis nacionais e internacionais que nos reconhecem como população tradicional, conforme decreto 6040, de 07 de fevereiro de 2007, que instituiu a Política Nacional de
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, bem como à Convenção da OIT”, ressaltaram no documento.
Nazaré é um distrito que se diferencia culturalmente, que possui formas muito próprias de organização social, de uso do território e de seus recursos naturais.
Tanto é, que em 27 de julho de 2016 o governo do estado emitiu uma portaria reconhecendo na comunidade “sua inigualável importância cultural na preservação do folclore e das tradições amazônicas”.
A comunidade só quer que o governo prove o respeito que demonstrou num pedaço de papel, numa portaria.