EXCLUSIVO – Este blog teve acesso e já divulgou informações de um processo que corria em segredo de justiça e envolve o presidente da seccional da OAB em Rondônia, Andrey Cavalcante, numa ação trabalhista marcada por obscuridades e fraude à execução. Por um lapso, pois foi equivocadamente publicado no DJe, também foi possível examinar o acórdão de um agravo de petição que manteve a multa ao presidente por atentar contra a dignidade da justiça.
A princípio, Andrey foi arrolado como testemunha e a decisão de primeira instância recomendou à Polícia Federal, ao Ministério Público Federal, à Receita Federal e à Seccional que preside, fosse investigada sua participação no negócio tão obscuro e por faltar com a verdade perante o Juízo.
O acórdão do agravo de petição interposto por ele e outros, foi parcialmente acolhido pelo TRT da 14ª Região.
O presidente da OAB requereu e foi deferida a mudança da condição de testemunha para informante.
“Como se sabe, em todas as fases processuais exige-se das partes o respeito aos deveres de lealdade e boa-fé processual, sendo condutas que violam tais deveres, devem ser punidas ordinariamente na forma dos arts. 77,80 e 81 do CPC”, diz o acórdão.
Em suma, o negócio jurídico foi firmado pela relação de amizade havida entre os agravantes de forma não prevista em lei.
Ao contrário do ex-presidente Lula que fez de tudo para provar ao juiz Sérgio Moro que nunca foi ‘proprietário de fato’ do tríplex da OAS e mesmo assim foi condenado, Andrey contou com a condescendência de juízes por ter participado de um negócio jurídico obscuro, sem prova de titularidade e com fortes indícios de fraude à execução.
A penhora sobre o imóvel foi desconstituída e dele afastada a má-fé.
“Verificou que ele se limitou a realizar negócio jurídico com pessoa de sua estima, ex-cliente, inclusive não observando os critérios legais, de forma que a presunção de que atuou na intenção de causar lesão a terceiros não se configura evidente”, consta no acórdão.
Merece destaque o fato de – segundo o acórdão – o presidente da OAB-RO ter participado do negócio com um amigo/empresário inscrito no “Banco Nacional de Devedores Trabalhistas” em razão do inadimplemento de obrigações estabelecidas em 73 processos que tramitam somente no âmbito deste tribunal”.
Andrey Cavalcante foi reeleito em 2016, militou ativamente a favor do impeachment da presidenta eleita e em artigo na imprensa local, chegou a elogiar a condenação do juiz Sérgio Moro imposta a Lula.
“A leitura desapaixonada do calhamaço de 218 páginas pelo qual o juiz Sérgio Moro condenou o ex-presidente a nove anos e seis meses de prisão em regime fechado mostra que o magistrado foi cuidadoso ao elencar delações, depoimentos de testemunhas e documentação comprobatória de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A importância do caso, considerando tratar-se de um ex-presidente da república, aliada a uma postura incisiva da defesa, fizeram o juiz adotar no relato e análise do processo e dos fatos apurados um trabalho cuidadoso”, escreveu.
Na ocasião, declarou a importância da condenação “para o fortalecimento institucional do país, para a consolidação de um princípio que deveria estar presente na consciência de cada cidadão, independentemente de cor, credo, opção sexual ou pensamento político: A lei vale para todos! ”.
Será que Andrey gostaria de ter Moro como juiz no processo que lhe rendeu condenação apenas à multa por atentado à dignidade da justiça?
O que deveria ser um escândalo, pois coloca o presidente da OAB-RO em condição semelhante à da deputada Cristiane Brasil que tenta ocupar o cargo de ministra do trabalho tendo violado normas trabalhistas, não é noticiado na imprensa local.
Apesar de estar sob sigilo, o processo é comentado há muito tempo no meio jurídico e pasme, com relativização moral.
Chama a atenção que Andrey não tenha questionado a publicação do acórdão no DJe em função do sigilo e nem a manutenção da multa.
O caso comporta um curioso paralelo com a ação em que o ex-presidente Lula não conseguiu evitar condenação sem provas.
Diz o acordão sobre Andrey e caso do apartamento 202:
“No mérito, alega que restou demonstrado nos autos que os embargantes adquiriram o imóvel discutido, qual seja, (…), em 07-03-2014 mediante contrato particular de promessa de compra e venda consigo firmado (fls. 24-28), que teria eficácia jurídica para demonstrar a boa-fé dos adquirentes e a ilegalidade da penhora efetivada, consoante se poderia extrair do enunciado da Súmula nº 84 do STJ. Alude que a escritura pública de compra e venda (fls. 29-31) foi efetivada em 27-06-2014 e o registro no cartório de imóveis ocorreu em 17-09-2014, ao passo que a penhora do imóvel teria ocorrido em 02-10-2015 e registrada somente em 12-08-2016, ou seja, quase dois anos após a efetivação do negócio jurídico. Assere que, antes dos embargantes, constava como proprietário no registro de imóveis (…), e não o embargado (…) e que, apesar de o juízo primevo ter considerado o primeiro mero “laranja” deste último, tal fato não é suficiente, por si só, para desconstituir a venda realizada a terceiro de boa-fé, mormente diante da ausência de registro de constrição judicial na matrícula do bem.”
Andrey comprou e apresentou provas de que pagou o imóvel sem observar os limites legais, mas mesmo assim convenceu o colegiado de que não agiu com má-fé.
“Em sua minuta de agravo, portanto, busca demonstrar que o negócio jurídico de compra e venda do imóvel ora discutido foi adimplido mediante dação em pagamento (R$210.000,00), satisfação de dívida de terceiro (R$127.777,70), depósitos e transferências bancárias destinadas à mãe de (…) (R$394.568,00) e compensação com dívidas judiciais deste (R$50.000,00), ressaltando ainda que vários outros valores foram quitados de forma aleatória durante os anos.”
Pode o presidente da OAB se meter em negócio fora dos parâmetros legais por desconhecimento da lei?
É sensato considerar absoluta a boa-fé, num negócio considerado tão obscuro pelo próprio Tribunal?
Os desembargadores concluíram que sim. Andrey ‘sem querer’ prejudicar ninguém, participou de um negócio ilícito.
“Art. 774. Considera-se atentatória à dignidade da justiça a conduta comissiva ou omissiva do executado que: I – frauda a execução; II – se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos; III – dificulta ou embaraça a realização da penhora; IV – resiste injustificadamente às ordens judiciais; V – intimado, não indica ao juiz quais são e onde estão os bens sujeitos à penhora e os respectivos valores, nem exibe prova de sua propriedade e, se for o caso, certidão negativa de ônus. Parágrafo único. Nos casos previstos neste artigo, o juiz fixará multa em montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do débito em execução, a qual será revertida em proveito do exequente, exigível nos próprios autos do processo, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material. Na sentença, o juízo primevo fundamentou a aplicação de multa de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação ao executado (…) na prática de fraude à execução, ao alienar imóvel em detrimento dos credores, no fato de ele ter se oposto maliciosamente à execução e de ter dificultado e embaraçado a penhora ao colocar o bem em nome de terceiros. O agravante (…) e (…) foram condenados solidariamente ao pagamento da multa, com fundamento no art. 942, parágrafo único do Código Civil, ao argumento de que o primeiro intermediou negociação que sabidamente constitui fraude à execução e o segundo cedeu seu nome para objetivo ilícito. Embora a penhora realizada sobre o imóvel objeto da presente demanda tenha sido desconstituída em razão de os seus atuais proprietários serem terceiros de boa-fé, permanecem existentes fundamentos para a aplicação da multa ora discutida, pautados nas condutas dos senhores (…), (…) e (…), não havendo falar em ausência de justa causa. Isso porque confirmou-se que o executado (…) se opôs maliciosamente à execução, tendo empregado ardis e meio artificiosos, bem como dificultou e embaraçou a realização de penhora sobre o imóvel objeto dos presentes embargos ao ter simulado uma alienação a (…), que perdurou durante vários anos, período no qual tramitava contra si uma série de processos trabalhistas. Também permanece a constatação de que (…) deve responder solidariamente por ter fornecido seu nome para o objetivo ilícito acima. Quanto ao agravante Andrey Cavalcante de Carvalho, verificou-se que ele se limitou a realizar negócio jurídico, com pessoa de sua estima, ex-cliente, inclusive, não observando os critérios legais, de forma que a presunção de que atuou na intenção de causar lesão a terceiros não se configura evidente. Todavia, ao preterir as cautelas e as garantias legais exigíveis, assumiu os riscos decorrentes da inobservância delas, o que teve por consequência contribuir, ainda que sem intenção, com o comportamento doloso (…), de forma que também deve ser solidariamente responsável pela multa aplicada a este último. Desse modo, por diferente fundamentação, mantém-se a multa aplicada por ato atentatório à dignidade da justiça.”
O colegiado entendeu assim.
Resta saber como a sociedade julgará a conduta do presidente da seccional da OAB e como a advocacia rondoniense usará o péssimo exemplo na próxima eleição, marcada para outubro.
É muito grave que a OAB que clama tanto contra a impunidade e o combate à corrupção – dos outros – seja presidida numa seccional estadual por um profissional envolvido em um caso tão obscuro de relações comerciais ilícitas.